O globo, n. 31248, 25/02/2019. País, p. 4

 

Desafio de ampliar a base

Marcello Corrêa

Patrik Camporez

Aguirre Talento

Robson Bonin

25/02/2019

 

 

Bolsonaro receberá líderes da Câmara

No primeiro encontro de trabalho com líderes partidários da Câmara, marcado para amanhã, o presidente Jair Bolsonaro apresentará o texto da reforma da Previdência, mas não deverá ser poupado de críticas ao modo como tratou a chamada “política tradicional” durante os primeiros 50 dias de governo.

Líderes de alguns dos principais partidos da Casa disseram ao GLOBO que vão ao encontro pressionados por suas bancadas a expor o descontentamento com a demissão de apadrinhados na máquina federal e a falta de liberação de verbas para as bases políticas.

Responsáveis pelo registro das demandas dos parlamentares, os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Secretaria de Governo, Santos Cruz, deverão ser os grandes alvos da insatisfação. Mas o próprio Bolsonaro não deve escapar de críticas como a do líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), que cobra medidas práticas do Planalto; não apenas discursos e “fotos”:

— Essa semana (que passou, Bolsonaro) tirou foto (na apresentação da reforma no Congresso), agora precisa partir para uma relação mais prática.

Bombeiro

Ciente do clima instalado entre os parlamentares, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem atuado para impedir que a pauta de interesses particulares dos deputados contamine a discussão da reforma.

— Ele (Bolsonaro) vai apresentar a reforma da Previdência. Tema urgente. Se alguém quer ampliar investimentos nos seus municípios, antes precisa aprovara Previdência. S emela, as consequências para o Brasil serão dramáticas. Alguém pensarem liberar Orçamentos ema Previdência é não compreendera realidade—disse Maia.

O presidente da Câmara negou que a decisão do governo de exonerar apadrinhados de deputados nas últimas semanas e anunciar uma espécie de “banco de talentos” — um sistema pelo qual parlamentares poderão indicar cerca de mil nomes para cargos de segundo escalão nos estados — possa contaminar o clima em torno da reforma. Os parlamentares atacam a medida por enxergarem no banco de indicações uma forma de criminalizar as nomeações políticas.

Secretário especial da Casa Civil para a articulação política coma Câmara, Carlos Manato disse que, além deliberar recursos para deputados reeleitos, o governo estuda uma forma de contemplar o alto número de novatos. Como estão em primeiro mandato, eles não apresentaram emendas ao Orçamento no ano passado. A ideia seria editar um projeto de lei para permitir créditos extraordinários.

— Tem que ter um projeto extra orçamentário, um projeto de lei para cri arumaru brica. Se tivermos R $5 milhões par acada um ,( oim pacto) é R$ 1,25 bilhão— estima Manato.

O secretário, que foi deputado, tem defendido que é preciso tratar os parlamentares “com respeito”. Ele avalia que, além da conversa com líderes partidários, será preciso procurar deputados com influência em cada estado.

—Já tem um mapeamento dos estados que querem dialogar. Esse vai ser mais um fator. Vamos ter um diálogo direto, suprapartidário, também com essas lideranças —planeja Manato.

A reforma da Previdência deve começar a tramitar de fato só depois do carnaval. Para além de cargos e verbas, os líderes partidários vão apresentar críticas e sugestões à proposta. A forma como o governo conduziu a elaboração do texto e o apresentou ao Congresso, depois de ter divulgado à imprensa, será questionada.

— O ideal seria que o governo tivesse apresentado para a gente antes uma proposta para que a gente tivesse oportunidade de oferecer sugestões. A expectativa é que o governo aponte um interlocutor que tenha legitimidade e autoridade de apresentar e cumprir mudanças (no texto) — disse o líder do DEM.

Até a estratégia de comunicação montada por Bolsonaro deve ser questionada pelos l íderes na reunião.

— Vou dizer ao presidente que o governo precisa melhorar a comunicação, pois os fakes estão invadindo os quatro cantos (do debate da Previdência). O ideal seria o próprio presidente fazer a defesa da sua reforma, que é vital para o Brasil — disse o líder do MDB, deputado Baleia Rossi (SP).

