Correio braziliense, n. 20300, 19/12/2018. Cidades, p. 17

 

Decisão do TSE muda configuração da Câmara

Alexandre de Paula 

19/12/2018

 

 

No dia da diplomação dos eleitos, a novela judicial envolvendo candidatos do PTB-DF teve um desfecho surpreendente para o cenário político brasiliense. Em uma reviravolta, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou uma decisão que deve mudar a configuração da futura Câmara Legislativa. A Corte acatou recurso da candidata a distrital do PTB Jaqueline Silva e de outros concorrentes do partido. Com isso, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) terá de refazer os cálculos para definições das cadeiras. Dessa forma, Jaqueline ficará na vaga da deputada distrital Telma Rufino, do Pros, que havia sido reeleita.

 

O TSE retomou o julgamento do caso ontem. O debate havia sido interrompido por um pedido de vista na semana passada, quando havia maioria formada — 5x1 — para a rejeição do recurso de Jaqueline, mas, na sessão de ontem, o ministro Og Fernandes, relator do processo, mudou o voto e foi acompanhado por outros cinco magistrados. O placar final ficou em 6x1.

O argumento para a mudança foi de que outros documentos que comprovam a filiação da candidata dentro do prazo legal foram enviados ao TSE depois do primeiro voto. “Penso que tal documento, em conjunto com o conteúdo da primeira certidão transcrita no acórdão regional, é prova da filiação partidária exigida pela legislação eleitoral”, avaliou o relator, ao concluir o voto. Mais tarde, Og Fernandes estendeu a decisão a outros candidatos do PTB. Agora, caberá ao TRE refazer os cálculos e dar prosseguimento ao processo.

Os problemas do PTB-DF com a Justiça Eleitoral começaram em setembro, quando foram julgados os registros de candidatura da sigla no TRE. Os desembargadores decidiram, por unanimidade, barrar os concorrentes da sigla com a justificativa de que o partido não apresentou a filiação dos nomes dentro do prazo legal, de 6 meses antes do pleito.

Segundo o PTB, houve um problema no sistema do TSE; por isso, os registros de filiação não foram recebidos. Além disso, a defesa alegou que há, no sistema interno do TRE, lançamentos com pedidos de filiação desses candidatos e que a questão poderia ser também comprovada de outras maneiras. “Há uma súmula que diz que você pode provar a filiação por outros meios. Juntamos um conjunto probatório, que demonstra essas filiações”, explica Francisco Emerenciano, um dos advogados do partido.

Quando barrou as candidaturas, o TRE definiu que os candidatos não poderiam fazer qualquer ato de campanha. O partido, no entanto, conseguiu reverter esse impedimento por meio de liminar no TSE. A vitória no tribunal garantiu que os concorrentes pudessem participar normalmente das atividades eleitorais, inclusive com acesso aos recursos do Fundo Eleitoral e à propaganda gratuita, até que a questão fosse julgada em definitivo.

 

O cálculo

Com a decisão do TSE de validar as candidaturas do PTB, as contas para definição dos eleitos no DF, tanto para a Câmara Legislativa, quanto para a Câmara dos Deputados precisarão ser refeitas. Ao contrário dos cargos majoritários, as candidaturas proporcionais são definidas a partir de um cálculo complexo, que conta com até três etapas.

Na primeira delas, é definido o quociente eleitoral, com a divisão do total de votos válidos pelo número de vagas na casa legislativa. O resultado é dividido pela votação da coligação para se obter o número de cadeiras a que cada uma delas terá direito. Os representantes mais bem votados das coligações ficam com as cadeiras. Nem todas, no entanto, são preenchidas dessa maneira, uma vez que, geralmente, as coligações não conseguem votos suficientes para garantir, pelo quociente eleitoral, todas as vagas.

