O globo, n. 31308, 26/04/2019. Economia, p. 15

 

Previsões diferentes

Geralda Doca

Manoel Ventura

26/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Bolsonaro fala em economia de R$ 800 bi, mas equipe de Guedes busca R$ 1,2 tri

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que, se a reforma da Previdência resultar em economia menor que R$ 800 bilhões em dez anos, “a situação vai explodir em 2022”, e o país enfrentará situação parecida comada Argentina, que vive grave crise econômica, de acordo comoblog do jornalista João Borges, do G1. As declarações do presidente foram feitas no mesmo dia em que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, informou que trabalha para obter um ganho fis calde R$ 1,236 trilhão no período.

O comentário do presidente,durante café da manhã com jornalistas, causou desconfortoentre os técnicos, porque, ao admitir valor menor, ele criou um piso para o efeito das mudanças nas regras da aposentadoria nas contas públicas. Mais tarde, o presidente minimizou, alegando que a proposta está nas mãos do Congresso:

—Abola agora está como Legislativo. Eu gostaria que a nossa proposta saísse na ponta da linha como entrou. Mas nós sabemos, até pela minha experiência de sete legislaturas, que haverá mudanças — afirmou Bolsonaro, acrescentando: —Agora não existe um dado mínimo, né? O Paulo Guedes (ministro da Economia) fala em torno de R$ 1,1 trilhão. Agente espera que, em havendo qualquer desidratação, não seja um número que comprometa uma reforma.

Nas redes sociais, à noite, Bolsonaro escreveu que “sem desidratar, a Nova Previdência gerará economia de R $1 trilhão ao país” equeis sopo de potencializar investimentos.

A cifra divulgada ontem pela equipe econômica representa aumento de R$ 71,8 bilhões no ganho fiscal da reforma em relação à projeção divulgada na proposta de emenda à Constituição (PEC) enviada ao Congresso em fevereiro, que era de R$ 1,164 trilhão. O valor subiu porque o governo mudou o período de cálculo do impacto —de 2019 a 2028 para 2020 a 2029. Além disso, passou a usar os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020.

De acordo com os dados detalhados da economia estimada coma mudança nas regras da aposentadoria, a maior contribuição virá dos trabalhadores do setor privado( INSS ), que vão responder por redução de despesa de R $807,9 bilhões em dez anos. Já aparcela dos servidores públicos da União está estimada em R$ 224,5 bilhões. As projeções não incluem detalhes sobre o ganho fiscal da reforma do sistema das Forças Armadas, de R$ 10,45 bilhões em dez anos.

O secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, alertou que, proporcionalmente, os servidores públicos serão mais sacrificados porque ganham mais. Ele comparou o universo de segurados ativos no INSS, que é de 71 milhões de trabalhadores, com o total de servidores públicos (ativos e inativos), de 1,4 milhão. Marinho destacou que o governo reduziu as alíquotas previdenciárias de quem ganha menos e elevou de forma progressiva de quem ganha mais.

O peso dos servidores

Ao ser indagado se a declaração de Bolsonaro poderia prejudicar as negociações no Congresso, disseque está preparado para defender o projeto original e brigar porR$1t ril hão. Afaladop residente, disse Marinho, foi no sentido de respeitar o Parlamento:

—O projeto que nós apresentamo sé oque vamos defender na Comissão Especial na sua integralidade.

O plano da equipe econômica era abrir os números apenas nas negociações na Comissão Especial para evitara desidratação da proposta. O detalhamento mostra que, se o governo abrir mão de pontos que enfrentam maior resistência —como mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC, pago a idosos de baixa renda), nas aposentadorias rurais e de professores e no abono salarial —, conseguirá economia de R$ 900 bilhões.

O governo não detalhou o efeito fiscal das regras de transição e da proibição para acúmulo de benefícios (aposentadoria e pensão). E não informou a estimativa do custo do novo regime de capitalização, no qual os trabalhadores passariam a contribuir apenas para a própria aposentadoria.

Embora a equipe econômica defenda, publicamente, que a divulgação do impacto detalhado na reforma torna o processo mais transparente, nos bastidores, técnicos avaliam que a apresentação dos número sé delicada. Além de prejudicara negociação no Congresso, os dados serão usados pela oposição e por corporações contrárias às mudanças para contestara proposta.

O governo divulgou ontem um estudo para demonstrar como a reforma vai atingir, proporcionalmente, mais funcionários públicos doque trabalhadores do setor privado. O documento da Secretaria de Política Econômica (SPE) aponta que a União gasta mais com cada servidor que se aposenta do que com cada beneficiário do INSS.

Um exemplo são os casos de trabalhadores que se aposentam com três salários mínimos. Tanto no setor privado quanto no funcionalismo, o governo precisa colocar dinheiro do Tesouro Nacional para que o cidadão tenha aposentadoria até o fim da vida. Issoocorre porque oque ele contribuiu nãoé suficiente para pagar todos os benefícios.

A diferença está nova lorque o governo colo canos dois casos,chamado de subsídio. Para um aposentado pelo INSS com três salários mínimos, o governo precisa colocar, hoje, R$ 186,1 mil para que esse cidadão tenha aposentadoria até o fim da sua vida. No caso do servidor público que se aposenta pelo mesmo valor, a quantia é muito maior: R$ 406,3 mil. Coma reforma, o subsídio será próximo de R$ 35 mil para os dois casos.