Valor econômico, v. 18, n. 4520, 08/06/2018. Finanças, p. C1

 

BC reage a pânico e garante liquidez para acalmar mercado

José de Castro

Lucas Hirata

Eduardo Campos

Fábio Pupo

08/06/2018

 

 

O mercado financeiro teve um dia de pânico ontem, numa dinâmica que trouxe à memória a forte instabilidade vivida em 2002. No pior momento, o dólar se aproximou de R$ 4 e as taxas de juros futuros alcançaram níveis que forçaram a B3 a ampliar os limites de oscilação. O Ibovespa chegou a mergulhar mais de 6% e perder quase 5 mil pontos.

Tamanho estresse forçou o Banco Central a vir a público para tentar acalmar o mercado. Em entrevista convocada no início da noite de ontem, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, anunciou que, até o fim da semana que vem, vai ofertar mais US$ 20 bilhões em swaps cambiais adicionais. Ele disse que está disposto a usar o instrumento que for necessário - reservas, leilões de linhas e swaps - para fazer frente à instabilidade do mercado, inclusive dizendo que o estoque de swaps pode ir além dos US$ 110 bilhões alcançados em 2015.

A afirmação, porém, acabou gerando dúvidas entre analistas, já que o BC programou para hoje os mesmos 15 mil contratos que vem disponibilizando diariamente. Ainda assim, a expectativa é que a demonstração de que o BC está atento e disposto a agir pode contribuir para dar algum alívio ao mercado, na opinião de especialistas. Contratos de real negociados nos Estados Unidos já indicavam, na noite de ontem, uma recuperação da moeda brasileira, que operava em alta de 2,5% ante o dólar.

Apenas ontem, o BC despejou no mercado US$ 2,75 bilhões. Mas a forte injeção de liquidez mais uma vez não impediu que o real figurasse entre as piores divisas no mundo. E o clima de incerteza que dominou os mercados deu margem para todo tipo de especulação e rumor.

O receio de que o BC tenha que recorrer a um aumento de juro para conter a desvalorização do câmbio impactou os preços e a curva de juros encerrou o dia embutindo a probabilidade de uma alta de 0,50 ponto percentual da taxa Selic na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do dia 20 de junho. No pior momento do dia, as taxas chegaram a precificar uma elevação de 0,75 ponto, o que gerou rumores de que o BC iria convocar uma reunião extraordinária para elevar a Selic. Isso, a despeito do entendimento de que não há fuga de capital por trás do movimento do mercado, o que tornaria um aumento de juro um instrumento inadequado.

Na entrevista, o presidente do BC voltou a reiterar que não vai usar o juro para controlar o câmbio. E minimizou o possível impacto da última decisão do Copom que deixou inalterada a Selic, enquanto o mercado apostava em redução, levantando dúvidas sobre a efetividade da comunicação da autoridade monetária com o mercado. "Não me parece o ponto mais relevante [discutir impacto da última decisão do Copom]. Muitos consideram a decisão acertada; tem sempre que avaliar como as condições mudaram, inclusive na reunião do Copom", disse.

O fato de o mercado colocar suas fichas num cenário como esse indica o nível de desconfiança em relação às orientações do Banco Central. "A apreensão aumenta ainda mais porque as pessoas veem o que a Turquia fez [ontem]", diz um operador, referindo-se à inesperada alta de juros promovida pelo BC turco.

Ainda falta muito para o BC subir juros, diz um economista de um banco. Contudo, um fracasso na tentativa de estabilizar o dólar abaixo de R$ 4 e uma alta da moeda para a faixa de R$ 4,20 deixariam poucas opções a não ser apertar a política monetária. "O fato é que o Brasil passou a oferecer mais risco com menos retorno. E isso explica o porquê da piora relativa dos ativos do país não apenas agora, mas nos últimos meses", diz.

Zeragem de posições foi a expressão de ordem do dia, puxadas por uma onda de "stop-loss" de investidores que buscavam de forma desesperada saída para as posições prefixadas e em bolsa. Tal movimento bateu em cheio na taxa de câmbio, com empresas e investidores correndo para os mercados de derivativos e a termo.

"Houve euforia no começo do ano. O mercado foi de certa forma leniente com os riscos. Todo mundo foi na mesma direção. E agora todo mundo quer sair ao mesmo tempo", diz o economista. "Esse ajuste é normal, na medida do possível, e vai durar algum tempo."

Na avaliação de Anderson Godoi, superintendente-executivo da tesouraria do Banco MUFG Brasil, há fundos locais e estrangeiros comprando dólar, e empresas buscando hedge. Segundo ele, é difícil dizer se o movimento de "stop" vai continuar. Mas, se por um lado os fundamentos da economia são "muito diferentes" de 2002, hoje o mercado demonstra desconforto sobre o futuro das reformas.

Depois de fechar a R$ 3,8371 na quarta, o dólar disparou ontem, alcançando, na máxima, R$ 3,9674. No fechamento, a alta foi de 2,25%, para R$ 3,9233 - ainda assim, o patamar mais alto desde 1º de março de 2016 (R$ 3,94375). O dólar já sobe 4,20% nesta semana, 5,02% em junho, 18,40% no ano e 19,86% em 12 meses.

O estresse nos ativos domésticos decorre de uma combinação de fatores. Além do exterior arisco para emergentes, aqui há um misto de desânimo com as perspectivas eleitorais, falta de confiança no ajuste fiscal e ceticismo com o "modus operandi" do BC e do Tesouro Nacional para acalmar os ânimos dos investidores.

Para a Icatu Vanguarda, é difícil que essas atuações mudem a direção dos mercados, mas podem trazer alguma acomodação e "mais funcionalidade, que de fato se perdeu ao longo desta semana". "Fora uma mudança substancial do cenário externo, apenas uma alteração no quadro político local, que venha a aumentar significativamente a probabilidade de vitória de um candidato liberal e reformista, será capaz de reverter estes movimentos negativos", destaca a casa.

Neil Shearing, economista-chefe para mercados emergentes da consultoria Capital Economics, não descarta a possibilidade de uma nova "explosão" no dólar nos próximos seis meses diante da ansiedade com as eleições. Para ele, diferentemente de 2015, quando o dólar chegou quase a R$ 4,25, o mercado entendia que o sucessor de Dilma Rousseff após o impeachment, Michel Temer, perseguiria uma agenda econômica mais amigável ao mercado. E isso provavelmente deu suporte ao real nos meses seguintes. "Mas desta vez não há nenhum alento nesse sentido."