O globo, n. 31217, 25/01/2019. País, p. 6

 

Fora do país, Jean Wyllys diz sofrer ameaças e desiste do 3º mandato

João Paulo Saconi

Renato Grandelle

25/01/2019

 

 

Na Câmara desde 2010, deputado só andava em carro blindado e tinha escolta desde o assassinato de Marielle

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) anunciou ontem que não assumirá o novo mandato para o qual foi eleito e que está fora do país, em local não revelado, com medo de ameaças à própria vida que diz ter recebido nos últimos meses.

Jean estava na Câmara desde 2010 e foi reeleito para o terceiro mandato em outubro do ano passado. Desde o assassinato da vereadora Marielle Franco, de quem era colega de partido, ele só andava com carro blindado e estava sob escolta policial.

“Preservar a vida ameaçada é também uma estratégia da luta por dias melhores. Fizemos muito pelo bem comum. E faremos muito mais quando chegar o novo tempo, não importa que façamos por outros meios! Obrigado a todas e todos vocês, de todo coração. Axé!”, escreveu Jean Wyllys numa rede social.

Em entrevista ao GLOBO em novembro, logo após o segundo turno das eleições, o deputado contou que passou a utilizar escolta policial para andar nas ruas por causa das ameaças que recebeu de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. No Congresso, Jean fez oposição intensa ao então também deputado e chegou a cuspir nele, em 2016, após discussão durante a votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) na Câmara.

Ao jornal “Folha de S.Paulo”, Jean afirmou que não pretende informar em qual país irá viver a partir de agora e destacou que a violência contra ele teria sido banalizada nos últimos meses. Parte deste processo é atribuída por Jean à divulgação de notícias falsas, como a de que ele seria o responsável pelo projeto apelidado de “kit gay” ou de que ele teria a intenção de “homossexualizar crianças”.

Nas redes sociais, o deputado disse que a decisão foi baseada em uma questão estratégica e que seguirá atuando a favor da causa LGBT. Pouco após o anúncio, ele apagou a página oficial que mantinha no Facebook, com 1,2 milhão de seguidores.

Quem deve vai assumir a cadeira vaga no Congresso é o suplente, David Miranda (PSOL), que é vereador do Rio de Janeiro desde 2017.

Ao GLOBO, Miranda disse que se surpreendeu com a notícia . Ele não foi comunicado antecipadamente e soube do anúncio da renúncia através da imprensa. Ele disse ainda que considera simbólico o fato de que, a partir de fevereiro, ocupará a vaga de um homossexual. Esse também é o caso dele, que é casado com outro homem há 11 anos.

— Se acham que vão acabar com um LGBT, outro de nós vai assumir —diz.

Repercussão

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), divulgou uma nota ontem na qual disse lamentar a decisão de Jean Wyllys de não tomar posse para o novo mandato. Maia acrescentou, no comunicado, que ninguém pode ameaçar um deputado e “sentir-se impune”.

A posse dos deputados eleitos está marcada para 1º de fevereiro. Jean Wyllys recebeu 24.295 votos na última eleição, em outubro.

“Mesmo estando em posições divergentes no campo das ideias, reconheço a importância do seu mandato”, afirmou Maia na nota.

Para formalizar a desistência, Jean ainda precisa apresentar uma carta de renúncia ao mandato o que, segundo o Jornal Nacional, ainda não havia feito até ontem à noite.

Em entrevista à rádio CBN, Marcelo Freixo, deputado federal eleito pelo PSOL-RJ, afirmou que a decisão de Jean Wyllys não é pessoal, mas uma “questão social e política grave”.

O político associou episódios de intolerância e violência no país à “vitória da extrema-direita” e disse que as ameaças que ele próprio sofreu devido ao combate às milícias do Rio de Janeiro são de natureza diferente das sofridas por Jean Wyllys, que seriam crimes de ódio.

O PT divulgou uma nota na qual disse lamentar a decisão de Jean Wyllys porque o deputado do PSOL se tornou uma “referência” no Brasil e no exterior.

Polêmica

Enquanto o anúncio da renúncia ao mandato do deputado Jean Wyllys dominava as redes sociais, duas publicações do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho Carlos foram interpretadas como uma ironia sobre a decisão do psolista.

O perfil do presidente publicou “grande dia”, seguindo de um sinal de positivo, às 16h16. Dois minutos depois, Carlos escreveu: “vá com Deus e seja feliz”, seguido também do sinal de positivo.

As publicações geraram imediata reação. Em novas mensagens, Carlos e o próprio Bolsonaro criticaram os que interpretaram as publicações como ironia e negaram que que estivessem se referindo a Jean Wyllys. O Palácio do Planalto não quis se manifestar sobre a decisão do parlamentar.

Amigos de Jean disseram à reportagem que estavam com dificuldade para entrar em contato com ele nos últimos meses. O parlamentar teria, inclusive, mudado o número de telefone.

A decisão do deputado de não assumir um novo mandato dividiu lideranças da comunidade LGBT. Embora reconheçam que o parlamentar deve zelar por sua vida, setores da militância acreditam que Jean deveria refletir mais antes de se retirar do Legislativo.

Presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Harrad Reis avalia que o anúncio de Jean deixa o movimento “órfão de uma liderança”.

— É uma decisão drástica, mas apoio, ele está cuidando da vida dele —diz. —Vivemos uma época amedrontadora. Estamos fazendo uma lista de outras pessoas que se sentem ameaçadas para ver como podemos ajudá-las. Se aumentar a violência contra nossa comunidade, não descarto deixar o país.

Fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott condena a decisão de Jean Wyllys e o modo como o deputado atua na Câmara.

—Foi uma decisão lastimável, precipitada. Decepcionou milhões de LGBTs e simpatizantes que esperavam que fosse porta-voz da equiparação da homofobia ao crime de racismo.(Com informações do G1 e da CBN).

“Preservar a vida ameaçada é também uma estratégia da luta por dias melhores”

Jean Wyllys, deputado reeleito pelo PSOL, ao justificar a decisão de abrir mão do novo mandato