O globo, n. 31170, 09/12/2018. Economia, p. 31

 

Entrevista - Ana Carla Abrão: 'Estados caminham para repetir crise do Rio'

Ana Carla Abrão

Cássia Almeida

09/12/2018

 

 

Ana Carla Abrão, sócia da Consultoria Oliver Wyman, de atuação global, afirma que a situação das previdências regionais vai levar cada vez mais estados a repetirem o caminho do Rio, com a falência das contas públicas. A economista, que já foi secretária de Fazenda de Goiás, afirma que estados do Nordeste e Centro-Oeste já mostram desequilíbrios.

A situação da Previdência dos estados é pior que a federal?

Sim, é muito mais grave. Há casos mais gritantes, como os de Rio, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, onde o peso da idade do servidor é mais alta. Mas, quando se olha outros estados, eles também caminham para repetir a crise do Rio. Já vemos desequilíbrios atuariais consumindo receitas correntes em estados do Nordeste e Centro-Oeste.

Com a iminência da reforma da Previdência, aumentam os pedidos de aposentadoria. Qual o reflexo disso para os serviços básicos?

De fato, há um contingente apto a se aposentar que é muito grande. Em São Paulo, em dez anos, 50% dos servidores estarão em condições de se aposentar, relativamente jovens. Os estados ainda conseguem fazer algum concurso para policiais, médicos e professores, mas o mesmo não acontece na administração. O estado não consegue investir em tecnologia, em modernização, até para enxugar a máquina. Os recursos são consumidos pela Previdência e pela folha de ativos. As condições de trabalho pioram, o PM não tem carro em condições, o médico não tem remédio. Há um processo de deterioração da qualidade dos serviços.

Qual a solução?

Os estados dependem de uma reforma na Previdência federal, mas também dos regimes próprios. A PEC (proposta de emenda constitucional ) proposta pelo governo Temer, na primeira versão, incluía os estados. Com apoio dos governadores, seria possível fazer. Porém, há a questão das alíquotas de contribuição que é decidida nas assembleias. Os governos têm aumentado o percentual de contribuição, de 11% para 14%, mas há risco jurídico. Está no Supremo ação para ser julgada, pedindo que a alíquota de 14,25% em Goiás (a maior do país) seja considerada valor confiscatório. Embora saibamos que é preciso aumentar a contribuição, há incerteza jurídica.

Em que mais é preciso mexer?

A alíquota é uma vertente para conter a explosão do déficit. As pessoas se aposentam com 45 anos, 48 anos, um grande contingente com o salário integral do último cargo. Se o governador não fizer nada, não contratar nem aumentar salário, a folha cresce 5%, 6% ao ano. São muitos benefícios incorporados. Na cidade de São Paulo, há até o salário-esposa, se a mulher do servidor não trabalhar. Algumas gratificações são incorporadas após seis meses e há até promoções pós-morte. Isso tem que ser revisto.

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Ainda mais urgente nos estados

Geralda Doca

09/12/2018

 

 

Em uma década, despesas com inativos crescem 93%, o dobro dos gastos da União

Com as finanças em frangalhos, os estados têm hoje uma situação em seus regimes de Previdência mais grave do que a União e são os que menos podem esperar por uma reforma. Os gastos desses entes com o pagamento de aposentadorias de servidores estaduais crescem em um ritmo superior ao observado no âmbito federal e no setor privado ( INSS ). Isso é o quem ostra levantamento feito pelo especialista em contas públicas Raul Velloso, apedido do GLOBO.

Entre 2006 e 2017, as despesas estaduais com servidores inativos tiveram um crescimento real, descontando a inflação, de 93%, chegando aR$ 164,79 bilhões. Na União, a expansão foi de 46%, para R$ 120,56 bilhões. Mesmo no INSS, que concentra todo o contingente de trabalhadores do setor privado, o aumento das despesas com benefícios foi mais baixo: 79%, para R$ 557,23 bilhões. Velloso destaca que a escalada dos gastos foi bem superior à expansão da economia:

o Produto Interno Bruto( PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) variou 24% nesse período. Com o avanço das despesas com o pagamento de benefícios, o rombo nos regimes estaduais de Previdência saltou de R$ 24,1 bilhões em 2006 para R$ 86,3 bilhões no ano passado, uma alta de 258%. No mesmo período, esse déficit no sistema público federal cresceu menos: 60%, de R$ 53,7 bilhões para também R$ 86,3 bilhões. No INSS, pulou de R$ 42 bilhões para R$ 182,5 bilhões no período —ou seja, quadruplicou. Raul Velloso, no entanto, ressalta que a saúde financeira do INSS é mais afetada pelo desempenho da economia, porque a arrecadação cai em momentos de crise e recessão. Com menos geração de emprego formal e com os autônomos reduzindosuas contribuições porque estão trabalhando menos, a receita do INSS diminui.

