Valor econômico, v. 18, n. 4525, 15/06/2018. Política, p. A7

 

STF declara ilegalidade de condução coercitiva

Luísa Martins 

15/06/2018

 

 

Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou ilegal a prática da condução coercitiva para interrogatório, mesmo quando o investigado se recusa a prestar depoimento. Por maioria, os ministros entenderam que levar uma pessoa compulsoriamente à delegacia afronta direitos constitucionais como o de ir e vir e o de não produzir provas contra si mesmo.

Apesar da decisão, não serão anulados os interrogatórios realizados até agora mediante condução coercitiva - instrumento que vinha sendo largamente utilizado no âmbito da Operação Lava-Jato. O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, que foi alvo da medida em março de 2016, no âmbito da Operação Alethea, permanecerá válido.

Desde ontem, porém, agentes que realizarem a medida estão sujeitos a penalidades nas esferas disciplinar, civil e penal - e as provas colhidas a partir das conduções serão consideradas ilícitas.

Venceu o voto do relator do processo, ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado por Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber.

Por outro lado, foram derrotados os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, para os quais a coercitiva era válida e não prejudicava a presunção de inocência.

O STF analisou duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) que questionavam a legalidade do instrumento - uma protocolada pelo PT e outra, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

"O ônus da prova é do Estado e todas as dúvidas devem ser interpretadas em favor do arguido, que não deve contribuir para a sua própria incriminação. Portanto, ele não tem obrigação jurídica de cooperar com órgãos e agentes da persecução penal. Não tem sentido adotar-se medida de caráter restritivo com alguém, para interrogatório, sob o fundamento de que a pessoa não se mostrou disposta a colaborar com o Estado", votou o decano.

Marco Aurélio, que o antecedeu, afirmou que a condução coercitiva "cerceia a liberdade de ir e vir do cidadão e fragiliza o homem, no que coloca em dúvida seu próprio caráter". Ele observou, ainda, que o conduzido não necessariamente dará respostas, já que tem como garantia o direito de permanecer em silêncio, tornando o procedimento injustificado.

Na semana passada, ocasião do início do julgamento, o relator afirmou que a prática era "flagrantemente" ilegal e incompatível com a dignidade da pessoa humana. "As conduções coercitivas são um novo capítulo da espetacularização das investigações", disse Gilmar.

O entendimento foi seguido por Rosa: "A coercitiva para interrogatório é medida restritiva de liberdade desprovida, a meu juízo, de justificativa cautelar, uma vez que a Constituição estabelece o direito ao silêncio e à não-autoincriminação. Se o investigado não é obrigado a depor, não pode ser obrigado a comparecer para fazê-lo", votou ela.

Por outro lado, o ministro Luiz Fux afirmou que a condução coercitiva tem produzido efeitos "muito eficientes" para combater a criminalidade. Ele acompanhou Fachin, Barroso e Cármen, segundo os quais a medida pode ser usada ainda que o investigado não tenha se recusado a prestar depoimento, desde que o juiz comprove que ela substitui outro procedimento menos gravoso, como a prisão temporária.

Embora Moraes também tenha votado pela legitimidade do instrumento, ele abriu uma divergência pontual dos demais: a condução só deveria ser aplicada se o investigado não tivesse atendido, sem justificar, intimação para depor, independentemente de ser considerada uma medida cautelar mais branda. Todos eles, no entanto, ficaram vencidos.

Em dezembro, Gilmar concedeu liminar impedindo o uso da coercitiva. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu, mas o ministro manteve seu posicionamento ao levar o caso a plenário: "Não há finalidade instrutória clara, na medida em que o arguido não é obrigado a declarar nada. Trata-se de coação arbitrária e evidente vulneração da liberdade de locomoção."

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CGU nega uso de provas de delatores

Murillo Camarotto 

15/06/2018

 

 

As restrições impostas pelo juiz Sergio Moro ao uso de provas compartilhadas pela Lava-Jato não afetarão os processos administrativos e nem os acordos de leniência tocados pela Controladoria-Geral da República (CGU). O ministro da pasta, Wagner Rosário, disse ao Valor que as equipes que cuidam desses casos já estavam orientadas a não aproveitarem provas oriundas de delações em eventuais processos contra as empresas investigadas.

