O globo, n. 31264, 13/03/2019. Rio, p. 9

 

Resposta pela metade

Chico Otavio

Vera Araújo

Arthur Leal

13/03/2019

 

 

Quem mandou matar Marielle Franco? A operação que resultou, ontem, na prisão de dois acusados de executarem o crime trouxe informações à tona, mas não respondeu à pergunta e ainda pôs em dúvida um possível crime encomendado. Sabe-se, agora, que há indícios de que o sargento reformado da PM Ron ni eL essa, de 48 anos, atirouna vereador ado PS O Leno motorista Anderson Gomes; e de que Élcio Vieira de Queiroz, de 46, expulso da corporação em 2015, dirigiu o Cobalt us adono ataque. Entre as hipóteseslevantadas pela polícia está ade crime de ódio, motivado por uma aversão dos suposto sautores abandeiras da esquerda. No entanto, os perfis eop atrimônio dos suspeitosindicam que algo maior pode estar por trás da ação.

Realizada por volta das 4h, a chamada Operação Lume (uma referência à localidade do Centro onde Marielle prestava contas à população sobre seu mandato) contou com dois mandados de prisão e 36 de busca e apreensão. Entre os endereços visitados por equipes da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público está uma mansão de Lessa no condomínio Vivendas da Barra, o mesmo onde Jair Bolsonaro tem uma residência — investigadores, no entanto, não estabeleceram qualquer relação entre o presidente da República e o caso. O imóvel é incompatível com os vencimentos de um sargento da reserva. Para os investigadores, o ex-PM recebia dinheiro para cometer assassinatos: ele seria integrante do grupo de matadores de aluguel conhecido como Escritório do Crime. Trata-se de uma quadrilha que a gea serviço de contraventores e milicianos, eque, por me iode pagamentos de propina, contaria coma proteção departe da polícia.

Maior apreensão de fuzis

Agentes usaram até detectores de metais para vasculhara mansão de Lessa. Buscaram fundos falsos, tiraram telhas e entraram numa caixa-d’água. Apreenderam documentos e computadores, mas foi na casa de um amigo dele, no Méier, que encontraram uma possível prova de seu envolvimento com atividades criminosas: um paiol com 117 fuzis desmontados — foi a maior apreensão desse armamento já feita no estado. O dono do imóvel disse que, sem saber, guardava o arsenal (que incluía silenciadores e cerca de 500 projéteis), para o PM da reserva, que também vai responder por tráfico de armas.

Equipes da DH e do Gaeco ainda foram à casa de Élcio, no Engenho de Dentro, e quase não o encontraram. Assim como Lessa, ele estava saindo no momento em que os agentes chegaram. A promotora Simone Sibílio contou, em uma entrevista coletiva, que a Operação Lume estava marcada para hoje, um dia antes de o assassinato de Marielle e Anderson completar um ano, mas foi antecipada porque surgiram indícios de vazamento de informações. Lessa, segundo ela, disse informalmente aos policiais que soube da operação.

Lessa e Élcio, que por meio de seus advogados negaram o crime, vinham sendo monitorados. De acordo com investigadores, eles passaram o carnaval juntos numa casa em Angra dos Reis, onde, segundo Simone Sibílio, fizeram passeios de lancha. A relação de amizade teria virado uma parceria no assassinato de Marielle, três meses antes da ação que culminou nos 13 disparos contra o carro da vereadora, no Estácio. Para chegar aos suspeitos, aDH eoGae co tiveram de contar, primordialmente, coma tecnologia.

Rede de 33.328 celulare

Sem provas testemunhais e sem encontrar o carro clonado usado pelos assassinos, a investigação partiu da análise de sinais de celulares captados por antenas de Estações de Rádio-Base (ERBs). A polícia rastreou todos os aparelhos, 33.328, que estavam ligados nos locais por onde Marielle passou no dia do crime, desde a saída da Câmara Municipal até o local da emboscada. Tendo como base o horário em que uma câmera de segurança captou aluz de um telefone dentro do veículo usado para perseguira vereadora, a Polícia Civil fez uma triagem e chegou a 318 linhas. Entre muitos suspeitos investigados, o nome de Lessa só chegou através de uma denúncia, em outubro do ano passado, permitindo que fosse jogado nessa trama de ligações, que deu positivo para sua presença no local dos assassinatos.

Alinha não estava cadastrada em seu nome, mas L essa teria inserido dados pessoais no celular para acessar aplicativos. Com uma ordem judicial, investigadores acionaram as empresas responsáveis por esses programas e obtiveram informações armazenadas em nuvens (arquivos on-line). Souberam, então, que o sargento da reserva monitorava a agenda de Marielle Franco e buscou o endereço da vereadora na Infoseg, rede de informações mantida por órgãos de segurança pública de todo o país.

Através de câmeras de segurança, foi possível colher um grande volume de imagens do carro dos assassinos, desde o momento em que passou pelo QuebraMar, na Barra, até o local da emboscada. Numa delas, é possível ver um braço do ocupante do banco traseiro, que seria Lessa. Uma tatuagem o teria identificado.

—Fizemos uma sobreposição de imagens, comparando ad ovídeo comum a outra na qual aparece o braço tatuado dele —explicou a promotora Elisa Fraga, da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do Ministério Público.

Os mandados de prisão e busca e apreensão foram expedidos pelo juiz Gustavo Kalil, do 4º Tribunal do Júri. E o Ministério Público afirmou que a operação foi deflagrada às vésperas de o crime completar um ano porque só agora estava “madura”.