O globo, n. 31266, 15/03/2019. País, p. 6

 

Toffoli quer investigar procuradores da Lava-Jato

Carolina Brígido

15/03/2019

 

 

Presidente do Supremo Tribunal Federal abriu inquérito para apurar ofensas consideradas criminosas à Corte e seus integrantes. Entre os alvos estão Deltan Dallagnol e Diogo Castor por postagens na internet

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, abriu ontem um inquérito para apurar ofensas consideradas criminosas à Corte e seus integrantes. Entre os alvos, estão procuradores da Lava-Jato que postaram vídeos na internet, como Deltan Dallagnol, conclamando a população a tomar partido no julgamento que decidiu ontem que processos sobrec rimes ligadosà prática de caixa dois, como corrupção e lavagem de dinheiro, devem serenv ia dosà Justiça Eleitoral. Outro investigados erá Diogo Castor, que publicou um artigo dizendo que o tribunal preparava um “golpe” contra a Lava-Jato.

Também será investigada a ação da Receita Federal, que recentemente incluiu o ministro Gilmar Mendes, sua mulher, a advogada Guiomar, e a mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, em uma lista de movimentações financeiras suspeitas,para serem averiguadas. Ahi pó teseéded enunciação caluniosa, poisa investigação preliminar teria chegado a conclusões graves sem provas concretas.

O relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes. Deve ser designado um delegado da Polícia Federal e um juiz auxiliar para conduzir as investigações. As apurações não terão a participação da Procuradoria Geral da República (PGR), como os outros inquéritos que tramitam no tribunal.

O inquérito foi aberto por meio de portaria, e não a pedido da PGR, como é a praxe. A situação é incomum, mas está prevista no Regimento Interno do STF. A intenção é agilizar as investigações, com punições rápidas contra quem ofende o tribunal. O mais provável é que as condenações, se ocorrerem, sejam por crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação.

Ataques em vídeos

Entre os casos a serem investigados está também o episódio recente em que o ministro Ricardo Lewandowski foi duramente criticado por um passageiro em um avião. Também serão alvo de apuração vídeos postados na internet por pessoas comuns fazendo apologia a ataques a ministros, ou mesmo ameaçando ministros e seus familiares. E, ainda, o suposto pagamento de usuários de redes sociais para promover ofensas contra o Supremo.

Não devem ser investigadas críticas ao tribunal. Mesmo que sejam ácidas, o entendimento entre os ministros é que elas configuram exercício de liberdade de expressão, garantido na Constituição Federal. O foco são manifestações criminosas, que incitem a violência contra o tribunal e os ministros.

O inquérito foi aberto na manhã de ontem e já provocou reações contrárias até mesmo entre alguns ministros da Corte. Um deles disse, em caráter reservado, que é uma forma de acuar os procuradores da Lava-Jato, por terem ressaltado a importância do julgamento de ontem. Ao anunciar a abertura do inquérito, Toffoli disse que consultou os colegas. Mas nem todos afirmam que foram previamente consultados.

Na portaria, Toffoli justificou o ato “considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ‘animus calumniandi, diffamandi e injuriandi’, que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.

—Tenho dito sempre que não existe Estado Democrático de Direito, não existe democracia sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre. Esse Supremo Tribunal Federal sempre atuou nas defesas das liberdades, e em especial da liberdade de imprensa e da imprensa livre —declarou Toffoli.

O presidente do STF iniciou a resposta aos procuradores na sessão da última quarta-feira, quando anunciou que pediria para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) apurarem supostos ataques à Justiça Eleitoral feitos pelo procurador Diogo Castor num artigo publicado pelo site “O Antagonista”. Ele escreveu que a Justiça Eleitoral, “historicamente, não condena ou manda ninguém para a prisão”.

