O globo, n. 31214, 22/01/2019. País, p. 7

 

Decreto das armas pode aumentar arsenal do crime

Bruno Abbud

22/01/2019

 

 

CPI que investigou o comércio ilegal de material bélico já mostrou que 86% das armas encontradas com bandidos foram adquiridas dentro dos requerimentos legais e, posteriormente, desviadas para delitos

O provável aumento da circulação de armas de fogo nas mãos de cidadãos comuns, resultado possível do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 15 que flexibilizou a posse, pode incrementar o arsenal do crime. Ao menos é isso que afirmam especialistas que analisam a segurança pública.

Estudos mostram que boa parte das armas em poder de criminosos tem origem legal. Finalizada em novembro de 2006, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o comércio ilegal de material bélico no Congresso Nacional mostrou que 86% das armas encontradas com bandidos foram adquiridas legalmente e posteriormente desviadas para o crime.

Dado atual

Para o ex-comandante da PM no Rio, coronel Ubiratan Ângelo, que também é pesquisador da ONG Viva Rio, esse dado continua atual:

—O decreto pode facilitar a ida das armas para as mãos de bandidos, porque o criminoso vai onde a coruja dorme. Se aumenta a comercialização de armas, aumenta também a ambição dos bandidos, que buscam casas de quem tem armas, além de estoques de armas das polícias e de empresas de segurança privada.

Segundo o especialista, a maior parte das armas apreendidas que têm origem legal é de pequeno porte, como revólveres e pistolas.

—Fuzis têm origem ilegal. A maioria das armas apreendidas é de revólveres legais.

Ângelo também ressalta que, em muitas das 134 mortes de policiais do Rio em 2017, os assassinos levaram a arma da vítima:

— Essa arma foi para o crime. O policial, que é treinado, entrou nessa estatística. Imagine o cidadão comum.

A CPI que investigou o tráfico de armas também constatou que de um lote de 10.549 armas apreendidas no Rio de Janeiro entre 1998 e 2003, 74% haviam sido compradas por pessoas físicas legalmente e 25% por empresas de segurança privada.

Analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Guaracy Mingardi alerta para o fato de que mortes violentas no Brasil ocorrem principalmente por armas de pequeno porte.

— A maior parte dos homicídios é por calibre 38, 380. Não é fuzil nem metralhadora. É uma arma que alguém comprou há 10, 20 anos e que acabou caindo na mão do criminoso porque foi roubada ou desviada.

Já foram legais

Segundo ele, armas usadas em homicídios e crimes comuns no país foram, em algum momento, armas legais. Esse movimento, da legalidade para o crime, pode ser facilitado pelo decreto assinado por Bolsonaro, diz Mingardi.

— Aos poucos isso vai acontecer. Não será amanhã, mas daqui a cinco, dez anos. Uma boa parte vai acabar caindo nas mãos de criminosos. O próprio Bolsonaro teve uma arma roubada no passado — diz ele, acrescentando:

O jurista Wálter Maierovitch, especialista em criminalidade transnacional, afirma que o decreto assinado por Bolsonaro pode levar mais armas às mãos do crime.

— É lógico que pode (facilitar armas nas mãos de bandidos). Vai colocar mais armas no mercado e vai dar mais facilidade de ter subtração de armas. Imagine alguém que pode ter até quatro armas. Agora imagine dez casas, dez moradores e quatro armas para cada um. Seria um arrastão de armas. O governo faz de conta que essas armas não vão gerar violência, mas vão.