O globo, n. 31267, 16/03/2019. País, p. 13

 

Dodge enfrenta crise após embate com Lava-Jato

Aguirre Talento

Daniel Gullino

16/03/2019

 

 

Procuradora-geral envia ofício ao STF cobrando explicações sobre inquérito aberto para investigar ataques a ministros da Corte; Supremo concede liminar, a pedido da PGR, que suspende criação de fundação com dinheiro da Petrobras

Autora do parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) que questionou a criação de uma fundação privada — com dinheiro recuperado da Petrobras —pelos procuradores da força-tarefa Lava-Jato em Curitiba, a procuradorageral da República, Raquel Dodge, enfrenta uma crise em sua gestão na Procuradoria Geralda República( PGR ). Ontem, o ministro Alexandre de Moares concedeu liminar, apedido da PGR, para suspender o acordo entre a Petrobras e os procuradores da Lava-Jato( criação da fundação ), além de determinar o bloqueio dos valores depositados pela companhia. O dinheiro permanecerá em depósito judicial até que a Corte tome decisão definitiva sobre o caso. Alvo de uma série de críticas de procuradores, nos canais internos da PGR — inclusive com pedidos de renúncia —, a chefe do Ministério Público Federal (MPF) perdeu nos últimos dias dois auxiliares diretos, que pediram demissão em protesto contra sua conduta. Ontem, em direção oposta à medida judicial que pediu o fim da fundação privada para gerir recursos recuperados pela Lava-Jato, Dodge enviou ao STF um ofício cobrando explicações da Corte sobre o inquérito aberto para investigar ataques a ministros do tribunal. Um dos pontos questionados por Dodge foi o fato de que as apurações não terão a participação da PGR, como outros inquéritos que tramitam no tribunal. Deve ser designado um delegado da Polícia Federal e um juiz auxiliar para conduzir as investigações. Dodge argumentou que a função de investigar não faz parte das competências do Judiciário, e que isso pode comprometer a imparcialidade no processo. “Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição. Os delitos que atingem vítimas importantes também devem ser investigados segundo as regras constitucionais, para a validade da prova e para isenção no julgamento”, disse Dodge. Na última semana, os dois procuradores que comandam o setor de perícias da PGR, Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha, renunciaram aos seus cargos. Ligado ao gabinete de Dodge, o órgão que eles integravam, conhecido como Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA), era responsável por análises de documentos, mídias e quebras de sigilo que alimentavam as investigações da Lava-Jato que corriam na PGR e também nas procuradorias de primeira instância. Barreto era o chefe da secretaria e Vitor, seu adjunto. A avaliação departe da classeéa de que, ao atacara fundação, D od gea tu o upara agradar aclasse política, traindo os propósitos que direcionam a instituição. Para procuradores, ela teria perdido o apoio interno do MPF, abrindo mão dos votos necessários para integrara lista tríplice de recondução ao cargo.

Outras críticas

Dodge, entretanto, não foi a única a atuar contra a fundação da Lava-Jato. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), estuda a legalidade do ato, e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) fizeram críticas reservadamente à iniciativa. O Ministério Público junto ao TCU pediu ao órgão para verificar a legalidade do acordo para criação da fundação. A procuradora conclui o primeiro mandato em setembro e pode ou não ser reconduzida pelo presidente Jair Bolsonaro para outro período de dois anos na PGR. Embora a lista não seja um requisito obrigatório para figurar na relação de indicados ao presidente pela categoria, Dodge precisa estar entre os três mais bem votados na eleição do MPF. Nesta semana, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também criticou, por meio de nota, a atuação de Dodge no caso da fundação dos procuradores da Lava-Jato. Para a ANPR, não pode ser usada uma ação no Supremo para revisar decisões do MPF em outras instâncias. Na avaliação da associação, isso abre precedente para que outras entidades questionem quaisquer atos do Ministério Público diretamente ao Supremo. O órgão pretende se tornar parte na ação em que Dodge questiona a Lava-Jato, para defender os procuradores, abrindo uma briga direta com a procuradora-geral. Desgastada sob críticas de lentidão no andamento dos processos e centralização excessiva no trabalho, Dodge estaria, na avaliação dessa ala de procuradores, cada vez mais desacreditada na categoria. Sob a condição do anonimato, um procurador disse que, ao se opor à forçatarefa, Dodge “ganhou pontos com todas as esferas políticas”, mas perdeu espaço na instituição. Procurada, a assessoria de imprensa da PGR afirmou que não se manifestaria sobre os fatos citados na matéria.

