O globo, n. 31264, 13/03/2019. Mundo, p. 25

 

Brasil mantém canal militar com a Venezuela

Janaína Figueiredo

13/03/2019

 

 

Oficiais dos dois países se comunicam no mais alto nível desde a visita de ministro da Defesa de Temer a colega do país vizinho; generais acompanham crise venezuelana e desconfiam de Araújo e Eduardo Bolsonaro

Generais brasileiros mantêm um canal de comunicação coma cúpula militar da Venezuela desde o encontro ocorrido em setembro do ano passado, na cidade venezuelana de Puerto Ordaz, entre o então ministro da Defesa do governo Temer, general Joaquim Silva e Luna, e seu colega do país vizinho, ainda no cargo, general Vladimir Padrino López.

Segundo afirmaram fontes militares ao GLOBO, essa via de comunicação é considerada importantíssima pelo governo brasileiro. Especula-se até mesmo com o nome de Padrino López como uma figura que poderia garantir uma eventual transição política na Venezuela, caso o presidente Nicolás Maduro seja afastado. Seu nome, garantiu uma fonte, seria bem visto por Brasília.

—Na reunião de Puerto Ordaz, realizada para tratar de cooperação entre os dois países,consolidou-se um canal de diálogo no mais alto nível entreos militares venezuelanos e brasileiros. Esse canal continua operando, no mais absoluto sigilo—disse a fonte.

O antecessor de Silva e Luna, o ex-ministro Raúl Jungmann, tentou estabelecer algum tipo de comunicação coma cúpula militar venezuelana, mas fracassou. Achegada de Silva e Luna mudou o cenário e as declarações após a conversa em Puerto Ordaz refletiram esse novo clima.

— Celebramos aqui um ato de confiança para a reconstrução de nosso trabalho juntos, para nossos países e particularmente para nossa região, que necessita manter-se em estabilidade e paz — declarou Silva e Luna na época.

O mundo militar brasileiro acompanha cada capítulo da crise na Venezuela e da disputa entre Maduro e seus opositores. Não por acaso o vicepresidente Hamilton Mourão representou o Brasil na última reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, decerta forma ofuscando a presença do chanceler Ernesto Araújo. Naquele momento, entre os militares comentou-se que “existe uma desconfiança crescente em relação à gestão de Araújo” da crise venezuelana. O governo brasileiro alegou que Mourão foi enviado por causa da participação no encontro do vicepresidente americano, Mike Pence, mas em Brasília comenta-se que há tensão entre Mourão, os militares e Araújo.

Um novo elemento entra agora nessa equação: aposse do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Segundo outra fonte, entre os militares teme-se mais ruído na política externa eque isso possa prejudicaro canal de diálogo com os generais da Venezuela.

Padrino López mantém publicamente seu respaldo a Maduro, mas conversa com colegas de outros países. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica da Venezuela não são considerados os principais responsáveis por violações dos direitos humanos e, portanto, poderiam ser favorecidos por uma anistia. Já a Guarda Nacional e as Forças de Ações Especiais (integradas por policiais e mesmo civis armados pelo governo) serão alvo de denúncias em tribunais locais e internacionais por crimes contra a Humanidade.