O globo, n. 31245, 22/02/2019. Economia, p. 17

 

Impacto maior nos privilegiados

Geralda Doca

22/02/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Mudança no cálculo do valor do benefício afeta mais a elite do funcionalismo

A reforma da Previdência muda aforma de calcular o valor das aposentadorias — uma medida que vai afetara todos os trabalhadores, mas principalmente a elite dos servidores públicos, que computa na conta os últimos salários da carreira, um grupo historicamente mais beneficiado. O texto reduza base de cálculo ao determinar que vale a média de todas as contribuições realizadas pelos segurados ao longo da vida, não apenas os maiores salários de contribuição. As regras valem para servidores federais, estaduais e municipais.

No caso do INSS, o impacto da mudança na sistemática do cálculo da aposentadoria não é tão expressivo, porque os salários de contribuição no setor privado não costumam ter grande variação, segundo técnicos da equipe econômica. Além disso, o benefício do setor privado é limitado ao teto de R$ 5.839. Já para os servidores, o efeito é maior, porque eles ingressam na carreira com salários mais baixos, mas têm rápida progressão.

Um analista do Banco Central, por exemplo, entra na carreira ganhando R$ 16.900 e se aposenta com R$ 24.200, conforme dados de 2017.

Valor 'per capita' maior

Segundo cálculos do economista e especialista em Previdência Arnaldo Lima, a mudança na base de cálculo dos funcionários públicos resultará em uma redução nova lordo benefício de R$ 337,26. No caso do INSS, a diminuição é de R$ 112,06. Os números foram tabulados com base em rendimentos da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

A decisão do governo de endurecer as regras de forma mais enfática para os servidores ocorre porque esse grupo tem hoje muito mais benefícios do que os demais trabalhadores. Isso acaba fazendo com que a categoria se aposente mais cedo, com proventos mais elevados, o que resulta em um déficit per capita maior.

Em, 2018, o déficit do regime próprio de previdência dos servidores públicos da União atingiu R$ 51 bilhões, para pagar 680,2 mil aposentados e pensionistas. No INSS, o rombo ficou em R$ 196 bilhões, para um universo de 30,2 milhões de pessoas. Em valores per capita, porém, o déficit no setor público é de R$53,8 mil, enquanto no setor privado é de R$ 5,3 mil.

A média de idade de aposentadoria no setor privado é de 60,8 anos para homens e mulheres, contra 59 no público.

Aforma como os servidores serão afetados vai depender da data de ingresso no serviço público. Atualmente, há varias regras de aposentadoria para os servidores, decorrentes de outras reformas: quem entrou até 1999; até 2003; entre 2004 e 2012; e a partir de 2013.

Quem entrou a partir de 2004 será mais atingido pela mudança na regra de cálculo porque o valor da benefício é definido com base em 70% da média das maiores contribuições. O teto para os proventos da aposentadoria é o dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de R $39 mil. Coma reforma, passa valera média de todas as contribuições, e o percentual de cálculo, na largada, cai de 70% para 60%.

Quem entrou até 2003 tem direito à paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) e integralidade (último salário da carreira). Com a reforma, esses dois benefícios só serão mantidos se o servidor atingir idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher). Caso queira se aposentar antes, receberá valor proporcional. (Colaborou Marcello Corrêa)

Servidores públicos

Aposentadoria atualmente

• Quem entrou até 1999 não têm idade mínima e pode se aposentar com integralidade (mesmo salário da ativa) e paridade (reajuste igual aos do servidor da ativa) pelo sistema de pontos (soma de idade e tempo de contribuição)

• Quem entrou entre 1999 e 2003 tem idade mínima de aposentadoria (55 anos, mulher, e 60 anos, homem), mas mantém direito à integralidade e paridade

• Quem entrou entre 2004 e 2012 não tem integralidade e paridade. O benefício é calculado com base nos maiores salários, limitado ao teto dos ministros do STF (R$ 39 mil)

• Quem entrou a partir de 2013 benefício limitado ao teto do INSS (R$ 5.839), mas eles têm fundo de pensão com contribuição paritária (União e trabalhador em valores iguais)

Como fica com a reforma

• Quem entrou até 2003 continua tendo direito a integralidade e a paridade. Mas esse benefício só será assegurado aos servidores que atingirem idade mínima de 65 anos para homem e 62 para mulher.

Eles também podem optar por receber a média dos salários de contribuição desde 1994, ajustada pela inflação, se quiserem se aposentar antes da idade mínima

• Quem entrou depois de 2003 só receberá a média das contribuições desde 1994, corrigidas. Neste caso, quem entrou antes da implantação do fundo de pensão do servidor, em 2013, poderá ter o salário superior ao teto do INSS, com a média dos salários.

• Quem entrou depois de 2013 só terá direito ao teto do INSS (R$ 5.839,45), mas poderá contribuir para o fundo de pensão do servidor público

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Grupos de servidores iniciam lobby para alterar texto

Manoel Ventura

22/02/2019

 

 

Entidades criticam a progressividade das alíquotas de contribuição e as novas regras para quem entrou antes de 2003

Grupo mais afetado pela reforma da Previdência, que busca equilibrar as contas públicas e atacar privilégios, os servidores públicos já começaram ase articular para alterar o texto proposto pelo governo. Entidades que representam categorias do funcionalismo são contra tópicos da proposta, preparam um manifesto com críticas ao texto e prometem uma mobilização para mudar detalhes da reforma, como as alíquotas de contribuição e as novas regras para quem entrou no serviço público antes de 2003.

As associações vão ao Congresso pressionar deputados e senadores. Representante dos funcionários do Judiciário e do Ministério Público, o juiz Guilherme Feliciano afirma que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a reforma traz “inovações perigosas”. Ele critica a progressividade das alíquotas de contribuição de 7,5% a 22% (para quem ganha acima de R$ 39 mil). A contribuição para a Previdência mudará para o funcionalismo, mas também para o trabalhador da iniciativa privada.

—Nunca houve progressividade. Sempre foi uma alíquota única, variando de acordo com a necessidade de arrecadação, e não em faixas, como se dá no Imposto de Renda. Somando com IR de 27,5%, o servidor recebe um valor, mas, na prática, devolve mais da metade para União — disse Feliciano, presidente da associação da Justiça do Trabalho (Anamatra) e coordenador da Frente da Magistratura e do Ministério Público (Frentas).

Ele reclama ainda da possibilidade de contribuição extraordinária em caso de déficit no regime dos servidores. E também é contra o que chamou de falta de transição para quem entrou no serviço público antes de 2003:

— Por um dia, o servidor pode perder dez anos.

O presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Receita( Anfip) disse que vai apresentar sugestões ao Congresso para alterara proposta.

— A reforma não pode ser vista apenas pelo lado da despesa. A Anfip defende ajuste do lado das receitas, da administração, do lado de reforçar a fiscalização para arrecadar recursos —disse o presidente da entidade, Floriano Martins.

Os servidores do Legislativo dizem que houve um “endurecimento desproporcional para o serviço público” .

— Estamos unidos para garantir que os direitos dos trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada sejam respeitados. Cobraremos regras de transição justas e não permitiremos o desmonte da Previdência — disse o presidente do sindicato dos servidores do Legislativo e do TCU (Sindilegis), Petrus Elesbão.