De acordo com o ministro, as decisões anunciadas por Moro "estão em linha com o princípio básico" das colaborações premiadas, de que as provas apresentadas por determinada empresa não podem ser usadas contra elas. Por conta disso, Rosário garantiu que os acordos de leniência que estão perto de ser anunciados não serão afetados.

Com o objetivo de proteger delatores e empresas que celebraram acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF), Moro oficializou uma ordem para que as provas compartilhadas pela Lava-Jato com órgãos administrativos não sejam usadas em processos contra as empresas colaboradoras. A decisão inclui, além da CGU, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e também a Receita Federal.

No caso do TCU, a decisão do juiz foi recebida com um misto de surpresa, indignação e questionamentos. Técnicos lembraram que o órgão abasteceu a Lava-Jato em várias investigações, adiou julgamentos a pedido do MPF e que agora não está sendo mais tratado como um parceiro.

Apesar do desapontamento, a avaliação é de que os efeitos práticos sobre os processos em curso no TCU serão pequenos. O argumento é de que poucas provas oriundas de delações foram usadas até agora e que, mesmo nesses casos, o tribunal tem condições de conseguir o material por outros meios, ainda que isso exija um pouco mais de tempo.

"A iniciativa do MPF e a decisão do juiz Moro criam mais tumulto que consequências jurídicas. O TCU vem prestigiando os acordos da Lava-Jato, tanto que acatou o pedido da força-tarefa e não declarou a inidoneidade das empresas colaboradoras no caso de Angra 3", reagiu o ministro Bruno Dantas, que relata processos que envolvem a Lava-Jato.

"O doutor Deltan Dallagnol veio ao TCU e nos disse inúmeras vezes que não prometeu anistia às empresas quanto aos danos causados pelo superfaturamento, que é de dezenas de bilhões de reais, muitas vezes superior ao que foi negociado em Curitiba. Se é assim, por que agora pretender, ao arrepio da lei brasileira, subtrair dos órgãos de controle o acesso a uma parte do conjunto probatório que auxiliaria no cálculo do dano ao erário?", completa o ministro. A decisão de Moro se deu com base em um pedido da equipe liderada por Deltan.

A impressão mais concreta no TCU é de que há várias pontas soltas na decisão de Moro e que o destino natural dos processos será o Supremo Tribunal Federal (STF). Se a judicialização acaba atrasando a punição as empresas, a falta de uma desfecho para os episódios da Lava-Jato traz insegurança jurídica e imprevisibilidade. Um advogado de empreiteira costuma dizer que "é melhor um fim terrível do que um terror sem fim".

Para o TCU, Moro não deixou claro, por exemplo, se estão vedadas apenas as provas entregues por delatores ou também as provas judiciais, obtidas em buscas, apreensões, grampos telefônicos e quebras de sigilo, por exemplo.

A 13ª Vara Federal de Curitiba foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta edição.

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Operação Cui Bono? deve separar acusações por empresas

Maíra Magro 

15/06/2018

 

 

Com a conclusão do relatório da Polícia Federal sobre a Operação Cui Bono?, a investigação deve ser desmembrada em uma série de denúncias a serem apresentadas à Justiça Federal em Brasília, apurou o Valor. A tendência é que a Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF) separe as acusações entre cada grupo econômico envolvido - Bertin, J&F, Marfrig e Constantino - como forma de facilitar o andamento dos processos. A Cui Bono? apura fraudes na liberação de créditos da Caixa Econômica Federal.

No relatório, sigiloso, a PF indicia 16 pessoas, incluindo políticos, empresários, operadores e ex-dirigentes da Caixa. A PF também ressalta, com trechos de um outro inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), a ocorrência de "indícios suficientes" de que o presidente Michel Temer estaria envolvido na tentativa de comprar o silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, incentivando o empresário Joesley Batista a manter pagamentos ao ex-deputado para que ele não fizesse acordo de delação.

