Título: Armas na manga
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Fonte: Correio Braziliense, 24/07/2012, Mundo, p. 16

Pela primeira vez, o regime de Bashar Al-Assad admitiu a posse de armas químicas e biológicas. Não somente isso. Avisou que recorrerá a esse arsenal no caso de uma intervenção militar estrangeira. "Qualquer estoque de armas de destruição em massa ou quaisquer armas não convencionais que a República Árabe Síria possui não seriam nunca, jamais, usadas contra civis ou contra o povo sírio durante esta crise ou em quaisquer circunstâncias, não importa como a crise se desenvolva", declarou Jihad Makdissi, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Síria. A postura evasiva deu lugar à ameaça. "Todos os estoques dessas armas que a República Árabe da Síria possui são monitorados e vigiados pelo Exército sírio. Essas armas serão usadas somente, e estritamente, no caso de uma agressão externa contra a República Árabe da Síria", acrescentou.

Em 1992, a Síria se recusou a assinar a Convenção sobre Armas Químicas. Sob a ditadura de Al-Assad, o país teria construído o quarto maior arsenal químico do mundo, composto de gás sarin, gás mostarda e cianeto (veja o quadro). Para aqueles que estão no front ou na coordenação política contra Damasco, o risco de um ataque químico não pode ser ignorado. "Um regime que massacra crianças e que estupra mulheres também pode usar armas químicas", declarou Abdel Baset Sayda, presidente da coalizão opositora Conselho Nacional Sírio (CNS), à agência de notícias turca Anatolia.

No bairro de Qudsaya, a 12km do centro de Damasco, o guerrilheiro do Exército Sírio Livre (ESL) M. Kassar mantém uma máscara às mãos. "A ameaça desses idiotas de usarem armas químicas é bastante real, como Saddam Hussein fez contra os curdos. A maior parte da população está aterrorizada", afirmou ao Correio, por meio da internet, referindo-se ao massacre perpetrado pelo ex-ditador iraquiano, em 1988 — o bombardeio da cidade de Halabja matou 3,2 mil pessoas. "Nós temos instruído o povo sobre as melhores formas de se proteger e como produzir uma máscara de carbono, uma lata vazia de refrigerante, algodão e garrafa de plástico."

A Casa Branca não escondeu sua preocupação e tornou a advertir Al-Assad. "Considerando o arsenal de armas químicas do regime (sírio), vamos garantir que Al-Assad e seus assessores saibam que o mundo assiste a eles, e que deverão prestar contas perante a comunidade internacional e os EUA, caso cometam o erro trágico de usá-las", admitiu o presidente Barack Obama. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, classificou de "repreensível" a insinuação sobre o uso de armas químicas.

Cautela

Se a comunidade internacional reagiu com pavor ante o perigo de um bombardeio químico, especialistas defenderam a cautela. O israelense Eyal Zisser, professor de história contemporânea da Universidade de Telavive, e o libanês Nadim Shehadi, analista do Instituto Real de Assuntos Internacionais da Chattam House (em Londres), concordam que as declarações de Makdissi não passam de um blefe. "A ameaça (da chancelaria síria) é uma tentativa desesperada de prevenir o Ocidente e a Turquia de interferirem na crise. Os sírios não ousariam usar tais armas, pois isso levaria a uma intervenção estrangeira, o que seria o fim do regime", declarou Zisser, por e-mail. Ele teme que as armas sejam roubadas por exremistas, no caso da queda do regime de Al-Assad.

"As armas químicas são um grande blefe. Não estamos mais na década de 1980, e Damasco não pode mais usá-las", disse Shehadi, por e-mail. Segundo ele, a história foi criada para fazer com que a comunidade internacional se preocupe com a possibilidade de tal arsenal cair em mãos erradas. "A insinuação de que a Síria transferiria essas armas para o Hezbollah (milícia xiita libanesa) também é um velho truque. Por anos, Damasco enganou o mundo, inventando problemas e prometendo resolvê-los", criticou.

Al-Assad rejeitou o pedido da Liga Árabe para que ele renuncie. "Sentimos que a Liga Árabe tenha descido a esse nível", atacou o porta-voz Jihad Makdissi. "Essa decisão só diz respeito aos sírios." Os combates prosseguiam em Damasco e em Aleppo, a capital econômica. De acordo com os Comitês de Coordenação Local, um dos órgãos de oposição a Al-Assad, 175 pessoas morreram ontem, 90 na capital.

Conheça os agentes químicos que fazem parte do arsenal sírio e podem ser inseridos em ogivas de mísseis:

Gás sarin Líquido claro, incolor e insípido, que é inodoro em sua forma pura. Pode evaporar e se espalhar pelo meio ambiente. Os sintomas aparecem segundo após a exposição, na forma gasosa. A gravidade do envenenamento depende da quantidade de sarin ao qual as pessoas foram expostas, ao modo de contaminação e ao tempo em que tiveram contato com a substância.

