O Estado de São Paulo, n. 20287, 06/12/2018. Política, p. 3

 

Prefeitos liberados para gastar

Alessandra Azevedo e Gabriela Vinhal

06/12/2018

 

 

CONGRESSO » Projeto que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal e permite que municípios ultrapassem o limite de despesas com pessoal é aprovada pela Câmara, e agora vai para sanção do presidente Michel Temer. Crise no orçamento atinge cerca de 1.872 cidades

A Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 300 votos a favor e 46 contra (cinco abstenções), o projeto que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e beneficia prefeitos que gastam além do permitido. A matéria permite que municípios ultrapassem o limite de despesas com pessoal sem sofrer punições se houver queda na receita. Na prática, a medida dificulta a aplicação de sanções a cidades que gastarem mais do que o permitido. Aprovado no Senado na última terça-feira, o texto segue para sanção do presidente Michel Temer.

O limite de despesas com pessoal, de acordo com a LRF, é de 60% da receita corrente líquida — obtida com tributos, descontados os repasses determinados pela Constituição. Pelas regras atuais, o município que gasta além disso tem até oito meses para se adequar. Se não o fizer, pode sofrer sanções, como não receber transferências voluntárias ou contratar operações de crédito, a não ser que sejam para reduzir despesas de pessoal ou refinanciar a dívida.

Pelo projeto aprovado ontem, os municípios que tenham queda de receita superior a 10% não sofrerão mais essas punições, caso ultrapassem o limite de gastos. Contudo, a diminuição deverá ter sido provocada pela redução do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou pela diminuição de receita com royalties e participações especiais.

Apenas o PSDB e PSL, partido do presidente eleito, Jair Bolsonaro — que pagará a conta — orientaram contra a proposta. As demais legendas foram a favor da medida ou liberaram as bancadas. Para o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), é preciso tomar cuidado ao flexibilizar a LRF. “Acho que essa é uma lei dura, mas que conseguiu enquadrar os municípios, e não levar a uma quebradeira geral. A Lei de Responsabilidade Fiscal é boa, segura os municípios nos eixos e, se nós continuarmos fazendo esse tipo de alteração, podemos estar condenando os municípios a não conseguirem pagar as suas contas, porque o aumento de pessoal será tamanho, que não se conseguirá pagar mais servidor”, disse.

O objetivo do projeto não é apenas flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal, defendeu o deputado Bebeto (PSB-BA) durante a discussão em plenário. O parlamentar ressaltou a importância do governo federal assegurar o orçamento aos municípios, ao menos para pagar as contas mensalmente. “Qual é o centro do projeto? É que quando haja, por parte do governo federal, uma desoneração exacerbada de folha de pagamento com impacto direto nas receitas de estados e municípios, na formação do FPM ou que haja uma crise econômica que assole aquele município, que efetivamente os prefeitos não sejam penalizados com a falta de recebimento das receitas do FPM”.

 

Crise fiscal

Devido à recessão econômica, um terço dos municípios brasileiros não consegue gerar receita suficiente para pagar o salário de prefeitos, vereadores e secretários. O levantamento foi feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). A crise no orçamento dessas localidades atinge cerca de 1.872 cidades. Ainda segundo o estudo, a receita dessas cidades, sobretudo de municípios com população de até 20 mil habitantes, é de 9,7% — ou seja, mais de 90% da arrecadação é decorrente de transferências públicas. Entre 2016 e 2017, com a eleição dos gestores municipais, aproximadamente 2 mil prefeituras estavam fora da lei. Do total, 575 estouraram o limite de gastos com pessoal em 2016 e 715 deixaram um prejuízo de R$ 6,3 bilhões para a nova prefeitura.

O deputado Wolney Queiroz (PDT-PE) lembrou que, atualmente, 80% dos municípios brasileiros encontram-se em situação fiscal difícil ou crítica. “(Esses entes) São altamente dependentes das transferências de recursos do Fundo de Participações de Municípios e das compensações financeiras decorrentes da exploração do setor de petróleo e gás natural, dos recursos hídricos utilizados na geração de energia elétrica e dos minerais”, comentou.