O globo, n. 31169, 08/12/2018. Economia, p. 19

 

O preço de fatiar

Geralda Doca

08/12/2018

 

 

Apenas com idade mínima, economia com reforma seria de só R$ 20 bi em cinco anos

Caso o novo governo decida fatiar a reforma da Previdência e consiga aprovar somente a fixação de uma idade mínima para aposentadoria, a redução nos gastos públicos será de apenas R$ 20 bilhões em cinco anos. A cifra é muito inferior à economia total de R$ 80 bilhões prevista para o mesmo período com uma mudança mais abrangente — que mexa na regra de cálculo dos benefícios e das pensões. Esses números foram repassados à equipe de transição e calculados com base na última versão da proposta de reforma do presidente Michel Temer, que está no Congresso.

Os técnicos que trabalham na proposta do presidente eleito Jair Bolsonaro estudam aproveitar algumas das medidas apresentadas pelo atual governo na hora de mudar o regime de aposentadorias no país. Eles, no entanto, defendem uma ideia diferente em relação a estados e municípios. Querem que, depois de aprovada pelo Congresso, a reforma seja aplicada automaticamente por governadores e prefeitos. No caso de Temer, o projeto dá um prazo de seis meses para que os governos regionais façam reformas próprias na Previdência. Se isso não ocorrer, valem as regras do governo federal.

A proposta de Temer fixa idade mínima de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) a serem atingidas num prazo de 20 anos. No setor privado, a idade mínima inicial hoje é definida em 55 anos (homem) e 53 anos (mulher). Com a reforma, ela subiria gradualmente. Já no setor público, a idade mínima subiria dos atuais 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), considerando também uma escada.

Distorções do sistema

Pelo texto aprovado na comissão especial que tratou da reforma de Temer, as idades começariam a subir a partir de 2020. Dessa forma, em 2024, a idade mínima estaria em 56 anos (mulher) e 58 anos (homem), no INSS, e em 58 anos (mulher) e 63 anos (homem), no setor público. Além da idade mínima, os trabalhadores teriam que pagar pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição que falta para a aposentadoria para poderem ter acesso ao benefício.

Segundo especialistas, só fixar idade mínima com uma regra de transição não resolve o problema da Previdência. Isso teria potencial apenas de fazer com que as pessoas adiassem a aposentadoria, resultando numa redução pontual nas despesas. Eles lembram que, ao se aposentar mais tarde, o trabalhador consegue receber um benefício maior. Por isso, também é fundamental alterar a fórmula de cálculo do benefício e estabelecer um mesmo teto (de aposentadoria) para todos os trabalhadores. No INSS, o limite está em R$ 5.645, enquanto que no serviço público pode chegar a R$ 39,2 mil (novo salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal).

— É preciso atacar o problema de forma mais ampla, porque há muitas distorções no sistema. Temos uma das taxas de reposição (diferença entre o último salário na ativa e o valor da aposentadoria) mais altas do mundo. Na Europa, essa taxa fica entre 40% e 50% — comenta Rogério Nagamine, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O valor da aposentadoria dos brasileiros depende da faixa salarial e das contribuições feitas ao sistema. Atualmente, em média, a taxa de reposição está entre 70% e 80%, chegando a 100% no caso do salário mínimo. Pela proposta de Temer, para receber o teto seria necessário ter 40 anos de contribuição.

Segundo interlocutores do grupo de transição, a proposta de reforma de Jair Bolsonaro ainda está em aberto. O presidente eleito não discutiu detalhadamente os itens com seus auxiliares. Os técnicos defendem a inclusão de pontos como mudança no valor da pensão, que hoje é integral, e limite para o acúmulo com a aposentadora, além da mudança na forma de cálculo do benefício.

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Mesmo com aprovação em 2019, governo estoura teto

Marcello Corrêa

08/12/2018

 

 

Ministério da Fazenda defende outros ajustes além da Previdência, como restrição no abono

A reforma da Previdência não será suficiente para que o futuro governo cumpra o teto de gastos até o fim do mandato. Segundo estudo divulgado ontem pelo Ministério da Fazenda, mesmo se aprovar a medida no ano que vem, o país ainda chegará a 2022 precisando fazer um ajuste de R$ 62 bilhões para cumprir o teto de gastos.

Segundo o relatório, para garantir um Orçamento mais equilibrado nos próximos anos, a equipe do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, precisaria fazer reformas mais amplas. Nas contas da Fazenda, o próximo governo teria de fazer também ajustes nas despesas com servidores na ativa, rever a regra de reajuste do salário mínimo e restringir o acesso ao abono salarial. Só com todas essas medidas combinadas seria possível cumprir o limite.

Para o abono salarial, por exemplo, a sugestão é manter o benefício só para quem ganha até um salário mínimo. Hoje, tem direito quem ganha até dois pisos. Em relação ao reajuste do mínimo, a ideia é substituir a regra atual, que garante correção real, por um mecanismo que reponha apenas a inflação. A equipe defende ainda a realização de concursos só para repor vacância, mantendo apenas aqueles para os quais há previsão legal.

A regra do teto prevê que as despesas do governo não podem superar a inflação do ano anterior. Se um gasto cresce muito, precisa ser compensado por corte em outra área. O problema é que 90% do Orçamento é de gastos obrigatórios. Cada vez que eles sobem, obrigam o governo a destinar menos recursos para outros programas e para investir.

As despesas não obrigatórias estão hoje em R$ 122 bilhões, e a Fazenda avalia que é difícil cortar mais sem interromper o funcionamento do Estado. Por isso, prevê que, nos próximos anos, em vez de cortar mais investimentos e custeio, o governo acabará estourando o teto e precisará se esforçar para promover um ajuste fiscal. Por isso, prevê a necessidade de ajustes crescentes, com reformas mais amplas. No cenário mais pessimista, sem nenhuma reforma, nem a da Previdência, sobrariam livres só R$ 25 bilhões em 2022.

Se o governo ultrapassar o teto de gastos, a lei proíbe reajuste para servidores, criação de cargos, contratação de pessoal e concessão de benefícios tributários, entre outras medidas.

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Estados negociam fim da sanção por excesso de gasto

Martha Beck

08/12/2018

 

 

Depois do alívio a prefeitos, governadores tentam suspender punições por despesas acima do limite

Com despesas obrigatórias crescentes, especialmente com folha e aposentadorias, os estados já negociam com o Congresso a aprovação de uma proposta que beneficia quem não cumprir a regra do teto de gastos. A ideia é evitar que o governo federal aplique punições aos entes que não conseguirem limitar suas despesas. Uma das sanções previstas hoje é perder benefícios como o alongamento das dívidas com a União por um prazo de 20 anos.

Em ofício encaminhado ao Ministério da Fazenda em junho, o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Consefaz) já alertava para o risco de que vários estados não conseguiriam cumprir o teto em 2018. O problema é que essa foi a condição para que os governadores ganhassem mais tempo para pagar seus débitos com o governo federal. Em caso de descumprimento, os estados perdem o alongamento.

Ao todo, sete estados já informaram ao Tesouro que não conseguirão cumprir a limitação legal de despesas. Esta semana, o Congresso também deu um alívio aos prefeitos. Foi proibida a aplicação de sanções ao município que ultrapassar os limites de gastos com pessoal se houver uma queda de 10% nas receitas.