O globo, n. 31269, 18/03/2019. Rio, p. 8

 

A elite do crime

Rafael Soares

18/03/2019

 

 

 

 

 Recorte capturado

 

 

Sem condenação na Justiça e monitoramento, tropa de PMs expulsos se alia a crime organizado

Quatro anos após ser expulso da Polícia Militar por desvio de armas e ligação com a máfia dos caça-níqueis, o ex-PM Élcio Queiroz está em prisão preventiva, acusado de ter dirigido o Cobalt prata usado nos assassinatos da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, em 14 de março do ano passado. Ele foi expulso da corporação em 2015, mas até hoje não foi condenado em nenhum dos processos a que responde. A história dele traça um retrato da absoluta falta de controle das instituições sobre o que acontece com os policiais excluídos por crimes graves. Como as ações judiciais são demoradas, eles podem continuar a usar a expertise adquirida nas fileiras da tropa para agir contra o estado e a sociedade.

Ao mesmo tempo, as estatísticas revelam que cresce o total de policiais punidos por desvio de conduta, principalmente por corrupção, extorsão mediante sequestro e homicídios. Ou seja, crimes gravíssimos. Um levantamento feito pelo GLOBO, a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação junto à PM, mostra que, de janeiro de 2012 até dezembro de 2018, a PM expulsou de suas fileiras 1.316 agentes — ou seja, um policial a cada dois dias. Recentemente, esse número explodiu. Em 2018, foram 309 expulsões entre os casos analisados. Em comparação com 2017, o total de agentes demitidos aumentou 164%.

Élcio Queiroz foi expulso da corporação por uma determinação da Corregedoria Geral Unificada (CGU) —órgão de correição independente das polícias que deixou de existir com a decisão do governador Wilson Witzel de acabar com a Secretaria de Segurança. O processo foi aberto quando o então sargento do 16º BPM (Olaria) foi preso na operação Guilhotina da Polícia Federal. Havia indícios ainda de que Élcio fazia segurança em casas ilegais de jogos de azar nas horas de folga da PM.

Segundo a polícia e o MP, Élcio foi escolhido para ser parceiro do sargento reformado da PM Ronnie Lessa — acusado de ser o atirador que fez 13 disparos contra Marielle, Anderson e uma assessora parlamentar, que sobreviveu —por sua experiência de duas décadas na PM.

O ex-sargento é um dos 17 PMs que foram expulsos da corporação, desde 2012, por ligação com a contravenção. Ao todo, 300 agentes — ou quase um quarto de todos os excluídos desde 2012 — foram expulsos por serem acusados de receber, exigir ou pagar propinas, em serviço ou não. O segundo crime que mais motivou demissões da PM no período analisado é o homicídio: 130 agentes excluídos foram acusados de assassinatos. No entanto, como a demissão da PM é uma medida administrativa — ou seja, pode ser fruto tanto de determinação do comandante-geral ou da CGU quanto de uma decisão judicial —, os motivos que levaram à exclusão dos agentes vão de crimes hediondos a meras faltas disciplinares.

Considerando apenas o caso Marielle, um outro personagem surge na mesma condição, ou seja, de policial expulso da PM que passa, de acordo com a denúncia, a servir ao crime organizado. O excapitão Adriano Magalhães da Nóbrega foi expulso por ligação com a máfia dos caçaníqueis depois de um processo que durou pouco mais de dois anos. Em 2011, ele foi preso na operação Tempestade do Deserto — que desarticulou uma quadrilha por trás de homicídios realizados numa disputa de poder pelo espólio do contraventor Waldomiro Paes Garcia, o Maninho. Em outubro de 2013, o ex-capitão foi demitido, tornandose um dos 25 oficiais excluídos da PM de 2012 a 2018.

Entre os praças, houve 1.291 expulsões. A discrepância é explicada pela diferença nos processos. Enquanto praças são excluídos diretamente por decisão do comandante da PM, oficiais só são demitidos após o caso passar por três instâncias: o Conselho de Justificação da PM, a Secretaria da PM e o Tribunal de Justiça. A patente com maior número de excluído sé a de cabo, com 433 casos. Do total dos demitidos, 75 já estavam aposentados.

Atualmente, o ex-capitão Adriano está foragido. Ele teve a prisão decretada pela Justiça na operação Intocáveis, em janeiro deste ano, por integrara milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste. Além disso, ele é apontado pelo Ministério Público como um dos fundadores do Escritório do Crime, maior quadrilha de matadores de aluguel do estado.

Para o coronel da reserva Robson Rodrigues, os agentes excluídos deveriam ser monitorados:

— A exclusão dos agentes acusados de crimes é importante, mas deve ser seguida de um trabalho de inteligência integrado entre a PM, que tem dados sobre estes policiais, e órgãos de investigação, como a Polícia Civil e o MP.

Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente Filho, o projeto de UPPs, durante a gestão Sérgio Cabral, fez com que se acelerasse a seleção de novos PMs, com perda na qualidade:

— A quantidade de expulsões na polícia do Rio é quase o dobro da de São Paulo, que tem efetivo maior. Isso é um sinal de que as falhas na seleção ocorridas lá atrás estão fazendo efeito agora. A investigação social precisa ser muito bem feita no processo seletivo.