O globo, n. 31223, 31/01/2019. Economia, p. 15

 

O impacto da tragédia

Bruno Rosa

Daiane Costa

Ramona Ordoñez

31/01/2019

 

 

Produção menor da Vale afetará desempenho da economia, preço do minério e siderúrgicas

A tragédia em Brumadinho, como rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão, em Minas Gerais, deverá ter impacto negativo na economia brasileira e repercussão nos preços no mercado internacional. A decisão da Vale de fechar 19 barragens com técnica amontante, ames made Brumadinho, o que significa suspendera produção no local, vai reduzira produção em 40 milhões de toneladas. Os desdobramentos docas o devem afetara arrecadação de municípios e do estado de Minas, o desempenho da indústria extrativa, elevar preços do minério de ferro no mercado internacional, aumentar custos da siderurgia global e impactara competitividade da própria Vale, a maior produtora global de minério de ferro.

A quedana produção da Vale afetará em cheio Minas Gerais, que atravessa grave crise fiscal. A suspensão das operações nas barragens vai resultar em queda de 30% na arrecadação de tributos estaduais do setor de mineração, segundo a Secretaria de Estado de Fazenda de Minas. O impacto anual deve ficar em torno de R$ 220 milhões. O estado também deve ter queda de R $79 milhões em royalties da mineração. O cálculo não leva em consideração os impactos indiretos da crise da mineradora no estado.

— Essa paralisação vai prejudicar Minas Gerais, em crise fiscal. E não é só por causa da arrecadação menor, mas por toda a cadeia produtiva que está no entorno da produção de minério de ferro. O estado vai precisar de socorro, assim como os municípios dependentes — explicou Cláudio Frischtak, economista da Inter.B Consultoria.

'Queremos negociar'

O anúncio da Vale também preocupa municípios mineiros que serão diretamente afetados pelo descomissionamento das 19 barragens. Brumadinho, Itabirito, Nova Lima, Congonhas e Ouro Preto temem ficar sem receber os royalties pela exploração da atividade, diz Waldir Salvador, consultor de Assuntos Institucionais da Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig). Do total arrecadado com royalties de minério de ferro, 75% são divididos entre os municípios, 15% ficam com o estado e 10% com a União. Juntas, essas cinco cidades receberam, em 2018, R$ 345 milhões, segundo dados da Amig. Segundo o IBGE, 35 cidades no país, das quais 15 ficam em Minas, são economicamente dependentes da atividade minerária.

—Onde há mineração, a diversificação da atividade econômica é dificílima porque tudo passa a se desenvolver para servi-la. Não vamos aceitar ficar sem receber. Todas as cidades fazem seu orçamento anual contando com isso. Queremos negociar — diz Salvador, que vai a Brasília na próxima semana para buscar informações sobre o pagamento de royalties junto ao Ministério de Minas e Energia eà Agência Nacional de Mineração.

Preço do minério em alta

Os efeitos não se restringem a questões fiscais. Analistas já preveem impacto negativo nas receitas da mineradora. A XP prevê recuo no faturamento entre US$ 3 bilhões e US$ 3,5 bilhões por ano. A Vale ontem anunciou que vai adiar a divulgação dos resultados do quarto trimestre para o dia 27 de março.

Segundo Felipe Beraldi, especialista em mineração da consultoria Tendências, a redução na atividade da Vale vai se refletir na queda da produção da indústria extrativa, que representa 11% do resultado geral da indústria. De janeiro a novembro do ano passado, o setor acumulava alta de 0,9%. Em Minas, o setor representa um quarto da economia.

— A mineração terá impacto negativo no setor em 2019. É difícil repor 40 milhões de toneladas no curto prazo—destacou ele.

A tragédia envolvendo a Vale fez bancos e consultorias reavaliarem o preço do minério para 2019. Ontem, o preço da commodity fechou em alta de 3,92%, para US $88,44 por tonelada. A Tendências elevou a expectativa de cotação, por tonelada, para o fim do ano de US$ 60 para uma faixa entre US$ 65 e US$ 70. O Goldman também aumentou as previsões para os próximos 12 meses de US$ 60 para US$ 65. Acurto prazo, par aos próximos três meses, o preços ubiu de US $70 para US $80.

—O preço maior do minério vai elevar o custo para as siderúrgicas não só no Brasil como em todo o mundo —afirmou Beraldi.

