O globo, n. 31164, 03/12/2018. País, p. 4

 

Menos poder aos conselhos

Jussara Soares

Renata Mariz

03/12/2018

 

 

A equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), estuda-limitar a atuação dos conselhos nacionais de políticas públicas, como os de Saúde e Meio Ambiente. A avaliação é que os colegiados, formados por membros da sociedade civil e do governo em igual número e vistos como resquícios das administrações do PT, serão entraves à implementação de bandeiras defendidas durante a campanha eleitoral, como o Escola Sem Partido e a flexibilização de normas ambientais.

O objetivo é renovar os grupos com conselheiros alinhados às ideias de Bolsonaro. Três integrantes do governo de transição confirmaram ao GLOBO a vontade de esvaziar os conselhos, na opinião deles, instrumentos burocráticos que atrasam decisões. A intenção já causa reação das entidades, que preparam um documento para a equipe, numa tentativa de aproximação.

Os conselhos nacionais, criados por lei ou decreto, atuam na elaboração e fiscalização de políticas públicas. Atualmente há cerca de 40. Os mais fortes têm como missão aprovar orçamentos, apurar denúncias e até editar normas com força de lei — caso das resoluções baixadas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). A maior parte foi criada na década de 1990, antes do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Somos o contraditório”

Embora os cargos não sejam remunerados, os integrantes têm passagens e hospedagem custeadas para as reuniões, organizadas em média a cada três meses. Em uma política de corte de gastos, a despesa pode ser encarada como desperdício pelo novo governo.

Segundo um integrante da equipe de transição, a reestruturação dos conselhos estaria nas mãos do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), futuro chefe da Casa Civil, defensor de que estes tenham quadros “técnicos”. Bolsonaro e seus assessores julgam que os grupos estão “aparelhados pela esquerda” e analisam temas à luz de “visões ideológicas”.

Cientes do risco de serem atingidos, 12 conselhos nacionais se reuniram semana passada em Brasília e elaboraram uma carta destinada ao grupo de transição. O documento, que passa por revisão, pretende desmistificar a ideia de que os colegiados são“obstáculos”, explica Norma Carvalho, presidente do Conselho Nacional de Assistência Social:

—Esperamos encontrar um caminho para não chegarmos ao extremo de haver fechamentos de conselhos. Existe uma preocupação com a visão que o novo governo expressa sobre nós, de que somos obstáculos, quando na verdade somos o contraditório, que é extremamente saudável na construção dos processos para atingir as demandas sociais.

Presidente do diretório paulista do PSL, o deputado federal e senador eleito Major Olímpio afirma que não deverá haver mudança brusca nos conselhos, apenas alteração no fim regular dos mandatos.

— É natural que aconteça uma mudança, com nomes mais alinhados ao novo governo. Não há dúvidas de que os conselhos hoje são partidarizados —disse.

Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e estudioso do tema, Igor Ferraz da Fonseca acredita que será difícil acabar com os conselhos, sobretudo os criados por lei e mais atuantes. O da Saúde, instituído na década de 1930, é um exemplo. Com 48 titulares, tem eleição para escolha dos membros da sociedade civil e até para presidente, cargo antes reservado ao ministro da Saúde.

Por outro lado, conselhos ligados a minorias, como o da comunidade LGBT e o de Igualdade Racial, podem ser mais atingidos. Além de muitos terem sido criados por decreto, representam setores da sociedade contrários ao novo governo e que estão fora da agenda de Bolsonaro.

— Acho complicado acabar com os conselhos, que têm atribuições legais, mas o novo governo pode lhes dar menos importância política para enfraquecê-los — diz Fonseca. —Existe um desconhecimento mútuo: do novo governo e de parte dos conselhos, que terão que aprender a dialogar.

Educação é área sensível

Alguns conselhos têm regras de nomeação mais favoráveis ao governo. No caso da Educação, em que Bolsonaro pretende implantar medidas conservadoras, quem nomeia todos os integrantes é o presidente da República. No início do governo Temer, o ex-ministro da Educação, Mendonça Filho( D EM ), revogou a nomeação de 12 titulares do Conselho Nacional de Educação (CNE) indicados pela ex-presidente Dilma Rousseff dias antes de deixar o cargo.

Temas caros à agenda de Bolsonaro —como diretrizes para ensino religioso, orientação sexual e identidade de gênero — estão a cargo do CNE. A entidade elabora ainda a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) é outro alvo de interesse do novo governo. O órgão elabora o texto de indulto a presos encaminhado todo fim de ano como sugestão ao presidente. Eé visto como empecilho em pautas como fixação dos padrões mínimos para construção de presídios.

O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) também é área sensível. Alguns conselheiros são favoráveis à descriminalização do uso de entorpecentes, mas o presidente eleito é contra. Visões opostas já criaram tensão no governo Temer.

Ao assumir como ministro do Desenvolvimento Social, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), que será titular da pastada Cidadania no governo Bolsonaro, tirou do Conad o indicado de seu ministério, alegando que ele era favorável à legalização das drogas, e ocupou o posto. Como conselheiro, aprovou uma nova política sobre drogas, com foco na abstinência. Ele já disse que a área de tratamento de dependentes químicos será ligada à sua pasta no novo governo.