Opinião do GLOBO

Privilégio

O ANÚNCIO solene feito pelo presidente do STF, Dias Toffoli, da abertura de inquérito contra supostas calúnias, injúrias e difamações espalhadas em redes sociais contra a Corte e ministros é medida cabível, mas precisa estar em conformidade às leis e normas.

COM A necessária ressalva de que não se trata de cerceamento à liberdade de opinião e expressão, a iniciativa de Toffoli, que anunciou o ministro Alexandre de Moraes relator do caso, esbarra na definição do STF, um foro privilegiado, como destino deste processo.

ORA, O foro é definido pelo domicílio de quem é processado. Caberia a Alexandre de Moraes relatar o caso se as agressões ocorressem na sede do STF. Será um tratamento privilegiado aos ministros se Moraes encaminhar denúncias a serem julgadas apenas por eles mesmos.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Decisão do Supremo sobre crimes ligados à prática de caixa dois pode beneficiar Cunha

Carolina Brígido

16/03/2019

 

 

Investigação corre risco de ser anulada e, com ela, a pena de 15 anos e quatro meses de prisão

O ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) pode ser um dos beneficiados coma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu a Justiça Eleitoral como foro de investigações da Lava-Jato de crimes ligados à prática de caixa dois. Para juízes da Corte, o processo de Cunha que foi conduzido na 13ª Vara Federal de Curitiba por Sergio Moro deveria ter sido encaminhado para a Justiça Eleitoral desde o início. Na avaliação desses interlocutores, a investigação pode ser anulada agora —e, co mela, apena de 15 anos e quatro meses de prisão imposta ao ex-parlamentar. A anulação não é automática. Para isso acontecer, a defesa de Cunha precisaria recorrera instâncias superiores do Judiciário. Se o eventual pedido for aceito, o ex-deputado não ficará em liberdade. Existem outras condenações que pesam contra ele. Mas apena total imposta a Cunha ficaria menor.

A ação penal contra Cunha foi aberta no STF em junho de 2016 para investigar se o ex-deputado tinha contas secretas na Suíça para o recebimento de propina. Na época, o tribunal abriu ação penal para investigar os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e falsidade ideológica para fins eleitorais —caixa dois. Quando teve o mandato de deputado cassado, Cunha perdeu o direito ao foro privilegiado. O então rela torda Lava-Jato, ministro Teori Zavascki, determinou o envio do caso para a vara de Moro. Na avaliação de fontes do STF ouvidas pelo GLOBO, o juiz poderia ter dividido a investigação, enviando para a Justiça Eleitoral apenas a parte de caixa dois, caso verificasse que o crime não tinha relação com os demais. A outra hipótese seria encaminhar o processo em bloco para a Justiça Eleitoral, no caso de haver conexão entre todos os crimes. No entanto, Moro tomou uma terceira decisão: mesmo depois que a denúncia por caixa dois já tinha sido recebida pelo STF, o juiz decidiu retirar esse crime do processo, em um anova análise da denúncia.Um juiz criminal explicou, em caráter reservado, que essa decisão não foi juridicamente correta. Agora, coma decisão do STF, os atos do processo poderiam ser anulados desde a decisão de Moro de retirar um dos crimes da ação penal, em vez de enviar o caso para a análise de Justiça Eleitoral.

