O globo, n. 31248, 25/02/2019. Economia, p. 17

 

Entrevista - Tony Volpon: ‘Se a reforma passar, a economia pega pique’

Tony Volpon

João Sorima Neto

25/02/2019

 

 

Se a reforma da Previdência for aprovada ainda no primeiro semestre, a economia brasileira poderá crescer entre 2,8% e 3% este ano e ter um “pique” além dos 3% em 2020. A estimativa é do economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil, Tony Volpon. Para ele, embora o ex-presidente Michel Temer não tenha conseguido aprovar mudanças na Previdência, os erros na condução de sua proposta no Congresso deixaram um aprendizado para que o governo Jair Bolsonaro não cometa os mesmos deslizes.

Qual é o impacto da aprovação da reforma da Previdência?

Se a proposta for votada no primeiro semestre, entre maio e junho, há um efeito positivo que pode levar o Produto Interno Bruto (PIB) a crescer entre 2,8% e 3%. Se passar, a economia pega um pique e pode acelerar acima de 3% em 2020. O inverso é negativo. Se não passar, é difícil fazer previsão de PIB.

O senhor acredita que o governo terá força para a aprovação?

O governo vai saber se organizar até maio ou junho para ter coalizão no Congresso. A proposta, como está agora, não passaria. Mas a coalizão tem de ser construída até maio. O presidente Bolsonaro sabe que a aprovação da Previdência é a única chance de ser reeleito. A não aprovação fará o governo cair em uma crise financeira. Hoje, se o governo não tem votos para a aprovação é irrelevante. A base tem que existir em maio.

O presidente Michel Temer não conseguiu essa coalizão...

Os erros do governo Temer na condução da reforma da Previdência ajudaram este governo. O debate está mais maduro. Portanto, o ambiente é mais favorável para a aprovação da reforma. Nesse sentido, o legado de Temer foi positivo em relação à Previdência, mesmo tendo sido o presidente mais impopular depois da redemocratização.

Mas o governo terá de negociar com o Congresso. O senhor crê em economia de R$ 1,1 trilhão?

A proposta é mais dura que a anterior. O governo sabia que teria de negociar com o Congresso. Mas será preciso achar um conjunto de mudanças que leve o governo a ter 308 votos para aprovação na Câmara, com uma margem de segurança de 320. O custo disso tem que ser o mínimo possível. O mercado gostava dos R$ 800 bilhões de economia que a primeira proposta de Temer trouxe. Mas não gostou dos R$ 500 bilhões quando o projeto foi desidratado. Acho que tem que ser R$ 800 bilhões ou acima. Nunca abaixo disso.

A reforma permitirá a retomada da confiança do empresário para investir?

Tivemos subinvestimento nos últimos cinco anos. A capacidade ociosa da economia é muito elevada. Mas, quando a demanda vier, será preciso investir. Houve depreciação desse capital na indústria. Lá fora, o investimento tecnológico continuou, e estamos desatualizados. Será preciso investir. A aprovação da reforma trará confiança.

A reforma é crucial para arrumar as contas do governo?

A reforma é “o pagamento da primeira parcela” para estancar o crescimento da dívida pública. O gasto com aposentados consome 58% do Orçamento. Depois, o país precisa voltar a ter superávit primário de 2,5% a 3% do PIB. É muito dinheiro, cerca de R$ 200 bilhões. A reforma ajuda na expansão do país, traz confiança e mais receita ao governo. Temos ainda as concessões e a cessão onerosa. Tudo isso ajuda a fechar a conta do déficit recorrente (sem receitas extras).

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Finanças estaduais em desequilíbrio

Geralda Doca

25/02/2019

 

 

Alíquota de servidores irá a 14%, mas governos terão 

A reformada Previdência entregue pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional na semana passada, além de ajudara reduzir o déficit no sistema de aposentadoria federal, vai aliviar os caixas dos estados. Isso porque a proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada na semana passada prevê a elevação da alíquota de contribuição previdenciária para os servidores, de 11% para 14%, além do aumento do tempo de contribuição e da idade mínima para professores e policiais civis, carreiras com presença maior na folha de pagamento dos estados. Porém, devido à deterioração do caixa dos entes federativos, isso não basta. Os governadores terão de adotar medidas adicionais.

Levantamento feito pela equipe econômica com base nas finanças regionais aponta que todos os estados precisam de uma alíquota de contribuição previdenciária de 14% para seus servidores. Dados inéditos apurados pela equipe econômica e obtidos pelo GLOBO revelam que, em 2018, o conjunto dos estados apresentou um rombo no regime de aposentadoria de R$ 85,891 bilhões. Apenas os estados mais novos — Amapá, Rondônia e Roraima, que antes eram territórios — não viraram o ano com déficit.

