O globo, n. 31270, 19/03/2019. Mundo, p. 18

 

Amigo, aliado e sócio dos EUA

Jussara Soares

Daniel Rittner

Paola de Orte

19/03/2019

 

 

Bolsonaro propõe aliança política e econômica ao governo Trump

No primeiro discurso público da viagem aos Estados Unidos, na Câmara de Comércio, em Washington, o presidente Jair Bolsonaro propôs aliança política e econômica ao país, e se comparou a Donald Trump. “Quando ele começou a sofrer ataques da mídia e fake news, eu já os sofria há dois anos no Brasil”, afirmou sobre o colega americano. Bolsonaro disse que a união do Brasil com os EUA pode alavancar a economia e “os valores que foram deixados para trás”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, teve sua fala interrompida por aplausos duas vezes ao mencionar abertura comercial e simplificação tributária. Em seu primeiro discurso público nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro se comparou diversas vezes a seu colega americano, Donald Trump, e propôs uma aliança política e econômica ao país, do qual se declarou admirador. O tom do discurso de Bolsonaro na Câmara de Comércio dos EUA, em Washington, esteve presente também nos do chanceler Ernesto Araújo e do ministro da Economia, Paulo Guedes pouco antes. O recado foi o mesmo: o Brasil quer aprofundar as relações com os EUA e ter no país um importante investidor no processo de privatização que, segundo Guedes, gerará negócios de até US$ 1 trilhão nos próximos 12 anos.

Dez minutos de improviso

Bolsonaro falou de improviso por dez minutos depois de Guedes e Araújo. O presidente afirmou que “conheceu o senhor Donald Trump por ocasião das prévias”, e que rapidamente identificou-se com o então candidato em função “dos ataques da mídia e das fake news”.

— Quando ele começou a sofrer ataques da mídia e fake news, eu diria que já os sofria há dois anos no Brasil, desde que a esquerda enxergou uma potencialidade nossa —comparou.

Bolsonaro disse que hoje o Brasil tem um “presidente amigo dos Estados Unidos, que admira os Estados Unidos”, enquanto, nas últimas décadas “era tradição no Brasil eleger um presidente de mãos dadas com a corrupção e inimigos dos EUA”. E referiu-se ao lema de campanha de Trump ao afirmar que “queremos um Brasil grande, assim como vocês querem Estados Unidos grandes”.

— Juntos, podemos fazer muito, e essa união, até pela proximidade Brasil-Estados Unidos, pode ter certeza, alavancaremos mais ainda não só a nossa economia, bem como os valores que ao longo dos últimos anos foram deixados para trás —pontuou.

O presidente disse que o Brasil fez uma guinada da “esquerda para a centro-direita”, em referência a si próprio. Ele atacou os governos de Lula e Dilma Rousseff, do PT, ignorando os dois anos de Michel Temer. Bolsonaro declarou-se “um admirador de Ronald Reagan (presidente conservador dos EUA entre 1981 e 1989), que dizia que o povo precisa conduzir o Estado e não o contrário”. Esta admiração, garantiu, se traduziu na aproximação com Paulo Guedes.

—[Quando conheci Paulo Guedes], na questão econômica, foi amor à primeira vista — afirmou, para risos da plateia. — Não sou homofóbico, não. Essa comunhão de ideias fortaleceu nossa campanha e fortalece o Brasil.

Guedes acena a EUA e China

Pouco antes, Guedes discursara longamente na Câmara, e convidou os investidores americanos a mergulharem nas privatizações que o governo pretende realizar —um negócio que ele calculou entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão nos próximos dez, 12 anos. Guedes apresentou Bolsonaro como um “um rapaz com colhões” para controlar o gasto público e fazer a reforma da Previdência. Falando em inglês, ele usou o termo balls, provocando risos na plateia da Câmara de Comércio dos EUA, que o interrompeu duas vezes para aplaudir suas promessas de abertura comercial e simplificação tributária.

— Temos um presidente que adora Coca-Cola e Disneylândia. É uma grande oportunidade para investir no Brasil. Eu os convido para essa nova parceria. (...) Vocês podem ir lá ajudar a financiar nossas rodovias, ir atrás de concessões de petróleo e gás. Daqui a três, quatro meses, vamos vender o pré-sal. Todos vão estar lá: chineses, americanos, noruegueses.

Guedes, no entanto, fez uma ponderação que remete também à promessa de comercializar com todo o mundo, incluindo os chineses, alvo de uma entrevista que dera mais cedo. O ministro dissera a jornalistas que a ascensão da China era responsável por um “mal-estar na civilização ocidental”.

— Eu digo ao presidente: nós amamos os americanos, mas deixe-me fazer comércio com quem for mais vantajoso — afirmou ele na Câmara de Comércio, num aceno também à China, maior parceiro comercial do Brasil, que tem um saldo comercial de US$ 30 bilhões com o país asiático.

O estreitamento da aliança com os EUA começou com a assinatura de vários acordos, entre o de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que permite aos EUA e a outras nações lançar satélites a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão. Também foram assinados dois outros atos interinstitucionais: um memorando de entendimento entre a Nasa e a Agência Espacial Brasileira (AEB), para cooperação de pesquisa em observações de previsão de cintilação; e uma carta de intenções entre a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA(Usaid) e o Ministério do Meio Ambiente, com o objetivo de conservar a biodiversidade e promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira.

Segundo a agência Bloomberg, a Casa Branca se comprometeu a apoiar a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um dos objetivos da viagem pelo lado brasileiro.

Em seu discurso, Bolsonaro também citou a “capacidade econômica e bélica” dos EUA para resolver questões como a da Venezuela.

— Temos alguns assuntos que estamos trabalhando em conjunto, reconhecendo obviamente a capacidade econômica, bélica, entre outros, dos Estados Unidos —afirmou. —Temos que resolver a questão da nossa Venezuela. A Venezuela não pode continuar do jeito que se encontra. Aquele povo tem que ser libertado.

Após a declaração de Bolsonaro, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, negou que Brasil vá apoiar uma intervenção militar na Venezuela. Segundo ele, o país seguirá buscando uma solução diplomática e disse que uma ação na nação vizinha fere a Carta Magna brasileira.

"Trump dos trópicos"

À noite, em entrevista à Fox News, a emissora conservadora apresentou Bolsonaro como “Trump dos trópicos”, ressaltando sua semelhança ideológica com o presidente dos EUA. Num momento de maior desconforto para o presidente, a entrevistadora perguntou sobre o polêmico vídeo postado por ele no carnaval com um homem urinando sobre outro num bloco em São Paulo, e sobre supostos laços de sua família com o acusado do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), Ronnie Lessa. Bolsonaro disse que sempre teve respeito pelas famílias, alegando que o vídeo apenas mostrou como está o carnaval no Brasil, e afirmou que sequer ouvira falar de Marielle antes de seu assassinato, descartando assim uma motivação qualquer para um possível envolvimento seu no crime.

Hoje, Bolsonaro tem um encontro com o presidente Trump na Casa Branca. China e Venezuela são os principais temas sobre a mesa.