O globo, n. 31202, 10/01/2019. Economia, p. 15

 

Capitalização

Marcello Corrêa

Manoel Ventura

Daiane Costa

10/01/2019

 

 

Novo regime deve afetar futuros trabalhadores da classe média

A capitalização, novo regime de aposentadorias previsto na reforma da Previdência que será enviada ao Congresso pelo governo, deve afetar basicamente aclasse média. Onov oregim eé voltado para as futuras gerações e requer um prazo de implementação. A princípio, de acordo com as principais propostas nas mãos da equipe econômica, a capitalização só deve valer para nascidos a partir de 2014, que entrariam no mercado de trabalho depois de 2030.

Atualmente, quem contribui para a Previdência arca com o pagamento dos benefícios de quem já está aposentado. Na capitalização, a lógica é diferente: o trabalhador poupa para a sua própria aposentadoria, numa aplicação individual.

O novo regime, porém, não seria aplicado a todo sostra balhadores. O governo pretende definir um corte de renda a partir do qual o segurado deve ser enquadrado na capitalização. Uma das principais propostas em análise pela equipe econômica, elaborada pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e pelo economista Paulo Tafner, define esse patamar em R$ 4.055,82, em 2030. O estudo prevê que o valora partir do qual o trabalhador se enquadra na capitalização cairia gradativamente e chegaria a R$ 3.284,27 em 2040. Mesmo considerando essa queda na faixa de renda ao longo do tempo,é possível dizer que será um modelo para aclasse média, pois, segundo o IBGE, em novembro de 2018, o rendimento médio do trabalhador brasileiro era de R$ 2.238. Ainda não há valor definido de corte de renda na proposta do governo.

Ajuda de medida provisória

O governo já prevê um afa sede transição, mas tema expectativa de que elas e jamais curta, graças à medida provisória (MP) que endurece as regras para o pagamento de benefícios do INSS. A MP será apresentada ao Congresso junto da reforma do atual sistema de aposentadorias no país.

O problema é que a migração para um novo sistema — pelo qual os trabalhadores contribuem individualmente para a sua própria aposentadoria —gera um custo para os cofres públicos. Interlocutores da área econômica afirmam que a economia gerada pela medida provisória, de até R$ 20 bilhões, pode ajudar o time do ministro da Economia, Paulo Guedes, a implementar um plano mais ousado.

Dessa forma, o custo de transição é suavizado, porque a migração seria combinada à economia gerada pelas reformas no sistema antigo, como o estabelecimento de uma idade mínima. Uma das hipóteses é que a capitalização passasse a abranger trabalhadores nascidos a partir de 2010. Na prática, a economia permitiria que o novo modelo estreasse um pouco mais cedo.

O governo ainda não bateu o martelo sobre como será a transição para a capitalização. Mas a proposta de Tafner está sendo usada como base para as discussões internas. No desenho elaborado pelo grupo de economistas, que inclui o novo secretário adjunto da Previdência, Leonardo Rolim, os trabalhadores contribuiriam em parte para o regime de repartição, como hoje, e em parte para o novo sistema capitalizado.

Um trabalhador com salário de R$ 5 mil em 2030, por exemplo, recolheria para o regime de repartição em cima do valor de até R$ 4.055,82 (levando em conta o valor fixado no estudo de Tafner). A contribuição para a capitalização seria feita em cima do restante da renda (R$ 944,18).

A contribuição ao INSS pelos trabalhadores que entrarem na capitalização serviria para manter o acesso aos serviços da seguridade social, como auxílio-doença e licença-maternidade.

Ao contrário do modelo implantado em outros países, na proposta de capitalização brasileira, trabalhador e empregador recolhem obrigatoriamente. As empresas e os funcionários, porém, só são obrigados a contribuir até o teto do INSS, fixado atualmente em R$ 5.645,80. Ou seja, se um funcionário ganha R$ 15 mil, a contribuição patronal é calculada até o limite do teto do INSS. O trabalhador, porém, pode contribuir voluntariamente, a fim de obter um valor maior na aposentadoria.