Como o minério é um dos principais produtos de exportação da balança comercial brasileira, a Vale deve deixar de exportar US$ 2 bilhões por ano, durante o período dedes comissionamento das barragens, segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro:

— Não é bom para o Brasil porque já temos previsão de um superávit comercial menor esse ano, devido ao risco de quebra de safra da soja e desaquecimento da demanda global. Com esse movimento da Vale, o resultado deve ser menor ainda.

Além disso, analistas apontam o risco de a Vale perder o posto de maior exportadora global de minério de ferro, uma vez que um salto nos preços da commodity após o desastre poderia levar compradores a buscar rivais, como Rio Tinto e BHP, em busca de minério mais barato.

— Podem surgir outras ações coletivas além das duas já protocoladas, nos EUA, e um endurecimento do marco regulatório da mineração. Isso tem potencial para aumentar o custo da extração de minério para todo o setor —disse Alvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Modalmais.

Já o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo, minimizou os efeitos da redução na produção da Vale. Para ele, as empresas siderúrgicas se verticalizaram e passaram a ter suas próprias minas.

Procurada, a Vale não comentou se vai continuar pagando royalties a outras cidades afetadas, além de Brumadinho, para a qual a companhia já anunciou que continuará a pagar.

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Ações da mineradora saltam 9%. Acionistas vão à CVM

Gabriel Martins

Ana Paula Ribeiro

31/01/2019

 

 

Alta dos papéis puxa Bolsa de SP. Minério de ferro sobe 3,9%, a US$ 88,44

As ações da Vale conseguiram recuperar parte das perdas registradas logo após o rompimento da barragem de Brumadinho, apesar de um grupo de acionistas ter questionado a empresa junto ao órgão regulador dos mercados. Os papéis da mineradora saltaram 9,03%, a R$ 46,60. O desempenho contribuiu para que o Ibovespa, principal índice do mercado acionário local, fechasse em alta de 1,42%, aos 96.996 pontos.

O que ajudou as ações da Vale foi o anúncio de que a mineradora vai paralisar todas as dez barragens de rejeitos que seguem o mesmo modelo adotado em Brumadinho e Mariana. Isso fez a cotação do minério de ferro, negociado na China, subir 3,92%, para US$ 88,44.

—Quando a maior mineradora do mundo paralisa todas as barragens a montante, acaba forçando as concorrentes a tomarem medidas similares. As outras empresas provavelmente terão de acompanhar. Caso contrário, podem perder espaço no mercado —disse Raphael Figueredo, analista da Eleven Financial, ressaltando que isso reduz o risco de novos desastres ambientais.

Um grupo de acionistas da Vale pediu à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a abertura de inquérito administrativo para investigar se a mineradora “tem omitido informações acerca dos riscos socioambientais de seus empreendimentos no Pará, Maranhão e Minas Gerais”. O pedido, protocolado na terça-feira, afirma que isso poderia configurar manipulação artificial dos preços das ações da mineradora, “incidindo em prática não equitativa no mercado”.

A CVM confirmou o recebimento da reclamação e informou que esta será avaliada internamente. A própria autarquia já abriu dois processos: um para analisar a conduta da mineradora, e outro, a de seus executivos.

Outras empresas do setor se beneficiaram da alta das ações da Vale. Os papéis da CSN avançaram 3,39%, e os da Usiminas, 2,06%. A Bradespar, uma das principais acionistas da Vale, subiu 7,89%.

— A mudança da Vale não irá ocorrer de um dia para o outro. É um processo caro, que será feito a olongo dos três anos e terá impacto na produção, o que mexeu com os preços do minério de ferro. Essa altano minério deve continuara médio prazo—disse Rafael Panonko,an alista-chefe da Toro Investimentos.

Apesar da forte valorização de ontem, a ação da Vale ainda está 17% abaixo da cotação registrada em 24 de janeiro, véspera da tragédia.

No mercado de câmbio, o dólar comercial terminou praticamente estável, aR $3,724, pequena valorização de 0,05%. O movimento foi na contramão do exterior: depois de o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que manteve a taxa básica de juros dos EUA na faixa de 2,25% a 2,50%, o Dol lar Index teve queda de 0,5%. O presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que será “paciente” com as próximas elevações.