O globo, n. 31263, 12/03/2019. Economia, p. 15

 

Entrevista - Eduardo Leite: ‘A vinculação que se tem hoje causa distorções’

Eduardo Leite

Leo Branco

12/03/2019

 

 

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), considera que a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de acabar com a vinculação de receitas orçamentárias dará maior liberdade para os gestores definirem gastos de acordo com as realidades locais. Com um rombo de R$ 7,4 bilhões no Orçamento do ano, Leite acredita que o projeto pode ser aprovado pelo Congresso junto com a Previdência.

O senhor concorda com a ideia de acabar com as vinculações orçamentárias?

Quando você tem na Constituição Federal a obrigação de vincular receitas em diversos setores, há uma interferência na nossa autoridade sobre o Orçamento. É pertinente que a gente possa discutir a desvinculação dessas receitas obrigatoriamente destinadas a diversos setores para que haja mais disponibilidade de decisão de acordo com circunstâncias, realidades locais, peculiaridades setoriais em educação e saúde.

Neste caso, a desvinculação total seria o ideal?

Não tenho um argumento contrário a isso. A vinculação que se tem hoje em dia causa distorções. Ficam os governadores obrigados a fazer a aplicação dos recursos, mas não há uma análise dos critérios da aplicação desses recursos. Sei, como prefeito que fui e de relatos de outros prefeitos, de casos em que, para cumprir os 25% (do Orçamento) com educação no fim do ano, se saiu fazendo gastos sem critério. Essa falta de planejamento no investimento acaba gerando uma deformidade no Orçamento e, consequentemente, na definição de políticas públicas.

Essa pauta terá respaldo no Congresso?

Quando se criaram as vinculações, elas foram uma tentativa de priorização de determinadas pautas, mas o que nós vimos é que não há um alto nível de correlação entre garantir a aplicação de maior percentual num setor com resultados concretos neste mesmo setor. Ter mais recursos não é garantia de resultados.

É possível ter essa discussão em conjunto com a reforma da Previdência?

Creio que sim. A própria situação da Previdência impõe essa questão. Cada vez mais o Orçamento público está sendo demandado pela Previdência. No Rio Grande do Sul, chegamos a R$ 12 bilhões de déficit na Previdência, e esse déficit vem aumentando em cerca de R$ 1 bilhão a cada ano. Essa medida, junto com o julgamento da Lei de Responsabilidade Fiscal no Supremo Tribunal Federal (STF), pode dar ferramentas para os gestores resolverem o problema fiscal e melhorarem a aplicação de recursos em políticas públicas.

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Alívio a Estados

Marcello Corrêa

André de Souza

Eduardo Bresciani

12/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Governos já comprometem mais de 100% da receita com gastos obrigatórios

A proposta do governo de flexibilizar aforma como o Orçamento é dividido deve ajudar principalmente estados e municípios, que hoje têm pouco espaço para organizaras próprias finanças. Segundo estudo do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o comprometimento da receita nos governos regionais com despesas vinculadas ou obrigatórias chega a passar de 100% nos piores casos. Isso significa que, na prática, os entes já ficam no vermelho ou perto disso independentemente de qualquer decisão dos governadores.

O desejo de diminuir essa rig ide zé a principal apostada equipe econômica para que governadores apoiem a reforma da Previdência. Para isso, está sendo costurado um acordo com o Legislativo para que, enquanto a Câmara analisa a reforma, o Senado aprecie uma emenda constitucional de desvinculação total do Orçamento.

O estudo de Velloso considerou dados dos dois estados com situações mais críticas: Rio de Janeiro e Minas Gerais. De acordo com o economista, oRioé ocaso mais crítico. De toda a receita corrente líquida do estado, 74% vão para o que ele chama de “donos do Orçamento”, o que inclui despesas mínimas com saúde e educação previstas na Constituição, além de gastos praticamente obrigatórios, como os com segurança. Somando os 28% comprometidos como pagamento de inativos e pensionistas, o total chega a 102%. O levantamento foi feito com base no balanço de 2016, quando a receita estadual foi de R$ 49,5 bilhões.

No caso de Minas, a situação é parecida, conforme dados compilados pelo especialista, estes de 2015. Gastos obrigatórios e vinculados somam quase 93% da receita e, junto com as despesas que dependem mais de decisões do governo, o resultado é um rombo de 14%.

Mais poder ao Congresso

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da desvinculação deve mexer nas previsões constitucionais, que são mais duras para estados do que para a União. De tudo que arrecadam, estados precisam destinar 25% para a educação e 15% para a saúde. No governo federal, o mínimo constitucional para educação é de 18%. Mas os gastos são limitados pela regra do teto, que determina que as despesas devem crescer apenas com base na inflação. Isso reduz ainda mais a margem de manobra do Executivo.

Para Velloso, a desvinculação pode dar fôlego para os estados mexerem mais livremente no Orçamento:

—Na hora que você conseguir reduzir o gasto desses segmentos que são protegidos por vinculações formais ou informais, vai sobrar espaço, o que, no primeiro momento, vai reduzir o déficit orçamentário.

Para Margarida Gutierrez, também especialista em contas públicas, a ideia de desvincular faz sentido, tanto para estados quanto para a União, mas pode enfrentar barreiras.

— Com essa rigidez, o governo não pode fazer política fiscal, fica no automático. Agora, desvincular é algo trabalhoso. Todo ano, o Congresso vai precisar discutir todo o Orçamento. É preciso ver como isso vai ficar do ponto de vista operacional —afirma.

Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a ideia da desvinculação:

—Eu, na minha visão, julgo que é muito bom, porque o Congresso recupera um poder que hoje ele não tem, que é de realmente montar o Orçamento. E o Executivo fica com a grande função de executar.

'Contaminação' da reforma

Antes disso, contudo, será preciso vencer resistências no Congresso. O deputado e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR) apoia a ideia de Guedes. Mas acredita que, mesmo coma eventual apresentação e aprovação da proposta, as bancadas da saúde e da educação são fortes o suficiente para impedira redução de recursos nas duas áreas.

—Eu não vejo nem possibilidade de redução. Afrente parlamentar das aúdeé muito articulada. Afrente parlamentar da educação é muito articulada. Mas acredito que o debate sobre o que realmente é necessário de recursos para cada setor é útil para o Congresso Nacional e para a sociedade brasileira —disse o ex-ministro.

O deputado Danilo Cabral (PSB-PE), que presidiu a Comissão de Educação da Câmara até dezembro do ano passado, diz que o objetivo de Guedes é retirar recursos das áreas de saúde e educação:

— Nossa preocupaçãoéo risco de retirar recursos dessas áreas. Porque, se o ministro Paulo Guedes está querendo tirar o piso de investimento, é para retirar recursos da saúde e da educação, não para colocar mais.

Embora com opiniões distintas, tanto Barros como Cabral acreditam que a eventual apresentação da proposta pode contaminara tramitação da reforma da Previdência, queéa prioridade do governo do presidente JairBol sonar o.

— Pode virar um tiro no pé, porque isso vai acabar contaminando a reforma da Previdência. É um erro político —avaliou Cabral.

A tramitação da reforma da Previdência na Câmara vai começar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A CCJ terá 66 integrantes, sendo 33 titulares e 33 suplentes. Dessas vagas, 39 serão ocupadas por indicação do bloco de partidos que elegeu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Esse grupo tende a ser formado por apoiadores da reforma.