Na semana passada, Bolsonaro cancelou a primeira tentativa de encontro ao saber, pelo presidente da Câmara, que os líderes ameaçavam não comparecer. Desta vez, Maia acredita que ninguém faltará.

“Na semana passada, Bolsonaro tirou foto, agora precisa partir para uma relação mais prática”

Elmar Nascimento, líder do DEM

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Partidos têm 31% dos funcionários das prefeituras

Dimitrius Dantas

25/02/2019

 

 

Pesquisa revela que um a cada três servidores municipais é filiado a alguma sigla; há duas décadas, índice era de 17%

Um a cada três funcionários públicos municipais é filiado a partidos políticos. Uma pesquisa dos professores Klenio Barbosa, do Insper, e Fernando Ferreira, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, mostra que esta é uma tendência crescente desde 1995, quando 17% dos servidores municipais tinham conexões partidárias. Em 2013, último ano dos dados retratados, o número já chegava a 31%. Os servidores municipais representam 56% do total de funcionários da administração pública do país.

O grau do aparelhamento nas cidades chama a atenção no mom entoem que o governoBolson aro estuda novasf ormasde alocar funcionários na administração pública federal. Na últimas emana, o presidenteJairBol sonar o anunciou a intenção de criar um “banco de talentos”, uma espécie de plataforma a ser desenvolvida pela Controladoria-Geral da União, para que parlamentares possam indicar nomes para vagas no segundo e terceiro escalões do governo federal nos estados. Estes indicados passariam por uma seleção feita pelos ministros e por órgãos de controle da Presidência. A proposta não foi bem recebida por parlamentares.

Para os professores, existe uma correlação entre o aumento do número de servidores filiados nas prefeituras e a diminuição da qualidade dos serviços prestados. Ainda de acordo com o estudo, os filiados não estão apenas nos chamados cargos de confiança, aqueles que costumam mudar coma alternância de poder. Os números demonstram que parte desses funcionários partidarizados permanece nos cargos ou acaba entrando de vez no serviço público por meio de concursos.

Para os dois professores, há indícios de que os concursos podem favorecer partidários do governo no poder. No último ano, a Operação Back Door, no Mato Grosso do Sul, e a Operação Seival, em Santa Catarina, deflagradas apedido de promotores estaduais, investigaram servidores apadrinhados de políticos que teriamsido favorecidos em concursos públicos. Os candidatos teriam tido acesso prévio aos quesitos pelos quais seriam avaliados nas provas.

—Afatia de funcionários ligados a parti dosem algumas cidades chega a 50% do total —afirma Ferreira.

Dependência da União

O cruzamento de dados apontou que, quanto mais dependente do dinheiro da União é o município, maior é o número de apadrinhados políticos em sua folha salarial. Além disso, a ausência de fiscalização é outro fator preponderante para o maior aparelhamento dos municípios. Em geral, cidades que não contam com rádios ou jornais locais são mais vulneráveis a ter filiados políticos.

A dependência de recursos federais também levaria, segundo os professores, a menor cobrança por parte do eleitorado, já que os serviços públicos, em sua maioria, não são bancados pela cobrança de tributos municipais.

Segundo Ferreira, em geral, a coalizão vencedora na eleição municipal aumenta de quatro a seis pontos percentuais sua fração de funcionários. Os professores também perceberam que, diferentemente do que ocorre no exterior, onde a esquerda costuma alocar mais pessoas na máquina pública, no Brasil, o aparelhamento atinge siglas de todas os espectros ideológicos quase igualmente e, particularmente, os maiores partidos (até 2013, eram PT, MDB e PP).

Em meio às dificuldades para a formação da base governista no Congresso, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO), líder do partido na Câmara, avalia que o governo tem que evitar o aparelhamento na repartição de cargos, mas também não pode “criminalizar a política”:

— Defendo que o Executivo tem o direito de proporcionar ao Legislativo espaço para dialogar e eu sou defensor de que exista esse diálogo: ninguém vai ajudar a governar se não participar do governo.