O globo, n. 31206, 14/01/2019. País, p. 4 e 5

 

De volta à Itália

Bela Megale

Renata Mariz

14/01/2019

 

 

Battisti é preso na Bolívia e deportado para o seu país

Vinte e seis anos após ser condenado à pena de prisão perpétua pelo assassinato premeditado de quatro pessoas entre 1977 e 1979, passar uma temporada refugiado na França e escapar para o Brasil, onde foi detido em 2007, mas não extraditado por decisão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o italiano Cesare Battisti embarcou ontem num avião de volta à Itália para cumprir sua pena. Ele foi preso no sábado em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Uma negociação feita entre os governos italiano e boliviano permitiu a expulsão rápida do condenado, sem a necessidade de retorno ao Brasil, como chegaram a planejar as autoridades brasileiras.

Para não ser reconhecido, Battisti adotou uma barba e passou a circular de óculos escuros. Quando foi detido, ele portava documentos brasileiros com seu nome e não resistiu. O italiano foi preso em uma ação de cooperação internacional conjunta entre as polícias federais do Brasil, Bolívia e Itália. Os investigadores do Brasil e da Itália tinham informações concretas de que Battisti estava na Bolívia, país para onde ele já tinha tentado fugir em 2017.

No fim de dezembro, o italiano apresentou pedido de refúgio ao governo boliviano. No documento, alegou que fugira do Brasil por causa da eleição de um presidente “de extrema-direita”. Há cerca de uma semana, italianos envolvidos nas buscas aterrissaram na Bolívia para auxiliar na operação de prisão.

O italiano fugiu para a Bolívia depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux determinou, em 14 de dezembro, sua prisão e revogou a liminar que impedia sua extradição. Seis dias depois da decisão, Battisti entrou com um pedido de refúgio para a Bolívia.

Apesar de o premiê italiano, Giuseppe Conte, ter anunciado, já na manhã de ontem por meio de redes sociais, que um avião italiano aterrissaria na Bolívia para levar Battisti à Itália, autoridades brasileiras aventaram a possibilidade de ele ser trazido ao Brasil para, então, ser entregue às autoridades de seu país natal.

Vaivém de governo

Por volta das 10h30m, o presidente Jair Bolsonaro chegou a se reunir no Palácio da Alvorada com os ministros Sergio Moro (Justiça), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, para discutir a deportação do italiano. Na saída do encontro, Heleno anunciou que o ex-ativista passaria pelo Brasil já que o transporte teria ficado a cargo da PF brasileira.

—Porque é o avião da Polícia Federal nosso que está indo buscar. E o avião tem problema de autonomia. Tem que pousar no Brasil — disse Heleno.

A PF recebeu a mesma informação e organizou um esquema para trazer Battisti. Um avião modelo Caravan chegou a ser enviado de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, para a Bolívia.

Os trâmites da deportação foram decididos entre os governos italiano e boliviano. Pouco antes das 15h, o ministro da Justiça da Itália, Alfonso Bonafede, afirmou que Battisti retornaria diretamente ao seu país de origem. “Ele (Battisti) voltará para a Itália diretamente da Bolívia. Desta forma, o terrorista cumprirá a pena que lhe foi imposta pela Justiça italiana: uma sentença de prisão perpétua”.

Na mesma mensagem, fez agradecimentos a Bolsonaro. “Há pouco tempo escutei o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e gostaria de agradecer-lhe em nome de todo o governo italiano pela colaboração efetiva que levou à captura de Battisti. E da mesma forma agradeço às autoridades bolivianas”.

Além de evitar qualquer imbróglio com a Justiça brasileira em relação a Battisti, a deportação do foragido diretamente para a Itália também permite que o país aplique a pena de prisão perpétua. Conforme o acordo de extradição firmado entre Itália e Brasil, Battisti poderia cumprir no máximo mais 30 anos de cadeia, pena máxima possível no Brasil e exigência imposta na negociação.