Vantagem indevida

No processo, Cunha foi investigado pelo recebimento de vantagem indevida desviada da compra de um campo petrolífero em Benim pela Petrobras. O dinheiro teria sido mantido de forma oculta, com dissimulação de propriedade e origem, em contas bancárias na Suíça. Essas contas teriam sido usadas por Cunha e seus familiares. Segundo a Procuradoria Geral da República (PGR), entre 2010 e 2011, Eduardo Cunha teria solicitado e recebido 1,311 milhão de francos suíços, o correspondente a R$ 5,286 milhões, provenientes da aquisição do campo petrolífero e transferidos coma participação de Jorge Zelada, então diretor da Petrobras. Na denúncia, o Ministério Público acusou Cunha de não ter declarado, em documento enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em julho de 2009, US$ 3,836 milhões nas contas mantidas na Suíça. O objetivo da omissão seria para fins eleitorais, pois o denunciado não teria como justificar bens no exterior incompatíveis com sua renda. Isso poderia influenciar as eleições, com a exposição da suspeita de enriquecimento ilícito. Esse trecho da denúncia foi rejeitado por Moro posteriormente. Em março de 2017, Moro condenou Eduardo Cunha a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Foi a primeira condenação do ex-deputado na Lava-Jato.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

A visão dos especialistas

'Foi uma decisão negativa. Não haverá investigação a contento'

Fabiano Angélico

16/03/2019

 

 

Do ponto de vista da melhor forma de se fazer justiça e das instituições funcionarem, foi uma decisão muito negativa. Na prática, não vai haver uma investigação a contento, num prazo razoável, vai haver muita prescrição. E pode haver até o contrário: a condenação com falta de provas. Eu acho que vai ser muito ruim, e não é nem porque a Justiça Eleitoral é boa ou ruim. É uma questão de atribuição. A Justiça Eleitoral tem atribuição que se parece com as do Legislativo, do Executivo e do Tribunal de Contas. Ela precisa executar eleições, é quase como um braço do Poder Executivo. Também precisa fixar as regras das eleições, como o Legislativo. E também julga contas de campanha. É impossível para qualquer instituição fazer isso tudo. Para piorar, os juízes dos tribunais são emprestados (numa referência ao fato de que os magistrados das cortes eleitorais são provenientes de outros tribunais, acumulando com a função da Justiça Eleitoral). É uma segunda jornada, eles não têm tempo para dominar todos os procedimentos. É muito ruim a decisão nesse sentido.

 

 

'Corrigir erros não afeta o trabalho da Lava-jato'

Thiago Bottino

16/03/2019

 

 

Não é que “ah, acabou a LavaJato”. O Ministério Público gosta de fazer esse alarme. Fez esse alarme no ano passado quando o Supremo julgou a questão da condução coercitiva. “Ah, mas se disse que é inconstitucional, vai acabar a Lava-Jato.” E não acabou nada. Fazem esse mesmo discurso em relação à prisão no segundo grau. “Ah, se o Supremo disse que não pode prender, vai acabar a Lava-Jato.” Outra falácia. Acho que isso não afeta a Lava-Jato, porque corrigir erros, ainda que você tenha que eventualmente refazer um retrabalho, não afeta o trabalho como um todo. E não é porque foi feito errado que tem que deixar assim. Ainda que eventualmente você tenha que repetir algum ato, você já tem todo o material probatório ali produzido. Então é muito mais rápido, basta corrigir esses erros e isso, no fundo, não afeta casos importantes, o que foi descoberto e levantado.

Dizer que se arrasta por mais tempo (na Justiça Eleitoral), acho que só pode falar isso se há dado empírico que suporte esse tipo de afirmação. Porque a Justiça Estadual, a Justiça Federal e o Supremo Tribunal Federal, todos eles demoram muito. A imagem que eu tenho, de quem não advoga nessa área, é de que, na Justiça Eleitoral, os prazos são muito curtos. É prazo de 24 horas. É prazo de 48 horas. Acontece um fato, imediatamente já estão julgando impugnações, etc. É claro que um volume grande de processos talvez leve mais tempo. Mas eu não acho que é uma Justiça pior que a outra, mais morosa que outra.