O globo, n. 31277, 26/03/2019. País, p. 8

 

Battisti admite participação em quatro assassinatos

26/03/2019

 

 

Italiano confessa, pela primeira vez, envolvimento nos crimes. Na internet, Bolsonaro comemora declaração

Para promotor, Battisti usou declarações de inocência para obter apoio da esquerda

Em depoimento à Justiça italiana, terrorista assumiu autoria de quatro homicídios nos anos 70, pelos quais foic onde nadoà prisão perpétua. Bolsonaro comemorou a confissão. Preso na Sardenha, na Itália, desde que foi extraditado da Bolívia, Cesare Battisti admitiu, ao ser interrogado na prisão de Oristano pelo promotor Alberto Nobili, titular do grupo antiterrorismo de Milão, o envolvimento em quatro assassinatos cometidos nos anos 1970. Esta é a primeira vez que Battisti reconhece os crimes que renderam sua condenação à revelia.

— Foi uma guerra justa, mas peço desculpas. Percebo o mal que causei e peço desculpas às famílias das vítimas — disse Battisti, que assumiu também a responsabilidade por ferir três pessoas nas pernas. — Os quatro assassinatos, os três feridos e uma enxurrada de roubos para autofinanciamento são verdade. Eu falo das minhas responsabilidades, não vou nomear ninguém.

O presidente Jair Bolsonaro, que foi contrário à permanência de Battisti no Brasil, comemorou a confissão. Ele usou ontem as redes sociais para comentar a decisão do italiano de reconhecer os crimes. Para Bolsonaro, as afirmações de Battisti reforçam a importância do governo brasileiro na extradição.

“Por anos denunciei a proteção dada ao terrorista, aqui tratado como exilado político. Nas eleições, firmei o compromisso de mandá-lo de volta à Itália para que pagasse por seus crimes. A nova posição do Brasil é um recado ao mundo: não seremos mais o paraíso de bandidos!”, escreveu o presidente.

Ainda na postagem, Bolsonaro atacou partidos de oposição — PT, PSOL e PCdoB — por terem apoiado a permanência do ativista italiano no Brasi.

“Battisti, ‘herói’ da esquerda, que vivia colônia de férias no Brasil proporcionada e apoiada pelo governo do PT e suas linhas auxiliares (PSOL, PCdoB, MST), confessou pela primeira vez participação em quatro assassinatos quando integrou o grupo terrorista Proletários Armados pelo Comunismo”, publicou Bolsonaro.

"Cobertura oculta"

Segundo o jornal “Il Messaggero”, o promotor Alberto Nobili mencionou que, de acordo com o próprio Battisti, não houve qualquer “cobertura oculta” para os atos dele nos anos em que permaneceu em liberdade. A declaração de que era inocente teria servido para conquistar apoios de partidos e políticos da esquerda, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

— Ele (Battisti) fez uso de suas declarações de inocência para obter apoio da extrema esquerda na França, no México e no Brasil, e do próprio Lula —pontuou Nobili.

—É um reconhecimento muito importante para o trabalho dos magistrados, uma espécie de ‘honra dos braços’ para aqueles que o investigaram — acrescentou o promotor sobre a confissão de Battisti, após entrevista coletiva.

Em outubro de 2017, Battisti foi preso em Corumbá (MS), tentando viajar para a Bolívia, supostamente para evitar eventual extradição. Para a Justiça Federal, havia indícios de crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Dois dias depois, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região libertou Battisti. Mas impôs a ele a obrigação de comparecer todos os meses à Justiça.

O depoimento de Battisti aconteceu no último sábado. O italiano, que cumpre pena de prisão perpétua, foi capturado em janeiro último em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, por agentes bolivianos em parceria com italianos.

De acordo com vídeo feito no momento da prisão, ele usava barba, óculos de sol, jeans e camiseta azul. Esse foi um dos disfarces que policiais federais divulgaram como possibilidade de ser usado pelo italiano.

Ao ser preso, Battisti não mostrou resistência, não apresentou documentos e respondeu a algumas perguntas em português. A prisão do italiano gerou grande repercussão internacional .

Desde 2004 no Brasil

Battisti foi condenado à prisão perpétua em 1987 por ter participado, no fim dos anos 1970, de quatro homicídios atribuídos ao grupo italiano de esquerda Proletários Armados pelo Comunismo, considerado praticante de atos terroristas pelo governo da Itália. Integrante do grupo, Battisti chegou a ficar dois anos preso na Itália, mas fugiu da cadeia em 1981.

Os advogados do ativista italiano alegam que o julgamento teve motivações políticas, reclamam que não puderam fazer a defesa, já que ele foi julgado à revelia, e contestam o rigor da pena. Além de ser submetido à prisão perpétua, o italiano não poderia mais ter banho de sol.

Battisti chegou ao Brasil em 2004, depois de passar por México e França. Em 1990, o então presidente francês François Mitterrand acolheu ex-ativistas italianos desde que eles abandonassem a luta armada. Battisti aproveitou a regra e ficou na Europa até 2004, quando sua condição de refugiado na França foi revogada.