Sintomas As reações iniciais são coriza, visão borrada, tosse, respiração ofegante, dor de cabeça, dor nos olhos, taquicardia ou desaceleração dos batimentos cardíacos, diarreia, confusão, fraqueza, náusea e vômitos. Doses altas de sarin podem causar perda de consciência, convulsão, paralisia, falência respiratória e morte. Cianeto Pode ser um gás incolor ou um cristal. Em alguns casos, exala um odor característico de amêndoas. A respiração de gás cianeto provoca danos mais extensos — ele previne as células do corpo de obterem oxigênio, levando-as à morte. Por isso, é potencialmente mais nocivo para o cérebro e o coração, pois ambos os órgãos dependem de muito oxigênio.

Sintomas Os mais imediatos aparecem em questão de minutos: respiração ofegante, prostração, tontura, dor de cabeça, náusas, vômito, taquicardia. A exposição de grande quantidade causa convulsões, baixa na pressão sanguínea, queda nos batimentos cardíacos, perda de consciência e falência respiratória. Sobreviventes podem desenvolver sequelas neurológicas similares aos sintomas do mal de Parkinson.

Gás mostarda Também chamado de agente abrasador, causa bolhas sobre a pele e sobre as mucosas expostas. Com odor variável de alho, cebola ou mostarda, pode se apresentar como um vapor, como um líquido de textura oleosa ou como sólido. A contaminação pela forma gasosa se dá por meio do contato com a pele ou com os olhos, ou pela respiração. O vapor pode ser transportado pelo vento a grandes distâncias.

Sintomas Normalmente, a exposição não leva à morte. Os sintomas surgem após entre 2 e 24 horas. A vermelhidão e a coceira na pele surgem até 48 horas depois e podem culminar em bolhas amarelas. Os olhos ficam irritados, doem e lacrimejam. Uma exposição severa pode levar à cegueira. Tosse, dores abdominais, febre, diarreia, náuses e vômito também são reportados.

111 mortos no Iraque

Uma onda de explosões no Iraque matou 111 pessoas e deixou 235 feridos, no dia mais sangrento vivido pelo país em mais de dois anos. A rede Al-Qaeda tinha anunciado atentados para tentar recuperar território. Autoridades indicaram 27 ataques diferentes lançados em 18 cidades, quebrando uma relativa calma propiciada pelo início, no sábado, do mês sagrado muçulmano do Ramadã. O presidente do Parlamento, Osama Al-Nujaifi, e o representante da ONU no país condenaram os atentados, que até o momento não foram reivindicados. O Irã indicou que "o objetivo desses atos terroristas é criar divisões confessionais e ameaçar a segurança, a estabilidade e a independência do Iraque". Por sua vez, os Estados Unidos denunciaram a onda de violência no país e consideraram que os ataques durante o Ramadã foram "covardes" e "censuráveis".

No ataque mais mortífero de ontem — uma série de bombas, um carro-bomba e um ataque suicida visando equipes de resgate na cidade de Taji —, pelo menos 42 pessoas morreram e 40 ficaram feridas, de acordo com duas fontes médicas. "Ouvi explosões a distância; então, saí de casa e vi um carro do lado de fora", disse o morador de Taji de 40 anos Abu Mohammed, acrescentando que os inspetores da polícia concluíram que era um carro-bomba. "Pedimos que os vizinhos deixassem suas casas, mas quando eles estavam saindo a bomba explodiu."

Em Bagdá, por sua vez, um carro-bomba foi detonado em frente ao escritório do governo responsável por emitir documentos de identidade no bastião xiita de Cidade Sadr, um populoso bairro periférico, matando 12 e ferindo 22. "Este ataque é um crime terrível contra a humanidade, porque eles o fizeram durante o Ramadã, quando as pessoas estão jejuando", afirmou uma vítima idosa que não quis se identificar. Duas outras explosões nos bairros Husseiniyah e Yarmuk de Bagdá mataram ao menos quatro pessoas e deixaram 24 feridas, enquanto um carro-bomba na cidade de Tarmiyah, ao norte de Bagdá, feriu nove pessoas, segundo autoridades.

Tiroteios em postos de controle e explosões na província de Diyala fizeram 11 vítimas. Insurgentes também lançaram ataques contra uma base militar perto da cidade de Dhuluiyah, matando 15 soldados iraquianos e deixando dois feridos. Em Kir-kuk (sul) e em Baaj, um carro-bomba, uma explosão e um tiroteio deixaram nove mortos — além de outros ataques em regiões distintas.