"No edifício probatório dos autos do inquérito 4483/STF foram verificados indícios suficientes de materialidade e autoria atribuível a Michel Miguel Elias Temer Lulia, presidente da República, no delito previsto no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/13, por embaraçar investigação de infração penal praticada por organização criminosa." A atuação teria sido feita, segundo o documento, na medida em que Temer "incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos a Eduardo Cunha, pelo empresário Joesley Batista, ao tempo em que deixou de comunicar autoridades competentes de suposta corrupção de membros da magistratura federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pelo mesmo empresário."

Temer já foi denunciado por obstrução de Justiça no ano passado. Mas a Câmara rejeitou enviar a denúncia ao STF. Assim, qualquer procedimento relacionado ao presidente fica suspenso até o término do mandato.

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República afirmou, por meio de nota, que "é mentirosa" a insinuação de que Temer incentivou pagamentos ilícitos a Cunha e a Funaro. "É ridículo dizer que houve obstrução à Justiça e, muito menos, relativamente a qualquer caso envolvendo integrantes da magistratura edo Ministério Público. Também afirmou que "a conversa com Joesley Batista foi deturpada pra alcançar objetivo político."

Entre os indiciados pela PF na Cui Bono? estão o ex-ministro Geddel Vieira Lima, Eduardo Cunha e o operador Lúcio Funaro. O relatório aponta indícios de que eles teriam recebido propina para liberar créditos da Caixa em favor de grupos empresariais. Também foram indiciados os ex-vice-presidentes da Caixa Fábio Cleto, Roberto Derziê de Sant'Anna e Giovanni de Carvalho Alves. A PF também apontou indícios de crimes supostamente praticados pelos empresários Silmar Roberto Bertin, Reinaldo Bertin e Natalino Bertin, do grupos Bertin; Joesley Batista, da J&F; Marcos Antonio Molina dos Santos, da Marfrig; e Henrique Constantino, do grupo Constantino.

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Brasil é o país que mais cassa mandatos municipais

Rafael Moro Martins 

15/06/2018

 

 

Desde a introdução de artigo na lei eleitoral que trata da compra de votos, em 1999, o Brasil se tornou o país que mais cassa mandatos no mundo. Desde as eleições de 2000, a Justiça cassa em média 5% dos prefeitos eleitos no país, disse ontem o advogado Frederico Alvim, em debate que tratou do tema em congresso sobre direito eleitoral que termina hoje em Curitiba.

"Nos últimos anos, isso dá um prefeito cassado a cada oito dias, em média", disse Alvim, que é funcionário da Justiça Eleitoral. O Brasil tem 5.570 municípios. O principal motivo do volume de cassações é que, com a mudança na legislação introduzida em 1999, a compra de um único voto avaliza que o político tenha seu mandato cassado.

Alvim e o advogado especialista em direito eleitoral Luiz Fernando Pereira apresentaram estudo em que compararam a legislação de diversos países. Nenhum país admite que se anule uma eleição sem que se comprove que a fraude alterou seu resultado.

"No México, por exemplo, se a diferença entre o vencedor da eleição e o segundo colocado for maior que 5%, não se cassa o mandato, por mais grave que tenha sido o ilícito. Entende-se, por lá, que isso seria uma punição contra-majoritária, contra o desejo do eleitorado", argumentou Pereira.

"Até 1999, usávamos parâmetros internacionalmente aceitos, e não cassávamos praticamente ninguém. Depois demos um salto hermenêutico em que um voto só comprado pode resultar em cassação", disse o advogado. Sem critérios claros, cabe ao juiz eleitoral presumir a potencialidade do dano causado.

A legislação da maioria das democracias modernas exige que se comprove o dano causado por uma fraude eleitoral. Na França, por exemplo, a lei define que uma eleição só pode ser anulada quando sejam verificadas irregularidades com influência suficiente para falsear o resultado.

"A potencialidade presumida é uma jabuticaba, uma insanidade. Só pode se colocar no campo da arrogância de quem julga, com todo o respeito aos que julgam", criticou Pereira. "Talvez tenhamos que um dia pedir desculpas aos milhares de cassados nos últimos 20 anos."