Habeas Corpus no STF

Após os governos da Bolívia e Itália informarem que Battisti seria entregue diretamente a policiais italianos e levado por eles ao seu país de origem, autoridades brasileiras vincularam o suposto desvio de rota ao pedido da defesa de Battisti. Com a perspectiva de que ele passasse pelo Brasil no processo de deportação para a Itália, a defesa do italiano impetrou um habeas corpus preventivo no Supremo com o objetivo de evitar que o italiano fosse extraditado para seu país de origem, caso chegasse a Brasília.

Autoridades brasileiras envolvidas na negociação afirmaram que a deportação de Battisti passando pelo Brasil era uma possibilidade concreta e urgente e que, por isso, a aeronave foi enviada para o país vizinho. Foi só depois das 18h que o governo brasileiro assumiu publicamente que Battisti seria levado diretamente para a Itália.

Da luta armada à prisão: a cronologia do caso do italiano

Primeiro, a França

Foragido da Justiça italiana, Battisti passou alguns anos refugiado na França. Em 2004, quando foi aprovada sua extradição, saiu do território francês.

A prisão no Brasil

Em 2007, ele foi preso no Brasil por ordem do STF a partir de pedido do governo italiano para mandá-lo de volta a seu país. Antes que o STF julgasse o processo de extradição, Battisti pediu refúgio político. O Comitê Nacional de Refugiados rejeitou o pleito. Battisti recorreu à instância superior: o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a ele o título de refugiado.

Nas mãos de Lula

O processo foi retomado no STF em 2009. A extradição foi aprovada com a ressalva de que o presidente tinha poderes para tomar a decisão final. No último dia do mandato, em 31/12/2010, Lula negou o pedido de extradição e deixou Battisti viver no Brasil.

Novo pedido a Temer

Battisti só foi solto após um novo julgamento no STF, já em 2011, e passou a atuar como escritor. Até que, em março de 2015, voltou a ser preso por situação irregular no país. Os advogados recorreram, e Battisti foi colocado em liberdade. Com a chegada do governo Temer, a Itália entrou com pedido para que o presidente revisse a decisão de Lula.

Outra fuga

Em outubro de 2017, Battisti foi detido tentando sair do Brasil para a Bolívia.

Desfecho

Em dezembro de 2018, Temer decidiu entregar Battisti à Itália, mas ele fugiu novamente. Ontem, o italiano foi preso na Bolívia.

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Em passeio, um disfarce idêntico ao divulgado pela Polícia Federal

Flávio Tabak

14/01/2019

 

 

Battisti foi filmado por agentes italianos quando caminhava em rua

O visual de Battisti quando foi preso era bem parecido com um dos possíveis disfarces divulgados pela PF quando ele fugiu. Oitaliano Cesare Battisti foi filmado por investigadores italianos caminhando numa rua de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, usando um disfarce rigorosamente igual a um dos sugeridos pela Polícia Federal brasileira quando ele foi considerado foragido do país.

Na imagem, Battisti caminha por uma rua usando cavanhaque, bigode e óculos escuros. Ele estava de calça jeans, camiseta preta e sapato de couro, andando livremente, sem tentar se esconder. A polícia italiana, que distribuiu as imagens em sua página no Facebook, divulgou que ele foi preso pelas autoridades bolivianas pouco após esse passeio.

O estilo combina com o último disfarce da lista da Polícia Federal. Os investigadores brasileiros divulgaram 20 aparências possíveis que o italiano poderia ter como foragido. Entre diferentes chapéus, bonés, óculos e cortes de cabelo e barba, num deles a Polícia Federal acertou, o que faz crer que Cesare Battisti não estava bem informado sobre as investigações ou acreditava que nunca seria reconhecido nas ruas do país vizinho.

