Correio braziliense, n. 20328, 16/01/2019. Política, p. 2/3

 

Liberação de armas "em nome do povo"

Gabriela Vinhal

16/01/2019

 

 

 Recorte capturado

NOVO GOVERNO » Ao assinar decreto que flexibiliza a posse de armamento, presidente Jair Bolsonaro diz que atende à decisão da população determinada no referendo de 2005. Pelo texto, cada cidadão poderá ter até quatro unidades

“Para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu, como presidente, usarei essa arma”, disse Jair Bolsonaro com uma caneta em mão, antes de assinar o decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo no país. Com 15 dias de governo, o presidente celebrou a medida elaborada por “pessoas de bem para cidadãos de bem” em uma cerimônia no Palácio do Planalto. Durante o discurso, o chefe do Executivo criticou governos anteriores e ressaltou a importância do dispositivo, que concederá à população o “direito de legítima defesa”, que, segundo ele, foi pedido nas urnas com a vitória dele. A decisão, publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União, tem efeito imediato.

De acordo com Bolsonaro, o Estado entendeu que havia um problema na lei referente à comprovação da efetiva necessidade de se obter o registro do armamento, que “beirava a subjetividade” — ele faz menção à avaliação da Polícia Federal, pois cabia a delegados da corporação conceder ou não a posse. “O que nós estamos fazendo aqui nada mais é do que restabelecer um direito deferido nas urnas por ocasião do Referendo de 2005, do qual, infelizmente, o governo à época buscou maneira em decretos e portarias a negar-lhes esse direito. O povo decidiu por comprar armas e munições, e nós não podemos negar o que o povo quis naquele momento”, disse. Ele se referiu à consulta popular em que foi rejeitada a proibição da comercialização de armas e munição. O presidente esclareceu ainda que o decreto trata apenas da posse de armas e que, para outros efeitos, como o porte de armas, novas medidas seriam pensadas no Legislativo.

O decreto assinado, ontem, prevê o aumento do prazo de validade do registro de posse de arma de cinco para 10 anos. A medida vale, inclusive, para aqueles que têm o registro em vigor, mas obtido na antiga legislação. A permissão, então, é automaticamente renovada por uma década. Além disso, é permitida a compra de até quatro armas por pessoa, com exceção daquelas que comprovarem a necessidade de obter mais armamentos além do previsto, como as pessoas com grande número de propriedades.

O documento contempla ainda residentes de “cidades violentas”, com mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes, e de áreas rurais. Na prática, Bolsonaro anulou um dispositivo legal, que era o da comprovação da necessidade. Isso porque o critério utilizado pelo governo é o das taxas de homicídios dos estados em vez dos municípios. Praticamente todo o país foi incluído, segundo o Anuário da Violência 2018, que consta no decreto como referência dos dados. Para se ter uma ideia, o estado que registrou a menor taxa foi São Paulo e, ainda assim, teve 10,7 mortes a cada 100 mil habitantes em 2017. A média do Brasil foi de 10,8.

Em entrevista ao Correio, o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse que o governo está dando a posse para o cidadão. “Ele não vai sair com aquela arma na mão. Vai ter a posse para defender a integridade do lar dele ou a propriedade dele”, frisou. “Arma é um objeto caro. Não é qualquer um que vai comprar uma arma. Isso não vai contribuir para o aumento da violência.”

 

Abertura de mercado

Após a assinatura do decreto, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que, para o futuro, o governo pensa em medidas de abertura do mercado de armas no país. “Isso está em estudo. A gente sempre lembra que deveria haver a instalação de fábricas aqui no Brasil, na maioria dos países, essa é uma condicionante para a competição, então, o governo pensa dessa forma para poder receber aqui novas fábricas. E aí, trazem tecnologia para o país, trazem novos empregos, investimentos”, declarou, durante uma conversa com jornalistas. Lorenzoni ainda afirmou que está em análise a possibilidade de redução de impostos e alíquotas para compradores de armas.

O professor Conrado Gontijo, especialista em direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explicou que a posse de armas de fogo é emitida especificamente para cada equipamento e que o cidadão que fizer a solicitação ficará responsável pelo material que adquirir. O especialista ressaltou que as alterações feitas por Bolsonaro facilitam apenas a posse, e quem se deslocar com armas sem autorização responderá penalmente. “O decreto não autoriza que circule com a arma. O mesmo vale para o carro, que não é o local de moradia. Então, quem for pego armado no trânsito, por exemplo, sem porte, responderá criminalmente”, emendou.

Para Flávio Werneck, especialista em segurança pública e presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal (Sindipol-DF), o documento editado pelo presidente se baseia em argumentos sólidos. “O decreto tem um viés muito positivo. Ele deixa claro quais os requisitos legais, além de ter usado o critério da ONU (Organização das Nações Unidas) para definir ‘violência’, que é esse de 10 homicídios por 100 mil habitantes”, ressaltou. “Além disso, tirando os critérios subjetivos que existiam na legislação, como a interpretação do delegado sobre a estrita necessidade, diminui a capacidade de corrupção no órgão.”

 

Frase

“O povo decidiu por comprar armas e munições, e nós não podemos negar o que o povo quis naquele momento”

Jair Bolsonaro, mencionando o referendo de 2005