O globo, n. 31239, 16/02/2019. País, p. 4

 

Disputa perdida

Jussara Soares

Robson Bonin

16/02/2019

 

 

Bebianno deixará governo

Chamado de mentiroso publicamente pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), crítica que o próprio presidente da República repetiu em público, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, vai deixar o cargo. Segundo auxiliares, o presidente Jair Bolsonaro decidiu não atender aos apelos de militares e políticos para manter Bebianno no primeiro escalão do governo. Numa conversa no final da tarde, no Palácio do Planalto, o presidente chegou a oferecer ao ministro um cargo numa diretoria de estatal, mas ele não aceitou. A permanência de Bebianno no governo tinha sido costurada pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas Bolsonaro não ficou satisfeito. Queria rebaixar o auxiliar de posto, o que não foi aceito por Bebianno. O ministro, que coordenou a campanha presidencial, teria dito que a oferta era uma demonstração de “ingratidão”. Segundo esses auxiliares, o presidente e seu ministro até teriam combinado uma nova conversa na segunda-feira, mas a divulgação pela imprensa da intenção de Bolsonaro de exonerá-lo teria acelerado o processo. Ao longo da semana, Bebianno tentou ser recebido por Bolsonaro diversas vezes, mas vinha sendo ignorado. Ontem, o presidente, finalmente, resolveu atendê-lo. Em um primeiro momento, a conversa teve a participação do vice-presidente Hamilton Mourão, de Onyx e de Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Ao final, o ministro e o presidente se reuniram sozinhos em um diálogo ríspido, com ataques de ambos os lados.

No início da tarde de ontem, o Planalto chegou a difundir a informação de que a permanência de Bebianno estava assegurada. A notícia foi dada ao próprio ministro por Onyx e pelo chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz. Mas sabia-se que o caso não estava encerrado. Durante todo o dia, o presidente conversou com pessoas próximas e consultou ministros mais experientes. Queria sentir a temperatura da crise e ouvir conselhos dos auxiliares sobre a decisão de manter ou exonerar Bebianno. Um dos ministros que estiveram com Bolsonaro ficou com a impressão de que a exoneração de Bebianno seria uma questão de tempo. Envolto numa crise provocada por Carlos, filho do presidente, que trabalhou pela demissão do desafeto no governo, o ministro passou os últimos dias tentando se segurar no cargo. Bebianno enfrentou um processo de desgaste provocado por denúncias de irregularidades no caixa eleitoral do PSL, presidido interinamente por ele durante a campanha. Adversário de Bebianno desde os tempos da campanha eleitoral, Carlos divulgou um áudio do presidente no Twitter para acusar o ministro de mentir ao dizer, em entrevista ao GLOBO, que conversou três vezes com o presidente na terça-feira. Durante a crise, Bebianno recebeu o apoio de ministros palacianos, militares do governo e parlamentares, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Eles consideraram grave a interferência do filho de Bolsonaro no governo e atuaram para segurar Bebianno no cargo. Os três filhos do presidente que possuem mandatos eletivos são apontados como geradores de crise. Ontem, antes da conversa com o presidente, ao deixar o Planalto para almoçar, Bebianno foi questionado sobre uma suposta crise no governo e respondeu: —Para mim, não tem crise nenhuma — disse à TV Globo. — Estou aqui, não estou? — emendou, desconversando sobre sua demissão. Na reunião ontem com Onyx Lorenzoni e Santos Cruz, Bebianno tinha recebido orientação para se permanecer em silêncio para desfazer a tensão. A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-RJ), que visitou o presidente para advogar pelo ministro, também participou do encontro.

Primeira grande crise

A primeira grande crise do governo foi vista como uma oportunidade para que aliados fizessem um alerta mais contundente ao presidente sobre o risco da interferência da família no Planalto. Não há, no entanto, garantias de que Carlos, que não possui cargo no Executivo, se absterá de comentários sobre temas palacianos. A articulação envolvendo militares e políticos que tentou assegurar mais tempo a Bebianno no cargo teve a preocupação de impedir que Carlos, o filho mais próximo do presidente, ganhasse “superpoderes” no Planalto. Na avaliação do grupo que atuou para conter a instabilidade palaciana, a queda de Bebianno deixaria todos e a própria condução do governo vulneráveis à próxima “birra” do “pitbull” da família Bolsonaro. Também há preocupação de que a atual crise política prejudique a votação da reforma da Previdência. Não é de hoje que as reações raivosas e intromissão do vereador carioca nos assuntos do governo incomodam a ala militar, núcleo de maior confiança de presidente. Considerado o "queridinho do papai", mesmo os assessores mais próximos evitavam confrontar Carlos e reservavam as críticas aos bastidores. O temor era virar o próximo alvo dele nas redes sociais.

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Filho gestou um incêndio com reflexo no Congresso

Paulo Celso Pereira

16/02/2019

 

 

O primeiro a atrapalhar foi Eduardo, dizendo que bastavam um soldado e um cabo para fechar o STF. Depois, foi a vez do primogênito Flávio protagonizar a crise, ainda aberta, envolvendo os repasses financeiros milionários de seu assessor Fabrício Queiroz. Ontem, com menos de 50 dias de mandato, o terceiro filho, Carlos, conseguiu atingir um objetivo antigo —seu desafeto Gustavo Bebianno deve deixar o governo nos próximos dias, como primeiro ministro defenestrado pelo pai. Governos precisam de paz para trabalhar. Quem está no comando do Executivo tem problemas de sobra, como bem ressaltou ontem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É por isso que tradicionalmente o Poder Executivo gasta energia para montar bases parlamentares amplas, impede a criação de CPIs, atua para minimizar conflitos internos. Bolsonaro chegou ao Planalto prometendo uma nova forma de fazer política. O que se viu em Brasília nesta semana foi, de fato, novo. O imbróglio que levou à queda de Bebianno começou com a revelação pela “Folha de S.Paulo” de que uma candidata do PSL ligada ao presidente da legenda, Luciano Bivar, teria recebido R$ 400 mil e obtido apenas 274 votos. A suposta “candidata laranja” pouco tinha a ver com Bebianno, ainda que ele presidisse o partido durante a campanha e repassasse os recursos para os estados. A crise poderia ter sido retirada do Palácio do Planalto com a simples justificativa, usada por Bebianno, de que sua tarefa era protocolar e que era responsabilidade do diretório pernambucano escolher as candidatas que receberiam recursos. Só que o mais recluso entre os filhos do presidente decidiu jogar gasolina no que era uma fagulha. Após Bebianno tentar esvaziar a crise dizendo ao GLOBO que havia conversado três vezes com Bolsonaro, Carlos decidiu negar as conversas e divulgar um áudio do presidente. A fritura acabou por inviabilizar a permanência do ministro. Só que agora a movimentação do filho raivoso do presidente, que passa o dia a atacar adversários reais e imaginários nas redes sociais, terá consequências de gravidade ainda incerta. No momento em que o governo se prepara para encaminhar ao Congresso sua proposta de reforma da Previdência, a pergunta em Brasília é: se Bebianno, que demonstrava lealdade canina a Bolsonaro muito antes de este chegar ao Planalto, saiu achincalhado, que tratamento devem esperar os neoaliados que se dispõem a apoiar o governo circunstancialmente?