O globo, n. 31231, 08/02/2019. País, p. 4

 

Prioridade difusa

Bruno Góes

Eduardo Bresciani

Jussara Soares

08/02/2019

 

 

Governo discute estratégia para aprovar reforma da Previdência e pacote de Moro

A primeira semana de trabalhos no Congresso expôs que o governo Bolsonaro ainda não tem afinada uma estratégia para aprovar sua agenda prioritária. Um grupo deseja se concentrar na aprovação da reforma da Previdência, eixo central da política econômica neste primeiro ano de gestão. Outra ala entende que o tema pode dividir espaço com o pacote de ações contra o crime, uma das bandeiras do presidente durante a campanha eleitoral.

Nos últimos dias, enquanto parlamentares alinhados a Bolsonaro defendiam o empenho imediato do governo na aprovação do pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, outros aliados do presidente foram na direção contrária, pregando a necessidade de se discutir primeiro a ainda desconhecida proposta de reforma da Previdência.

Ontem, o próprio Moro tentou encontrar um meiotermo na discussão:

— A reforma da Previdência é prioridade, mas as duas questões podem ser tratadas em paralelo.

A equipe econômica evita comentar eventuais divergências e nega que exista uma disputa.

Na quarta-feira, uma das primeiras manifestações favoráveis a Moro veio do filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), que defendeu a priorização do pacote anticrime como uma espécie de primeiro teste para a articulação política do governo na Câmara. No mesmo dia, porém, o filho de Bolsonaro recebeu sinal contrário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele defendeu o foco dos parlamentares na reforma da Previdência.

Na mesma linha foi o líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), que disse ontem considerar contraproducente dar celeridade ao pacote neste momento:

— Minha opinião é a mesma do presidente Rodrigo Maia. Não se pode contaminar um ambiente quando precisamos arrumar um consenso para a reforma da Previdência. Portanto, o assunto tem que vir depois.

A falta de sintonia na condução da agenda política não é exclusividade da Câmara. Dentro do próprio governo os auxiliares do presidente aguardam a saída de Bolsonaro do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, para definir a melhor estratégia a seguir.

Enquanto alguns assessores do presidente corroboram a ideia de começar pela pauta de Moro, outros ponderam que esse caminho pode ser “uma faca de dois gumes” porque, se uma vitória pode dar força para enfrentar a reforma da Previdência, uma derrota pode prejudicar a aprovação. Na avaliação desses integrantes do governo, a reforma da Previdência merece esforço concentrado por dar a resposta aguardada pelo mercado e fôlego para apresentar outras pautas. Na Casa Civil, o discurso é que a sequência dos projetos a serem apresentados está sendo discutida e só será revelada mais adiante por “uma questão de estratégia”.

O presidente, que retirou a bolsa de colostomia, não tem data para ser liberado pelos médicos. Antes da internação, havia a expectativa de que os ministros fossem a São Paulo despachar em um gabinete improvisado. Com o adiamento da alta, no entanto, as visitas dos ministros foram suspensas.

Enquanto Bolsonaro está distante, a base se envolve em disputas. O líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), por exemplo, não consegue reunir os líderes de bancada para discutir uma agenda de votações. Seu nome foi indicado à revelia da Casa Civil de Onyx e sem qualquer consulta a líderes no Congresso. Ele tem sido boicotado no PSL e por outras siglas. No convite à reunião, chamou líderes “do apoio consistente e apoio condicionado”, termos que viraram piada entre parlamentares, que ficaram sem saber do que se tratava.

Apenas um apoio formal

Líderes também têm se queixado da falta de diálogo com o ministro da Casa Civil. Segundo eles, Onyx mantém pouco contato com os representantes das legendas e não faz questão de fazer ligações para apresentar um caminho para as pautas do Congresso. Nesta semana, o ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, foi avisado por parlamentares que há uma “desarticulação política”. Até agora, apenas o PR anunciou apoio formal ao governo.

Com o governo à procura de foco, Maia vai preenchendo o vácuo político que se formou. Nos últimos dias, o presidente da Câmara conversou com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho. Ouviu de Marinho que será o “grande articulador” da reforma. Maia, inclusive, tem viajado aos estados para negociar o texto com governadores. Ontem, esteve com Camilo Santana (PT), no Ceará. Estará hoje em São Paulo, onde encontrá João Doria (PSDB). Na próxima semana, quer conversar com Wellington Dias (PT) no Piauí e Paulo Câmara (PSB) em Pernambuco, além de Ronaldo Caiado(DEM)em Goiás e Mauro Mendes (DEM) no Mato Grosso.

Opinião do GLOBO

Disciplina

EMPOSSADO O novo Congresso, escolhidas as Mesas da Câmara e Senado, definida a composição das comissões, já é hora de o governo se disciplinar.

PORQUE É trabalhar contra a reforma da Previdência, por exemplo, autoridades como o vice Mourão e o ministro Lorenzoni darem opiniões públicas sobre o que gostariam de ver no projeto da reforma.

APENAS ESPALHAM incertezas e alimentam choques desnecessários.

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‘Que me perdoem os políticos, mas caixa 2 é trapaça’

Cleide Carvalho

André de Souza

08/02/2019

 

 

Moro diz que crime não é tão grave como corrupção, mas deve ser tipificado; deputados do PSL preveem resistências na Câmara

Num encontro com advogados em São Paulo, o ministro da Justiça e Segurança, Sergio Moro, disse ontem, ao falar do projeto anticrime, que os políticos fazem “trapaça” quando utilizam caixa dois em campanhas eleitorais.

—Que me perdoem os políticos, mas caixa dois é trapaça. Tudo bem, não é tão grave como a corrupção, que tem contrapartida, mas ainda assim tem que ser criminalizado —disse o ministro, ressaltando que, ao contrário do caixa dois, a corrupção “mina a capacidade de investimento do Estado”.

Hoje, a legislação brasileira não descreve o crime de caixa dois. Mas um artigo do Código Eleitoral que trata da omissão ou inserção de informação falsa em documento para fins eleitorais é usado para enquadrar a prática. A proposta de Moro explicita que caixa dois é crime.

No Congresso, o caminho não deve ser fácil. Deputados do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, reconhecem que pode haver resistências. E já há até parlamentar da base de apoio propondo, reservadamente, que a criminalização seja condicionada à anistia dos delitos ocorridos no passados. Em outras palavras, quem vier a recorrer ao caixa dois poderá ser processado, mas quem já cometeu esse crime não precisará mais se preocupar com isso.

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) disse não ter conversado ainda com outros parlamentares sobre a possibilidade de anistia ao caixa dois:

— Sou contra anistia. Agora, isto é um Parlamento. Tem que sentir o que é possível.

O líder do PSL na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), elogiou o projeto de Moro, mas disse que prevê um trabalho extra:

— Terá muita resistência (à criminalização do caixa dois). Mas há poucos dias houve reviravolta na eleição no Senadoporpressãopopular.Osdeputados e senadores vão ter que se acostumar com isso.

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, já admitiu ter recebido R$ 100 mil para sua campanha de 2014. Delatores do grupo J&F relataram outro repasse ao então deputado no mesmo valor em 2012. Ao comentar o assunto, antes de assumir o cargo, Moro disse que tinha “confiança pessoal” em Onyx.