Assim como o disfarce, o destino de Battisti também era previsível. Em outubro de 2017, o italiano foi detido pela Polícia Federal em Corumbá (MS), cidade na fronteira com a Bolívia, tentando atravessar para o país vizinho com valores equivalentes a mais de R$ 10 mil em espécie sem declarar, o que é proibido.

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‘Acho que acabou mesmo’, diz filho de vítima

Fernanda Massarotto

14/01/2019

 

 

Alfredo Torregiani, que ficou paraplégico e perdeu o pai em atentado promovido pela organização de Battisti em 1979, jamais perdeu a esperança de ver o ex-militante italiano preso e chegou a dizer que seria capaz de vir ao Brasil buscá-lo

Alberto Torregiani era adolescente quando perdeu o movimento das pernas ao ser baleado na coluna durante o atentado que matou seu pai, o joalheiro Pierluigi Torregiani. O crime, ocorrido em 16 de fevereiro de 1979, na Itália, foi atribuído à Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), organização extremista da qual participava Cesare Battisti. No sábado, após a prisão de Battisti, na Bolívia, Torregiani declarou à agência de notícias italiana Ansa:

— Acabou. Acho que agora acabou mesmo.

Por anos, Torregiani lidou coma raiva e ades ilusão em relação ao governo brasileiro. No último dia de 2010, decepcionou-se quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou o pedido de extradição de Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos ocorridos nos anos 1970, incluindo o de seu pai.

—Quero simplesmente justiça — disse ao GLOBO, em novembro de 2017.

Em outubro passado, a prisão do ex-militante o animou:

— Battisti sempre disse ter se arrependido e chegou até a se declarar um ex-terrorista. É preciso que ele cumpra sua pena. Eu, por outro lado, jamais seria uma ex-vítima.

Em 2006, num livro, Torregiani, hoje com 54 anos e funcionário da prefeitura de Novara, contou sua versão. Já Battisti, que em 2007 foi preso no Brasil, sempre bradou inocência e chegou a dizer que ambos tinham um contato amigável.

—Jamais conversei com Cesare Battisti. Ele adora inventar fatos para criar comoção e dizer que é um injustiçado — disse Torregiani ao GLOBO, reconhecendo, porém, que o ex-militante não participou do aten ta do.—Eleéoman dante.

Há uma no, Torre gia ni ratificou sua confiança na Justiça brasileira e advertiu:

—Se ele (Battisti) não voltar à Itália pelas mãos das autoridades, irei eu mesmo trazê-lo.

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Ministro do Interior da Itália: ‘Um presente’

14/01/2019

 

 

Em entrevista coletiva, o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, disse ontem que a prisão de Cesare Battisti é “um grande presente para 60 milhões de italianos”:

— Estamos preparando a chegada desse criminoso maldito à Itália amanhã (hoje). Obrigado a todos que possibilitaram essa mudança, ao novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que tirou a proteção, porque ele é um assassino, não um escritor ou ideólogo.

A decisão de extraditar o italiano, no entanto, foi tomada pelo ex-presidente Michel Temer, o que fez Battisti fugir.

Em mensagem por uma rede social na qual marcou Salvini, Eduardo, um dos filhos de Bolsonaro, escreveu em italiano que o Brasil estava enviando “um presente” à Itália: “O Brasil não é mais terra de bandidos”, afirmou.

Já o ministro da Justiça da Itália, Alfonso Bonafede, primeiro membro do governo do país ase manifestar, segundo o jornal “La Reppublica”, lembrou as vítimas da PAC e disse: —Finalmente, ajustiça éfe ita.

O jornal italiano “Corriere del la Sera” noticiou a prisão do “terrorista-assassino” Battisti. O caso teve repercussão internacional. O jornal americano “The New York Times” classificou-o de “fugitivo militante comunista italiano”, e a rede britânica BBC disse que o italiano viveu anos no Brasil devido ao asilo dado pelo “ex-presidente Lula, de esquerda”.