As restantes são definidas por um cálculo chamado de média. Nessa etapa, os votos da coligação são divididos pelo número de vagas obtidas mais um. As coligações mais bem posicionadas ficam com as sobras. Novamente, os representantes mais bem votados das coligações conquistam as vagas. A votação do PTB tem impacto mais prático justamente nessa etapa. Apesar de não alcançar o quociente eleitoral, os votos do partido elegem Jaqueline Silva por meio da média. Pelo novo cálculo, a distrital Telma Rufino (Pros) fica de fora. Jaqueline recebeu 13.044 votos. Telma, 11.715.

Mesmo com o imbróglio judicial, Telma Rufino foi diplomada ontem. “Eu entrego às mãos de Deus. Se Ele achar que não devo ficar com o mandato, é porque considera que tem algo melhor para mim”, disse.

Diplomações e polêmicas

O governador eleito do DF, Ibaneis Rocha (MDB), foi o primeiro a receber o diploma na cerimônia de ontem, realizada no Teatro Pedro Calmon, no Setor Militar Urbano (SMU). Em discurso breve, Ibaneis destacou que a escolha da população nas urnas representou um sentimento de mudança. “Somos fruto da esperança do povo do DF e do Brasil. Esse povo que estava cansado, amargurado, sofrido e sem esperança recuperou essa esperança nas urnas e nos elegeu. Temos o compromisso de levar transparência, dedicação e carinho para essa população que está abandonada”, ressaltou.

Com mais de 1 milhão de votos, Ibaneis derrotou o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) no segundo turno das eleições. O emedebista teve o apoio de 69,79% dos eleitores brasilienses depois de trajetória surpreendente. No início da campanha, pesquisas indicavam que o ex-presidente da OAB no DF tinha cerca de 2,5% das intenções de voto. “Confio em todos os que estão aqui e tenho certeza de que, independentemente de questões políticas, estaremos irmanados para cuidar das questões do DF”, declarou. Ele também mencionou Rollemberg (PSB), com quem disse ter mantido boa relação no processo de transição. “Tenho certeza de que o governador Rollemberg fez o possível para fazer um bom mandato”, acrescentou.

A diplomação é um passo fundamental para que o eleito possa assumir o mandato. A entrega do documento atesta que o candidato está apto para exercer o cargo para o qual foi escolhido pela população e que cumpriu, exceto em casos em que ainda cabem julgamentos, todas as exigências da Justiça Eleitoral. Além de Ibaneis, foram diplomados os outros 39 eleitos neste ano no DF, como o futuro vice-governador, Paco Britto (Avante), os próximos senadores Leila do Vôlei (PSB) e Izalci Lucas (PSDB) — assim como os dois suplentes de cada um deles —, oito deputados federais e 24 distritais escolhidos no pleito de 2018.

 

Lisura

A presidente do TRE, Carmelita Brasil, fez o discurso inicial. “Encerra-se hoje um ciclo relevante do trabalho. Em um momento de comoção nacional que reverberam em crises sociais, econômicas e políticas, a Justiça Eleitoral realizou as eleições de 2018”, disse a desembargadora. Ela defendeu a lisura do processo e a utilização da urna eletrônica. “Que não passem pela vida pública em branco os hoje diplomados”, concluiu. Além dos eleitos, participaram da solenidade autoridades, como o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Ronaldo Fonseca, o presidente da Câmara Legislativa, Joe Valle (PDT), e a ex-senadora Marina Silva.

Manifestações

Ao subir ao palco para ser diplomada, a deputada federal Erika Kokay (PT) gerou disputa entre a plateia. De um lado, gritos de “Fora PT”. Do outro, manifestações favoráveis à parlamentar. Um dos presentes tocou, com um instrumento de sopro, a música La Bella Ciao, um dos símbolos da resistência italiana contra o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial. O distrital eleito Fábio Félix (PSol) fez uma menção à vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em março deste ano. Ele subiu ao palco com uma camiseta com os dizeres: “Quem mandou matar Marielle?”.