Ontem, o secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirmou que a capitalização precisará ter um fundo de recursos que banquem a transição:

— Para que ela (capitalização) seja colocada em pé, é necessário que haja um fundo de transição. Isso está sendo trabalhado também.

Ele disse que o regime vai ser aplicado a novos entrantes no mercado de trabalho:

— Já está decidido que vai ser colocado para os novos. Vai ser feita a previsão para os novos. Agora, de quanto tempo será essa transição, ainda estamos nos debruçando sobre isso.

“Para que ela (capitalização) seja colocada de pé, é necessário que haja um fundo de transição”

Rogério Marinho, secretário especial de Previdência e Trabalho

Diferença entre os regimes

> No modelo atual, o trabalhador recolhe um percentual do seu salário para a Previdência, assim como seu empregador. Essas contribuições financiam o pagamento de aposentadorias e pensões dos que já pararam de trabalhar e viúvos. Os recursos são geridos pelo Estado, que cobre eventual déficit. O teto do benefício atualmente é de R$ 5.645,80.

> No modelo misto, previsto para entrar em em vigor em 2030, quem receber até R$ 4.055,82 (considerados valores de hoje) continuará tendo parte do salário recolhido pelo INSS, como acontece atualmente. Já quem ganhar além disso vai contribuir para um regime de capitalização, que incidirá sobre a diferença entre os R$ 4.055,82 e o teto de R$ 5.645,80. A alíquota de desconto ainda não foi definida. Na capitalização, cada trabalhador faz uma poupança individual, que, no futuro, vai financiar sua aposentadoria. Quando o trabalhador atinge a idade mínima de aposentadoria, todo o bolo capitalizado é dividido em mensalidades, de acordo com a expectativa de vida estimada pelo IBGE.

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Mudança no modelo demandará mais planejamento

Leo Branco

10/01/2019

 

 

Jovens poupam mais que gerações anteriores, mas terão dificuldade para calcular quanto precisam economizar ao longo da vida

O governo ainda não definiu o novo modelo de Previdência que vai propor ao Congresso, mas uma coisa é certa: os brasileiros, particularmente os mais jovens, terão que planejar melhor a sua aposentadoria. O problema é que formar um pé-de-meia exigirá mais atenção ao longo da vida profissional caso as mudanças na Previdência aventadas pelo governo sejam aprovadas, o que pode gerar resistências, dizem especialistas.

Há sinais de que os jovens brasileiros poupam mais que gerações anteriores. Uma pesquisa de 2018 da Consumoteca, empresa de inteligência de mercado de São Paulo, com cerca de dois mil profissionais entre 18 e 25 anos, mostrou que 58% dos entrevistados tinham alguma aplicação financeira com objetivos de longo prazo, como poupança, previdência privada e títulos do mercado de capitais. Na faixa entre 36 e 50 anos, o percentual de poupadores cai para 46%. Se pudessem deixar de contribuir ao INSS, 36% dos jovens entrevistados o fariam. Entre os mais velhos, a taxa é de 27%.

—Os jovens brasileiros hoje têm farto acesso à informação financeira na internet. Ao mesmo tempo, demonstram um desconhecimento sobre o que pode mudar na Previdência, o que pode gerar resistência. O governo terá que investir em comunicação sobre a reforma para tirar essas dúvidas —avalia Michel Alcoforado, sócio da Consumoteca.

Felipe Bruno, diretor de Previdência da consultoria Mercer, destaca que as mudanças planejadas pelo governo tornarão mais difícil o cálculo da futura aposentadoria. Isso porque o sistema atual, de repartição, garante rendimentos semelhantes entre os participantes. Num modelo de capitalização, o valor do benefício depende do saldo que cada um economizou ao longo da vida profissional, que será sujeito aos altos e baixos típicos de aplicações financeiras.

— O brasileiro terá que se acostumar a fazer contas do quanto precisa economizar para manter o padrão de vida na aposentadoria — diz o consultor.