O globo, n. 31243, 20/02/2019. País, p. 4

 

Diálogos revelados

20/02/2019

 

 

Áudios contradizem versão de Bolsonaro sobre fala com Bebianno

Áudios divulgados ontem contradizem 0 aversão do presidente Jair Bolsonaro e mostram que ele conversou com o então ministro Gustavo Bebianno na terça-feira da semana passada, quando ainda estava internado em São Paulo. Nas conversas, reveladas pelo site da revista “Veja”, o extitular da Secretaria-Geral da Presidência diz que o presidente foi“envenenado” contra ele, em uma referência ao vereador Carlos Bolsonaro, cuja atuação provocou a escalada da crise que levou à demissão de Bebianno do governo.

Ao todo, 12 áudios foram revelados — as conversas aconteceram nos dias 12 e 13 de fevereiro (terça e quarta da semana passada). Na noite do dia 12, Bebianno negou ao GLOBO que houvesse crise com Bolsonaro e afirmou que havia falado três vezes com o presidente naquele dia.

Havia um incômodo no Palácio do Planalto com a revelação, feita pelo jornal “Folha de S. Paulo”, de supostas candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais e Pernambuco — Bebianno presidiu o partido durante a campanha eleitoral. O ex-ministro descartou qualquer rusga, mas a afirmação sobre o contato com o presidente provocou uma forte reação de Carlos Bolsonaro, que foi ao Twitter dizer que Bebianno havia mentido. Bolsonaro endossou a afirmação do filho nas redes sociais e em entrevista à TV Record. Em um dos áudios, o presidente afirma a Bebianno que não havia conversado com ele, apesar de ter falado via WhatsApp.

“Agora, você não falou comigo nenhuma vez no dia de ontem (12). Ele (Carlos) esteve comigo 24 horas por dia. Então não está mentindo, nada, nem está perseguindo ninguém”, disse Bolsonaro. Bebianno retrucou: “Capitão (Bolsonaro), há várias formas de se falar. Nós trocamos mensagens ontem três vezes ao longo do dia, capitão. Falamos da questão do institucional do Globo. Falamos da questão da viagem. Falamos por escrito, capitão. Qual a relevância disso, capitão?”, disse, para em seguida reclamar da atuação do vereador. “Ele não pode atacar um ministro dessa forma. Nem a mim nem a ninguém, capitão. Isso está errado. Por que esse ódio? Qual a relevância disso? Vir a público me chamar de mentiroso?”, questionou Bebianno.

Bolsonaro insistiu que a troca de áudios e mensagens não representavam conversas:

“Ô, Gustavo, usar da… Que usou do WhatsApp para falar três vezes comigo, aí é demais da tua parte, aí é demais, e eu não vou mais responder a você”, irritou-se.

Um assunto tratado nos áudios foi uma reclamação de Bolsonaro por Bebianno ter marcado uma reunião com o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo — a agenda foi desmarcada por determinação de Bolsonaro, que considerou que o encontro significaria “trazer o inimigo para dentro de casa”.

Em nota, o Grupo Globo afirmou que “não tem nem cultiva inimigos”:

“A própria natureza de sua atividade jamais permitiria qualquer postura em contrário. Hoje, como sempre, sua missão é levar ao público jornalismo independente — dando transparência a tudo o que é relevante para o País —e entretenimento de qualidade. Continuaremos a trabalhar nesta mesma direção. A visita de Paulo Tonet Camargo ao então ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, constava da agenda pública do ministro. Visitas de diretores do Grupo Globo a autoridades dos diferentes poderes, servidores públicos, executivos de empresas e representantes da sociedade civil são rotineiras. E, nesse aspecto, não nos diferenciamos de qualquer grupo empresarial que pretenda ouvir todas as vozes de uma sociedade livre, de forma transparente e com agenda pública, mantendo relaçõesestritamente institucionais e republicanas .".

O presidente também acusou Bebianno de vazar informações para a imprensa com o objetivo de tentar vinculálo ao caso das supostas candidaturas laranjas do PSL.

“Querer empurrar essa batata quente desse dinheiro lá pra candidata em Pernambuco pro meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade e falta de caráter”, reclamou Bolsonaro.

