O globo, n. 31125, 23/01/2019. Rio, p. 11

 

Caçada à máfia de Rio das Pedras

Chico Otavio

Vera Araújo

23/01/2019

 

 

Operação, com 63 mandados, prende cinco em investigação que envolve o caso Marielle

Com 63 mandados de prisão e de busca e apreensão, o Ministério Público estadual e a Polícia Civil deflagraram, na madrugada de ontem, a Operação Os Intocáveis, com o objetivo de desarticulara milícia de R iodas Pedras, na Zona Oeste, umadas maiores e mais perigosas da cidade. Às 6h, quando entrou na casa do major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, apontado como o segundo nome na hierarquia da quadrilha, a promotora Letícia Emili Alqueres Petriz lhe fez, de imediato, uma pergunta :“Oque você tema dizer sobre o assassinato de Marielle?”. Quem assistiu à cena dentro de um imóvel no bairro de Curicica contou que o oficial, de 42 anos, ficou mudo, “parecia uma pedra”.

Agora, a aposta é fazer Ronald falar. Cumprindo prisão preventiva e pressionado por ser réu em um júri popular marcado para abril (no qual responderá pelo assassinato de quatro jovens), ele, de acordo com os promotores, pode receber o benefício da delação premiada. Para isso, precisa ajudar a polícia esclarecer alguns crimes. Entre eles, o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março do ano passado.

Grilagem e homicídios

A milícia de Rio das Pedras, que também atua em outras comunidades da Zona Oeste, como a Muzema, é acusada de explorar um mercado imobiliário clandestino, de cobrar taxadesegurança—chamada por seus integrantes de “eu te protejo de mim mesmo” — e de praticar homicídios, sequestros e torturas. Ronald, segundo investigadores, é integrante da quadrilha e também faz parte do chamado Escritório do Crime. Trata-se de um grupo de matadores profissionais suspeito de envolvimento em várias execuções, conforme revelou O GLOBO em agosto do ano passado. O “número um” da organização, Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), conseguiu escapar.

Ronald e Adriano já prestaram depoimentos na Delegacia de Homicídios da Capital sobre o assassinato de Marielle e Anderson, na condição de testemunhas. Apesar disso, a especializada não participou da Operação Os Intocáveis.

A Justiça expediu 13 mandados de prisão, e cinco foram cumpridos ontem. Na casa do major, foram apreendidos, além de pistola registrada na PM, nove celulares. Ele morava com amulhere cinco filhos, mas, segundo investigadores, usava três telefones, incluindo dois“buchas”—aparelhos que não ficam no nome do proprietário para dificultar o rastreamento de ligações.

Ao ser preso, Ronald também foi questionado sobre Adriano, a quem disse conhecer de vista, e sobre Manoel de Brito Batista, o Cabelo, outro detido durante a operação. C abel oéa pontado como contador da milícia de R iodas Pedras. O major negou conhecê lo, mas, em um dese us celulares,há 472 ligações para ele, de acordo com um levantamento feito pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público.

Coordenadora do Gaeco, a promotora Simone Sibilio disse que interceptações telefônicas revelam métodos violentos empregados pela milícia de Rio das Pedras:

— Diante de um estacionamento não autorizado por eles (milicianos), o braço armado do grupo fura pneus, reboca (veículos) e atei afogo. E se uma pessoa não paga aluguel, mandam fechar o apartamento, ninguém mais entra.

Os denunciados na Operação Os Intocáveis vão responder pelo homicídio de Júlio de Araújo, em Rio das Pedras, e por organização criminosa armada. Outros dois assassinatos na comunidade são atribuídos a Geraldo Alves Mascarenhas, homem de confiança de Maurício Silvada Costa, o Maurição, acusado de ser um dos chefes da quadrilha. Geraldoé suspeito de participação na morte deWil iam SilvaJhonnatanP alheta, em 16 de setembro do ano passado, e de Alan Caetano dos Santos Batista, um mês depois. Wiliam foi morto quando fechava sua loja. Já Alan Caetano, acusado de pequenos delitos na região, levou vários tiros no bairro do Anil.

Em nota, a Anistia Internacional elogiou o trabalho do Ministério Público, mas destacou que, em relação ao assassinato de Mariellee Anderson, “o único resultado aceitável como solução do caso é aquele que seja baseado em evidências concretas”.

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Celular e trajeto feito pelos assassinos ligam grupo à morte de vereadora

23/01/2019

 

 

Uma das organizações criminosas mais temidas do Rio, o Escritório do Crime pode estar por trás do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O crime, com sinais de que foi cuidadosamente planejado e executado de forma profissional, teria sido encomendado ao grupo de matadores de aluguel, integrado por policiais da ativa e da reserva. Eles prestariam serviços para o crime organizado, inclusive para a contravenção. A ligação desses policiais com o meio político, que, desde os anos 1990, é alcançado pelos braços da milícia, também está no escopo das investigações do Ministério Público estadual e da Polícia Civil.

Segundo investigações, sinais de um celular “bucha” de Ronald — comprado em nome de terceiros, para o verdadeiro dono não ser identificado —foi captado por antenas transmissoras perto do local do crime, no Estácio, dias antes da morte da vereadora e do motorista.

Câmeras da prefeitura flagraram o carro dos assassinos passando pela Estrada do Itanhangá, perto de Rio das Pedras, área da milícia investigada, antes de chegar à Lapa, onde os criminosos ficaram à espera da vereadora, que participava de um evento.

As investigações sobre a execução se aproximavam do Escritório do Crime à medida que avançavam rumo a grupos paramilitares da Zona Oeste. A polícia acredita que Marielle, cujos assessores participaram de reuniões sobre regularização fundiária na região, poderia estar contrariando interesses da milícia, que, além de cobrar taxas de segurança e serviços como gatonet, obtém lucros milionários explorando o mercado imobiliário clandestino.

A apuração da polícia ainda envolve o miliciano Orlando de Curicica. Preso, ele nega participação no crime e acusa a Divisão de Homicídios de pressionado para tentar obter uma confissão.