No mesmo texto publicado, Castor afirmou que a Segunda Turma do STF ensaia “um golpe” à Lava-Jato, ao enviar para a Justiça Eleitoral casos de corrupção que tenham conexão com a prática de caixa dois. Ele afirmou que os tribunais eleitorais têm magistrados “100% provenientes de indicações políticas”, além de não ter “estrutura e nem especialização para investigar crimes de colarinho branco”.

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TCU determina suspensão de contrato de R$ 30 milhões

Patrik Camporez

15/03/2019

 

 

Superfaturamento teria ocorrido em serviços de tecnologia da informação no MEC e no antigo Ministério da Integração Nacional

O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou ontem o cancelamento imediato de compras avaliadas em R$ 30 milhões do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Integração Nacional —atualmente rebatizado de Ministério do Desenvolvimento Regional — com uma empresa suspeita de superfaturar em mais de 1.000% os preços de serviços de Tecnologia da Informação (TI) ao governo. O tribunal também decidiu responsabilizar oito funcionários das duas pastas e exigir deles e da empresa envolvida na suposta fraude, a XYS, a devolução aos cofres públicos de R$ 16 milhões. Os negócios foram firmados no governo do expresidente Michel Temer.

Para verificara regularidade dos preços praticados no contrato firmado pela XYS tanto com o Ministério da Educação quanto coma pastada Integração, os investigadores do T CU compararam os valores dos negócios com preços praticados por outros fornecedores em diferentes órgãos do governo. O resultado surpreendeu os integrantes da força-tarefa criada na Secretaria de Fiscalização de Tecnologia da Informação (Sefti) do TCU para fiscalizar as compras do governo na área de TI.

Segundo o TCU, os preços praticados pela XYS nos contratos foram superfaturados em mais de 1.000%, numa comparação feita com pregões recentes, por outros órgãos públicos, para a compra dos mesmos produtos com as mesmas características. No contrato de R$ 17,5 milhões com o MEC, os preços da XYS estavam superfaturados em R$ 12,4 milhões. Já no negócio de R$ 13,2 milhões, firmado com a Integração, o montante pago irregularmente foi de R$ 4,4 milhões.

A existência de irregularidades em contratos da XYS com o governo foi revelada no ano passado pelo GLOBO, em série de reportagens sobre o bilionário mercado de TI da máquina federal, que envolvia pagamentos milionários a empresas de fachada ou sem capacidade técnica e física de suprir as demandas para as quais haviam sido contratadas.

Em agosto de 2018, a reportagem foi até a sede da XYS, em Brasília, e constatou que a empresa, apesar de ter recebido milhões do governo, não tinha sequer espaço físico para desenvolvimento de softwares, sua suposta expertise. A empresa funcionava numa espécie de escritório inteligente.

As irregularidades constatadas pelo TCU envolvem ainda deficiências nas pesquisas de preço dos ministérios, sobrepreço no valor das licenças dos softwares, além de atestação e recebimento irregular de serviços.

Os advogados da XYS tentaram, na última terça-feira, retirar o processo da pauta do plenário do TCU. Os ministros entenderam que não havia “como acolher tal pleito” porque o TCU já havia, inclusive, dado oportunidade para que os investigados apresentassem duas alegações no caso. A relatora do caso no tribunal, ministra Ana Arraes, no entanto, entendeu que as respostas e os documentos enviados pelas instituições e pela empresa vencedora do certame não foram suficientes para afastar as suspeitas de irregularidades.

Em 2018, O GLOBO entrevistou o então secretário-executivo do Ministério da Integração, Mário Ramos Ribeiro, que havia decidido pedir demissão e denunciar irregularidades na contratação da XYS.

Ex-número dois do Ministério da Integração Nacional, o economista Mário Ramos Ribeiro acusou o superior, o então ministro Antônio de Pádua, de supostamente acobertar um esquema milionário de fraudes em contratos de TI no ministério.

O Ministério do Desenvolvimento Regional informou, por meio de nota, que ainda não foi notificado quanto ao teor do acórdão do TCU, mas disse que “tomará todas as providências cabíveis após a notificação”.