O globo, n. 31251, 28/02/2019. País, p. 4

 

OAS distribuiu R$ 125 milhões

Aguirre Talento

28/02/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Empreiteira repassou caixa dois e propina a 21 políticos de oito partidos entre 2010 e 2014

Uma das maiores empreiteiras do país, com contratos bilionários no Brasil e no exterior, a OAS distribuiu, entre 2010 e 2014, cerca de R$ 125 milhões em propinas e repasses de caixa dois a pelo menos 21 políticos de oito partidos. A revelação foi feita por oito ex-funcionários que atuavam na “Controladoria de Projetos Estruturados”, o departamento clandestino da empreiteira, em delação homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado e que era mantida até agora em sigilo.

O GLOBO teve acesso a um relatório de 73 páginas da Procuradoria-Geral da República (PGR) no qual a procuradora-geral, Raquel Dodge, resume as revelações dos ex-executivos, contidas em 217 depoimentos, e pede providências ao ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF. Os funcionários do setor revelaram os nomes dos políticos, as campanhas financiadas irregularmente, as obras superfaturadas para alimentar o caixa clandestino da empreiteira e o método de funcionamento do esquema.

A lista de beneficiários elencada pelos delatores é multipartidária e reúne alguns dos mais proeminentes políticos do país no período. Entre os acusados de receber propina estão o senador Jaques Wagner (PTBA) e o ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União (TCU), além do exgovernador Fernando Pimentel (PT-MG), do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) e do ex-ministro Edison Lobão (MDB-MA).

Vários outros teriam recebido caixa dois, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o senador José Serra (PSDB-SP), o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), o ex-prefeito Eduardo Paes e o ex-governador Sérgio Cabral (veja no quadro ao lado todos políticos citados e suas respostas).

Por meio de nota, a OAS afirma que sua “nova gestão” colabora com a Justiça para prestar esclarecimentos, mas não tem conhecimento dos depoimentos nem relação com o ex-executivos que firmaram delação com a PGR: “O foco da nova administração do grupo é concluir os acordos de leniência e seguir com seus negócios”.

Obras emblemáticas

Há ainda uma longa lista de burocratas de estatais, integrantes de fundos de pensão, empresários e doleiros que também são citados como beneficiários de dinheiro do setor. É a primeira vez que integrantes da OAS explicam como funcionava o sistema de propinas da empreiteira. O esquema envolvia

o superfaturamento de obras emblemáticas, como estádios da Copa de 2014, a transposição do Rio São Francisco, o Porto Maravilha, no Rio, e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, além de empreendimentos no exterior. Uma parte desses recursos seria posteriormente repassada a políticos.

De acordo com a delação, a OAS assinava contratos frios com empresas de fachada, no Brasil e no exterior, para esquentar o dinheiro. Um dos principais operadores desse caixa era Alberto Youssef, doleiro preso pela Lava-Jato, que fechou delação em 2014 e começou a revelar a extensão das relações criminosas da empreiteira com políticos.

Diretor Financeiro da OAS, Mateus Coutinho de Sá era o encarregado de repassar ao departamento as “demandas de caixa dois” e de propina. O volume de repasses clandestinos a políticos era atualizado mensalmente pelas diretorias e superintendências regionais da empreiteira, que encaminhavam os pedidos de suborno e de caixa dois à Direção Financeira. Essa contabilidade era feita por José Maria Linhares. Depois de aprovada pela cúpula da OAS, a ordem de pagamento do suborno ou do caixa dois era enviada ao setor, que providenciaria, via doleiros, a entrega dos recursos em espécie em todo o território nacional. O encarregado de providenciar entregas de propina no Sudeste e no Sul era José Ricardo Breghirolli. Já no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, a função era delegada a Adriano Santana.

As últimas peças

Havia ainda dois gestores encarregados diretamente da função de elaborar contratos fictícios, firmados com fornecedores para esquentar os recursos desviados de obras para bancar os políticos. No Brasil, quem exercia a função era Roberto Souza Cunha. Nas obras no exterior, quem tocava era Alexandre Portela. Havia ainda um encarregado apenas pela área de “caixa dois”, Ramilton Lima, e um gerente de propinas e verbas desviadas apenas de obras da Petrobras e do setor elétrico, Marcelo Thadeu da Silva.

Sob o comando do engenheiro e ex-presidente da empresa José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, a OAS conquistou capital político abastecendo clandestinamente campanhas eleitorais e pagando mesadas a burocratas do serviço público. Pinheiro também negociou um acordo de delação coma PGR. Suas confissões ainda estão em fase de depoimentos e coletas de provas.

A OAS é a última das grandes empreiteiras atingidas pela Lava-Jato cujos executivos assinaram acordo de delação premiada. Por isso, a empresa traz os últimos elementos pendentes do quebra-cabeça montado pela investigação.

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Caso reforça apelo para criminalização do caixa dois

Robson Bonin

28/02/2019

 

 

Ao longo dos últimos cinco anos, os investigadores da Operação Lava-Jato descobriram quase tudo o que havia para ser revelado sobre o funcionamento do esquema de corrupção que capturou grandes espaços da máquina federal nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. A divisão de contratos bilionários da Petrobras e do setor elétrico entre um clube de empreiteiras que abasteciam clandestinamente os bolsos e as campanhas de políticos influentes da República levou dezenas de mandatários, empresários e burocratas do serviço público à prisão. A história, no entanto, segue em construção.

A delação dos ex-executivos da OAS revela ao país o que se passava na chamada “Controladoria de Projetos Estruturados”, o setor clandestino de pagamento de propinas e repasses de caixa dois da empreiteira.

Se não avança na trama nacional, a delação abre detalhes inéditos de como o método descoberto pela Lava-Jato serviu para desviar recursos públicos e corromper políticos em diferentes estados, fraudando contratos de obras e maculando disputas eleitorais.

Os relatos dos delatores foram enviados a instâncias judiciais de pelo menos noves estados, dando a dimensão do que ainda poderá ser investigado e descoberto contra oligarquias regionais. As histórias narradas reavivam no imaginário nacional temas que fazem parte da pauta atual do Congresso, mas que estavam relegados à militância solitária do ministro da Justiça, Sergio Moro.

Ao revelar a extensão do caixa dois da empreiteira, que alimentou a cúpula do poder entre 2010 e 2014, os delatores da OAS mostram que a discussão da criminalização do caixa dois, em pauta no Parlamento, é algo que deve ser enfrentado logo. O pagamento periódico de propinas também reforça o apelo de um dos projetos do pacote de Moro, que prevê o cumprimento da pena em regime fechado para condenados por corrupção. E há ainda a prisão em segunda instância, tema crucial para garantir que a impunidade não prevaleça em processos contra poderosos.

A delação da OAS atinge uma série de partidos, o que desde já pode representar um obstáculo ao avanço dessas pautas anticorrupção no Parlamento. A lista de corrompidos pela empreiteira, no entanto, não deve parar de crescer. Se a delação dos integrantes do setor de propina revelou a logística de distribuição do dinheiro, o acordo do expresidente da empreiteira Léo Pinheiro com a Procuradoria-Geral da República, em fase de produção de provas, pode ampliar a trama, acrescentando detalhes dos “serviços” que esse dinheiro comprou no universo político.