Correio braziliense, n. 20299, 18/12/2018. Brasil, p. 6

 

Mais de 500 acusações

Renato Souza e Murilo Fagundes

18/12/2018

 

 

SOCIEDADE » Segundo a força-tarefa que cuida do caso de João de Deus, em Goiás, 506 mulheres relataram abuso sexual e estupro por parte do médium. Defesa pede que prisão preventiva seja revogada por causa do estado de saúde e da idade do líder espiritual

Em cinco dias, mais de 500 mulheres relataram ao Ministério Público de Goiás que sofreram abuso sexual e estupro por parte do médium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus. Os depoimentos, que revelam um padrão de comportamento, chocam promotores, delegados e demais envolvidos na força-tarefa criada pelas autoridades do estado para investigar o caso. Na tarde de ontem, a defesa do religioso, alegando problemas de saúde do cliente, ingressou na Justiça com um pedido de habeas corpus, para que ele responda em liberdade.

João de Deus passou o primeiro dia preso no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia, cidade localizada a 20km da capital do estado. O advogado Alberto Toron, que defende o médium, pediu à Justiça que a prisão preventiva seja revogada e, caso essa solicitação não seja atendida, que ele ao menos possa cumprir prisão domiciliar. Entre os argumentos utilizados por Toron, está também a idade avançada do médium, 76 anos.

O Ministério Público e a Polícia Civil afirmaram que chega a 506 o número de denúncias recebidas pelo e-mail criado exclusivamente para registrar os casos de suposto abuso. Das mulheres que acusaram João de Deus, cerca de 30 foram ouvidas pelo Ministério Público e outras 15, pela Polícia Civil. Além dos crimes de estupro, estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude, a força-tarefa avalia se existiu lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e conivência de funcionários da Casa Dom Inácio de Loyola.

Na visão da defesa de João de Deus, parece haver “um processo intimidativo indevido” em relação às acusações relacionadas às movimentações financeiras, já que, de acordo o advogado Alberto Toron, “baixar aplicações não é lavar dinheiro”. “Em primeiro lugar, o relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) descreve o resgate de aplicações financeiras, não saques. Como sabem os promotores de justiça, não se lava dinheiro limpo, não se lava dinheiro que é seu e estava no banco”, pontuou. E acrescentou: “A complexidade das suspeitas exige serenidade e tempo para que seja realizado um julgamento justo, imparcial e válido”.

 

Assassinato em 1980

O primeiro processo contra João de Deus, registrado em Anápolis — a pouco mais de 50km de Goiânia — foi movido em 1980. À época, o médium foi acusado de ter sido o mandante do assassinato do taxista Delvanir Cardoso Fonseca, de 34 anos. Dois homens atiraram no motorista de táxi. Apenas um deles teve a identificação positiva e acabou julgado e condenado, mas não chegou a ser preso. Durante a investigação, João de Deus, detido como mandante do crime, teve que ser liberado por falta de provas, e o processo contra ele foi arquivado. O depoimento que aponta a relação de João de Deus com o crime é de uma comerciante amiga do taxista. Segundo a declaração dela para a polícia, Delvanir teria se relacionado com a esposa do médium, Tereza Cordeiro Azevedo. Testemunhas ouvidas pelo Correio contam outra versão, que nada tem a ver com traição. Em depoimento, Tereza negou qualquer tipo de relacionamento extraconjugal.