Em resposta, Bebianno negou que tenha repassado informações com o objetivo de desgastar Bolsonaro e procurou se defender, argumentando que a responsabilidade pelo repasse de verbas partidárias a candidaturas locais é dos diretórios estaduais.

“A minha tarefa como presidente interino nacional foi cuidar da sua campanha. Aprestação de contas que me competia foi aprovada com louvor, é… Agora, cada estado fez a sua chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é responsável pelas chapas estaduais. No caso de Pernambuco, pelo (Luciano) Bivar, logicamente. Se o Bivar escolheu candidata laranja,éump roble madele,po lítico (...) Depois agente conversa pessoalmente, capitão, tá? Eu tô vendo que o senhor está bem envenenado”, afirmou Bebianno, citando o nome do atual presidente do PSL.

Viagem irritou Bolsonaro

Outra divergência foi exposta em relação a uma viagem que Bebianno pretendia fazer ao Pará, com os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Direitos Humanos), para avaliar possíveis investimentos em infraestrutura. A divulgação da notícia incomodou Bolsonaro, que determinou o cancelamento da viagem. Ao GLOBO, na semana passada, Bebianno informou que havia tratado do assunto com o presidente.

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‘Fui demitido por Carlos Bolsonaro’, diz ex-ministro

Thiago Herdy

20/02/2019

 

 

Em entrevista a Jovem Pan, antigo aliado do presidente disse que Carlos ‘faz macumba psicológica na cabeça do pai’

Um dia depois de ser demitido por Jair Bolsonaro , o ex-ministro da SecretariaGeral da Presidência, Gustavo Bebianno , atacou ontem o filho do presidente, Carlos Bolsonaro, por considerá-lo o único responsável pela sua saída do governo. Em entrevista à rádio Jovem Pan, disse que, apesar de ter seu “respeito, afeto e amor”, o presidente Jair Bolsonaro também “comete deslizes” e “não é perfeito”.

— Minha indignação é ter servido como soldado disposto a matar e morrer e no fim da linha ser crucificado e tachado de mentiroso, porque Carlos Bolsonaro fez macumba psicológica na cabeça do pai (...) Eu fui demitido pelo Carlos Bolsonaro. Simples assim —disse o ex-ministro.

Para Bebianno, o filho do presidente é uma pessoa com “agressividade acima do normal” e reconhecida entre políticos do Rio como um “destruidor de reputações”. Segundo ele, “o presidente precisa dar um basta nisso”. Bebianno se defendeu das acusações de que teria vazado informações do governo à imprensa:

—Tenho certeza de que ele (Carlos) é a pessoa que mais sofre com essa agressividade, esse ódio. A impressão que eu tenho é que ele vive dentro dessa grande caixa de teorias da conspiração contra o pai e sua família. Ele tem que entender que não vamos governar com base no ódio — afirmou, emendando em seguida:

— O amor é muito mais bonito e mais construtivo. Temos que ter tolerância uns com os outros — disse ele, lembrando que na ocasião do atentado contra o então presidenciável, Carlos Bolsonaro “chorou compulsivamente” em seu colo.

Diante dos áudios, a oposição atacou o governo:

— (Os áudios) mostram claramente que o presidente da República mentiu. Em qualquer democracia, um presidente da República mentir é um crime gravíssimo. Em segundo lugar, chama a atenção o grau autoritário da ofensa à imprensa. Em qualquer democracia, a imprensa não é amiga nem inimiga — afirmou Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da minoria no Senado.

A Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Senado aprovou um convite para o ex-ministro Gustavo Bebianno prestar depoimento sobre o suposto uso de candidatas laranjas durante a campanha eleitoral.

Ainda na entrevista, Bebianno disse que tem “confiança” no presidente Jair Bolsonaro, mas que se sente injustiçado por não ter sido reconhecido o papel do PSL em sua eleição.

— Como soldado leal, sempre estive do lado do meu presidente. Jair Bolsonaro tem meu respeito, meu afeto, tem meu amor, porque não dizer? Mas, como ser humano normal, ele não é perfeito, comete deslizes aqui e ali.

“Minha indignação é ter servido como soldado disposto a matar e morrer e no fim da linha ser crucificado e tachado de mentiroso”

Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência