Correio braziliense, n. 20328, 16/01/2019. Política, p. 3

 

Aposta na "boa-fé" do cidadão

Gabriela Vinhal

16/01/2019

 

 

O governo federal confiará na “boa-fé” do cidadão que alegar ter cofre ou local seguro para armazenar armas em casas com crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental. Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, não haverá medidas de fiscalização para garantir a guarda segura do armamento. “Vocês vão lembrar que o plano de governo de Bolsonaro seria o primeiro em que o cidadão chegaria diante da autoridade pública e teria a verdade com ele. Ele declarará, a princípio, que tem um cofre ou um compartimento com tranca. E isso estará valendo”, frisou

Para o ministro, a não fiscalização por parte do Estado tem até um “efeito pedagógico”. Ele reconheceu que crianças podem, eventualmente, quebrar regras, mas afirmou que cabe aos pais reforçar a “educação e a orientação” de não mexer no armamento. Ele usou como exemplo um acidente doméstico envolvendo uma criança e um liquidificador. “Quem tem criança pequena, adolescentes ou pessoas com deficiência mental tem que ter um cuidado redobrado dentro de casa. Às vezes, a gente vê criança pequena que coloca o dedo no liquidificador, liga o liquidificador, vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o liquidificador? É uma questão de educação e de orientação. Nós colocamos isso (no texto do decreto) para, mais uma vez, alertar e proteger as crianças e os adolescentes”, complementou.

A consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Isabel Figueiredo afirmou que as alterações na lei são preocupantes. “É uma decisão que não tem base técnica robusta. Temos diversos levantamentos que apontam que o aumento da circulação de armas de fogo eleva os índices de delitos contra a vida”, explicou. A especialista citou como exemplo um estudo apontando que uma casa onde existe uma arma tem cinco vezes mais chances de ser palco de um suicídio ou homicídio. “Diante da polaridade em que vivemos, não me surpreenderiam com um aumento da violência em curto prazo.”

Figueiredo também critica o trecho do texto que trata das residências onde vivem crianças, adolescentes e portadores de necessidades especiais, que precisam ter cofre. “O governo decidiu que basta a pessoa atestar que tem esse cofre. Não haverá fiscalização, até mesmo por não ser possível vigiar todo mundo. Nem sequer foi pensada uma forma de garantir que as pessoas estão falando a verdade na hora da declaração”, completou.

 

Novo alvo: o porte

O próximo passo do governo é tentar aprovar no Congresso projetos que flexibilizam o porte de armas. “Quanto ao porte, já temos um conjunto de projetos na Câmara, suficientes para resolver isso”, disse Lorenzoni, afirmando que o governo vai tentar conseguir urgência na apreciação.

O projeto de lei 3.722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), promove a mudança mais radical em relação ao setor. A proposta pretende revogar o Estatuto do Desarmamento, que proíbe o porte de armas, exceto para profissionais de segurança pública e funcionárias de empresas privadas de vigilância. O texto está pronto para ser votado em plenário desde 2015. Há outros 97 projetos sobre o mesmo assunto. (RS e GV)

 

Frase

“Às vezes, a gente vê criança pequena que coloca o dedo no liquidificador, liga o liquidificador, vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o liquidificador?”

Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil