O globo, n. 31125, 23/01/2019. Economia, p. 19

 

Fala concisa

Vivian Oswald

João Sorima Neto

23/01/2019

 

 

Discurso promete reformas e abertura comercial

No Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, o presidente Jair Bolsonaro fez seu primeiro pronunciamento para uma plateia internacional. Em um discurso de seis minutos, ele prometeu promover a abertura comercial do Brasil, levar adiante as reformas e facilitar o ambiente de negócios, com medidas como corte de impostos e privatizações. O plenário estava quase cheio e, após o discurso, os presentes aplaudiram, mas não houve entusiasmo. Alguns especialistas apontaram a falta de detalhes em seu programa econômico, particularmente em relação à Previdência, mas outros consideraram o discurso pragmático, já que o próprio Bolsonaro tem afirmado que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é quem vai discutir detalhes com executivos e investidores.

— Vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas, facilitando a vida de quem deseja produzir, empreender, investir e gerar empregos. Trabalharemos pela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas. O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional, e mudar essa condição é um dos maiores compromissos deste governo — afirmou Bolsonaro, acrescentando que, até o fim de seu mandato, o Brasil estará no ranking dos 50 melhores países para fazer negócios.

O presidente citou ainda como trunfo a presença do ministro da Justiça, Sérgio Moro, para mostrar o compromisso do novo governo em combater a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Bolsonaro foi o primeiro líder latino-americano a discursar na sessão de abertura do encontro. Ao apresentálo, o fundador do Fórum, Klaus Schwab, destacou que o Brasil é a oitava maior economia mundial e tem a sexta maior população do planeta.

Depois do discurso, Bolsonaro respondeu a algumas perguntas de Schwab. Era possível ver que o presidente brasileiro tinha fichas em suas mãos enquanto falava. Segundo o jornal britânico Financial Times, a primeira aparição internacional de Bolsonaro foi “cuidadosamente controlada”.

Schwab perguntou quais serão as medidas do novo governo. Bolsonaro respondeu que pretende diminuir o tamanho do Estado e levar adiante as reformas da Previdência e tributária. Disse ainda que iria retirar “o viés ideológico do nosso comércio” e fazer negócios “com aqueles que têm práticas semelhantes às nossas”.

Para quem quer fazer negócios com o Brasil, o discurso bastou para ter a certeza de que a agenda econômica liberal de Guedes tem a chancela do presidente. E era isso o que o mercado queria ouvir, ainda que alguns sentissem falta de mais detalhes.

— Foi um pouco frustrante porque não havia muitos detalhes sobre o que pretende fazer, mas certamente os objetivos amplos foram muito estimulantes — afirmou o economista-chefe da consultoria IHS-Markit, Narima Behravesh.

Nobel: 'Ele me dá medo'

Para alguns especialistas ouvidos pelo GLOBO no plenário do Fórum, o discurso de Bolsonar o foi oque esperavam.

— Os detalhes do que pretende fazer e o timing de reformas têm de ser anunciados no Brasil —disseram representantes de instituições financeiras brasileiras.

Para o jornalista de uma rede de TV dos Estados Unidos, que acompanha Davos há oito anos, Bolsonaro “passou na prova” da estreia em Davos. A avaliação é que, se tentasse fazer um discurso marcante, poderia errar.

Mas o presidente brasileiro não deixou uma boa impressão no economista Robert Shiller, vencedor do Prêmio Nobel em 2013:

— Ele me dá medo — afirmou Shiller ao Valor. — O Brasil é um grande país e merece alguém melhor.

Já a representante de uma empresa alemã de energia, que também preferiu não se identificar, afirmou que o presidente não trouxe nada de novo. Ela queria respostas sobre as reformas e o compromisso do Brasil de crescer respeitando o meio ambiente.

Para o economista Sergio Vale, da MB Associados, o discurso “foi um convite ao investimento estrangeiro”:

—No geral, é tudo o que os investidores gostariam de ouvir, mas sem o detalhamento desejado em algumas partes, como no caso da Previdência — disse Vale, que considerou positiva a estreia de Bolsonaro em Davos.

O economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola também considerou o discurso positivo:

— De fato, não fazia sentido dar detalhes da reforma da Previdência a uma plateia em Davos.

Fora do hábitat

Para o operador de Bolsa da corretora Renascença, Luis Roberto Monteiro, o mercado não esperava mesmo ouvir detalhes sobre a reforma das aposentadorias:

—A expectativa fica para a apresentação dos detalhes da reforma da Previdência ao Congresso.

Já para o cientista político da consultoria Tendências, Rafael Cortez, o discurso foi pouco ambicioso.

— Faltaram referências históricas, um discurso mais forte, mais profundo, com destaque de pontos importantes da agenda do governo. Faltou fazer uma análise da conjuntura econômica, que após a eleição de Bolsonaro está mais positiva, com a valorização de ativos brasileiros. Isso poderia ter trazido mais impacto ao discurso —afirmou.

Cortez avalia que essa falta de profundidade nos temas econômicos possa ser explicada pela falta de familiaridade do presidente com assuntos como a Revolução Industrial 4.0, tema do Fórum:

— Aquele não é o hábitat natural do presidente. Talvez por isso o discurso não tenha sido mais ambicioso.

*Enviada especial Colaborou Daniel Rittner, do Valor

A mensagem do Presidente

“Honrando o compromisso de campanha, não aceitando ingerências político-partidárias que, no passado, apenas geraram ineficiência do Estado e corrupção. (...) Aqui entre nós, meu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o homem certo para o combate à corrupção e o combate à lavagem de dinheiro”

Durante a campanha, Bolsonaro apontou a corrupção como uma das principais causas da recente crise que o país atravessou.

“Gozamos de credibilidade para fazer as reformas de que precisamos e que o mundo espera de nós”

O presidente mostra que está empenhado com a reforma da Previdência e confiante em sua aprovação no Congresso.

“Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós. (...) Nossa missão agora é avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis”

Uma resposta às desconfianças internacionais em relação à política do governo para a preservação ambiental.

“Vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas, facilitando a vida de quem deseja produzir, empreender, investir e gerar empregos”

Aceno para atrair investidores estrangeiros, pois o Brasil ainda é visto como pouco amigável a negócios, ocupando a 109ª posição no ranking de competitividade do Banco Mundial.

“Trabalharemos pela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas”

Compromisso com a agenda liberal, em contraponto a declarações nacionalistas dadas pelo presidente no passado.

“O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional, e mudar essa condição é um dos maiores compromissos deste governo”

Promessa de abertura comercial representa mudança em relação ao alinhamento com a postura protecionista adotada pelo governo de Donald Trump.

“Buscaremos integrar o Brasil ao mundo também por meio de uma defesa ativa da reforma da OMC, com a finalidade de eliminar práticas desleais de comércio e garantir segurança jurídica das trocas comerciais internacionais”

Sinal de distanciamento do discurso antiglobalista que vinha sendo adotado por alguns integrantes do governo.