A alíquota maior terá de ser adotada por qualquer estado que tiver déficit, seja financeiro ou atuarial (quando se consideram as despesas futuras com pagamento de benefícios). Atualmente, todos os estados têm desequilíbrios atuariais.

Em pelo menos dez estados — Rio de Janeiro, Goiás, Pernambuco, Piauí, Bahia, Paraíba, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Sul e Santa Catarina —os percentuais já chegaram aos 14%. Ou seja, 17 governadores terão de elevar a alíquota após a aprovação da reforma. Eles terão 180 dias para aprovar essa regra; as demais medidas para servidores serão automáticas. O aumento da alíquota, porém, está longe de resolver o problema fiscal dos estados.

Em 2017, o déficit dos estados havia ficado em R$ 88,9 bilhões. A queda, segundo técnicos do governo, deveu-se a aportes de ativos e royalties, com a valorização da cotação do petróleo.

Para aliviar a penúria em que se encontram, os governadores terão de pôr em prática outras ações que estão previstas na PEC, como criar uma alíquota extraordinária paritária (uma para os trabalhadores e outra patronal), além da contribuição normal, para solucionar o déficit do regime previdenciário corrente e atuarial. Isso deve ser feito dentro de um plano, assim como vem ocorrendo nos fundos de pensão das estatais.

Segundo o secretário de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, o aumento da alíquota previdenciária de 11% para 14% vai gerar uma receita adicional para o regime próprio de apenas R$ 1,5 bilhão por ano. Esse valor é insignificante frente ao déficit do sistema previdenciário do estado, de R$ 21,9 bilhões.

Fundo comum no nordeste

Meirelles argumenta que o que fará a diferença são as mudanças nas regras gerais da aposentadoria dos servidores federais, e que valerão imediatamente para os servidores estaduais. Estas são idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulheres), com transição de 12 anos, ajustes nas aposentadorias especiais, como policiais e professores, e a restrição à acumulação de benefícios (aposentadoria e pensão). O objetivo dessas medidas é ajudar a reduzir o desequilíbrio a longo prazo.

— Estamos esperando a aprovação da reforma da Previdência para os servidores federais e que ela tenha validade imediata para os regimes estaduais e municipais —diz Meirelles.

Além da elevação da alíquota de contribuição para servidores estaduais, a PEC limita a incorporação de gratificações, como anuênios e quinquênios, ao valor das aposentadorias e pensões. Isso não acontece mais na União, mas é uma prática comum nos estados.

Par abuscara convergência de regras entre os regimes próprios dos governos regionais e o setor privado, a reforma determina que entes federados criem institutos de previdência complementar em um prazo de até dois anos, contados após a aprovação da proposta. Essa medida vai limitar os benefícios dos servidores ao teto do INSS (hoje em R$ 5.839). Os fundos de pensão é que permitirão o complemento às aposentadorias. O efeito é de longo prazo, mas servirá para estancara sangria dos recursos, ressalta um técnico da área econômica.

A União instituiu o fundo de previdência complementar para os seus servidores em 2013. Esse sistema também já funciona em oito estados: Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, R iode Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Goiás. Em outros quatro(Ceará, Piauí, Pernambuco e Rondônia), já há leis aprovadas autorizando o funcionamento desses fundos de pensão. Os estados do Nordeste fizeram um acordo com o governo da Bahia para instituir uma previdência complementar conjunta.

Busca de mais recursos

O governador do Piauí, Wellington Dias, que coordena um grupo de líderes do Nordeste, afirma que a União precisa ir além para ajudar os estados a lidarem com o peso das aposentadorias nos orçamentos locais. Dias lembra que o aumento na alíquota para 14% no seu estado ajudou a obter uma economia de R$ 360 milhões por ano, mas o déficit do regime próprio continua subindo. Ele defende a criação de um fundo emergencial para equilibrar os sistemas.

Segundo o governador, a ideia é obter autorização legal para que esses fundos possam receber receitas extras coma securitização da dívida ativa, ativos imobiliários e a compensação do INSS, referente a servidores que já trabalharam no setor privado. A equipe econômica é contra a antecipação de receitas, principalmente as decorrentes de impostos, porque vê problema fiscal nisso, como brecha para elevar gastos. Em troca, ofereceu aos governadores um programa emergencial de socorro financeiro para aqueles que fizerem ajustes e reduzirem despesas.

Os governadores, sobretudo de Norte e Nordeste, in sistemem uma solução mais robusta para apoiara reforma. Eles vão propor alternativas no Fórum de Governadores, marcado para 19 de março.

—O grande desafio é buscar o equilíbrio atuarial. É você te ruma poupança que seja suficiente para o que se tem de vida depois de contribuir e se aposentar —afirma Dias.