Isso não ocorre com os regimes dos servidores, que têm estabilidade mesmo durante crises econômicas. Por isso, para isolar este impacto, Velloso estimou qual seria o déficit do INSS se fossem descontados os efeitos da recessão econômica. E concluiu que, senão fosse acrise, os regimes de Previdência pública da União e dos estados teriam hoje um déficit de quase o triplo do rombo no INSS. Mas, enquanto o INSS atende a 30,2 milhões de segurados, a União responde por um universo de 1,5 milhão de servidores, considerando civis e militares das Forças Armadas. E os estados, por pouco mais de 2 milhões de beneficiados.

Rombo menor no INSS

Descontado o efeito da recessão, o déficit do INSS teria sido de R$ 64 bilhões em 2017, em vez dos R$ 182,5 bilhões registrados no ano passado. Por esse raciocínio, o desequilíbrio tende a diminuir com a retomada da economia. Já os rombos dos regimes próprios da União e dos estados, que juntos somaram R$ 172,6 bilhões no mesmo período, tendem a seguir crescendo. Para Velloso, isso não significa que o regime dos trabalhadores privados não precise de reforma. A questão é que a mudança, diz, é ainda mais urgente no regime de aposentadoria dos servidores públicos:

— Se um gasto tão significativo como esse cresce acima da economia, significa que o setor público não tem viabilidade.

Esse é um dos motivos que fazem os técnicos da equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que trabalham em uma proposta de reforma da Previdência, defenderem que as mudanças nas aposentadorias comecem pelo serviço público federal e sejam estendidas automaticamente aos governos estaduais. Seria uma solução para o principal problema que a maior parte dos governadores eleitos vai encontrar em janeiro.

A ideia do corpo técnico é que, depois de aprovada pelo Congresso, a reforma seja aplicada diretamente por governadores e prefeitos. No caso da proposta enviada pelo governo Michel Temer, havia a previsão de um prazo de seis meses para que os governos estaduais fizessem reformas próprias na Previdência. Se isso não ocorresse, automaticamente passariam a valer as regras do governo federal. Segundo Velloso, o aumento

de contratações, reajustes salariais concedidos por governadores nos últimos anos e o envelhecimento dos servidores são as causas da deterioração das contas estaduais. Para ele, a reforma previdenciária do novo governo deve ter maior foco nos sistemas públicos por causa da alta concentração de benefícios integrais e aposentadorias especiais, com menos tempo de contribuição, como é ocaso de professores e policiais. Os estados concentram a maior parte desses profissionais porque são responsáveis por políticas de segurança e educação.

— Se Bolsonaro focar no INSS, não vai conseguira provar a reforma. Os parlamentares são muito sensíveis à pressão das associações de aposentados do INSS, que paga os menores benefícios. O lobby dos servidores públicos é forte, mas é preciso enfrentar a pressão —diz Velloso.

'Situação dramática'

Por causa do peso da conta da Previdência no caixa, estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, que aderiram à negociação de um plano de recuperação fiscal do governo federal, enfrentam dificuldades para pagar a folha de salários. Em Minas Gerais, por exemplo, onde a situação é mais crítica, o gasto com inativos representa 28% do Orçamento, quase o dobro da verba das áreas de educação e segurança, e o triplo dos recursos destinados à saúde.

Para André Gamerman, economista da ARX Investimentos, a situação é dramática na maioria dos estados: —No Esta dodo Rio, o déficit da Previdência foi de R$ 13 bilhões em 2017. A receita prevista para 2019 é de R$ 71 bilhões. O déficit já come quase 20% da receita bruta. Não tem como essa conta fechar. O estado precisa da reforma da Previdência urgentemente. Segundo o economista, a reforma da Previdência nos estados terá de impor três condições: aposentadoria mais tarde, alíquotas de contribuições maiores e benefícios menores. —Não faz sentido que a população mais pobre pague ICMS para juiz se aposentar mais cedo —afirma.