O globo, n. 31171, 10/12/2018. Sociedade, p. 20, 21 e 22

 

João de Deus é investigado por polícia e MP de Goiás

Helena Borges

Patrik Borges

Paula Ferreira

10/12/2018

 

 

Médium teria abusado de criança ainda nos anos 1980

O Ministério Público de Goiás vai abrir uma frente de investigações a partir dos casos de abuso sexual que o médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, teria praticado contra frequentadoras de seu templo, revelados pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”. A procuradoria de Abadiânia, onde ele mantém seu templo, havia recebido as primeiras denúncias contra o médium no primeiro semestre. Com a publicação das reportagens, os relatos vêm se multiplicando. Entre as novas histórias apresentadas pelo “Fantástico”, ontem, uma mulher de 41 anos contou ter sido violentada pelo menos dez vezes quanto tinha 11 anos, na década de 1980. O Ministério Público de Goiás confirmou ao GLOBO, ontem, que abrirá uma nova frente de investigações para apurar abusos sexuais que teriam sido cometidos por João de Deus, como é conhecido o médium João Teixeira de Faria. Ele já vinha sendo investigado pelo órgão desde o primeiro semestre de 2018. No início do ano, a procuradoria de Abadiânia — cidade onde o guru mantém seu templo — começou a receber as primeiras denúncias. Por causa dos casos relatados pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, o MP convocou uma coletiva para a manhã de hoje para explicar como será feito o trabalho.

Doze mulheres contaram suas histórias à imprensa. Depois da divulgação, no sábado, das primeiras reportagens, outras seis pessoas relataram novos casos ao GLOBO. Vinte e cinco procuraram o “Fantástico”. Agora, João de Deus também é acusado por essas pessoas de abusar de uma criança e adolescentes. Os casos teriam começado ainda na década de 1980.

‘Muito influente’

Há pelo menos dois procedimentos abertos contra João de Deus no Ministério Público de Goiás desde o início do ano. As mulheres teriam feito as denúncias imediatamente após os abusos.

Em outubro deste ano, a pedido do Ministério Público, a Polícia Civil de Goiás também abriu um inquérito. Segundo o MP, João de Deus é uma pessoa muito influente na região, e o procedimento foi adotado para “eliminar a possibilidade de o líder religioso exercer influência sobre o processo”.

“Houve casos anteriores (de denúncias de abusos). Todos eles tiveram trâmite dentro do MP. Sobre os novos casos, pedimos que todas as vítimas procurem o órgão”, informou a assessoria do Ministério Público de Goiás.

Ao GLOBO, ontem, uma mulher de 41 anos, do Rio de Janeiro, que não quis se identificar, contou que em 1993 foi a Goiás acompanhar a mãe e o tio, que tinham câncer e buscavam se curar. Na época, ela tinha 22 anos. Depois do atendimento, uma pessoa a abordou dizendo que João de Deus tinha uma mensagem especial para ela:

— Ao chegarmos à salinha, ele pediu para minha mãe buscar água. Quando ela saiu, pediu para que eu me virasse e abrisse a bermuda, pois ia dar um passe. Pressionou meu abdômen e depois começou a descer a mão.

Ela conta que não entendeu o que se passava.

— Como achar que aquele cara que você tem como um pai vai te fazer mal?

A Federação Espírita Brasileira (FEB) divulgou uma nota condenando atendimentos individuais. Segundo a entidade, o serviço espiritual não deve ocorrer apenas com a presença do médium e da pessoa assistida.

Procurada pelo GLOBO, a assessoria de João de Deus não atendeu as ligações. Ao “Fantástico”, o advogado do médium, Alberto Toron, afirmou que vai às autoridades de Abadiânia para dizer que seu cliente está à disposição da polícia e do Ministério Público para ser ouvido: “Achamos que tudo isso deve ser objeto de uma investigação marcada pela seriedade”.

Gaúcha, 36 anos: “Ele me colocou no corredor. Achei que fosse morrer”

Ele passava a mão por todo meu corpo, inclusive nos meus seios e na minha genitália, passava muito a mão nas minhas pernas e dizia: “Você vai ver como vai melhorar. Eu preciso te curar”. Quando ele me colocou no corredor, eu achei que fosse morrer. Me pressionou contra a parede e me dizia: “Está vendo que não está acontecendo nada comigo? Meu corpo não está reagindo contigo, isso faz parte de uma limpeza espiritual. Eu preciso limpar você”.

Foi uma meia hora de pesadelo. Só de falar nisso me embrulha o estômago. Quando ele percebeu que eu estava desconfiada, me expulsou da sala. Minha amiga perguntou: “não foi lindo?’. Ele fez uma lavagem cerebral tão forte nessa amiga que ela acreditou que seria mulher dele. Às vezes, a pessoa está tão frágil que acredita em qualquer coisa.

Minha mãe também me perguntou como tinha sido, nunca contei. Assisti com ela a uma reprise do “Conversa com Bial” e, sem saber que eu tinha sido abusada, me dizia: “Acho que isso não vai dar em nada, já prescreveu”.

Tenho pesadelos horríveis com João de Deus, desde que fui abusada. Ele vai sempre negar, mas a justiça vai ser feita. Se não for a justiça dos homens, será a justiça divina.

Carioca, 41 anos: “Na fila da salinha, só havia mulheres jovens e bonitas”

Fui a Abadiânia por interesse próprio. Não tinha nenhuma doença, nada, fui para conhecer. Quando eu cheguei, ele disse “Minha filha, senta aqui”. Eu disse que havia ido buscar evolução espiritual, e ele pediu que eu o seguisse.

Ele me encostou na parede do corredor e pediu que eu esfregasse a sua orelha com movimentos circulares, depois desceu as mãos até minha cintura e me pedia para mexer o quadril, dizendo que era para eu relaxar.

Foi quando ele pegou minha mão e depois colocou no pênis dele e começou a esfregar. Depois, me virou de costas e continuou segurando minha mão, esfregando no pênis dele, enquanto passava a mão nos meus seios. Eu congelei. Nessas situações as pessoas perguntam por que você não sai gritando, mas é porque você congela. Quando você vê, está num corredor, sendo abusada.

Depois de alguns anos, voltei mais uma vez à Casa, porque enfiei na cabeça que havia uma distinção entre a entidade e o médium. Mas desta vez não fui à salinha. Nesse dia, eu reparei que na fila para a audiência particular na salinha só havia mulheres jovens e bonitas. Não havia uma senhora, um homem sequer. Então minha ficha caiu e eu nunca mais voltei lá.

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Mulher diz ter sido violentada aos 11 anos

10/12/2018

 

 

Vinte e cinco pessoas relataram casos ao ‘Fantástico’, da TV Globo; um homem, o único denunciante brasileiro a se identificar, diz que a mãe foi molestada ao buscar ajuda para se curar de um câncer de mama

Após as denúncias contra João Teixeira de Farias, o João de Deus, divulgadas pelo jornal O GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, 25 pessoas decidiram quebrar o silêncio e procuraram o “Fantástico”, também da TV Globo, para relatar histórias de abuso sexual que teriam sido cometidas pelo médium. O programa mostrou ontem cinco delas.

Segundo as vítimas, os abusos ocorriam desde a década de 1980, inclusive contra crianças e adolescentes. Uma mulher, de Minas Gerais, diz ter sido violentada pelo menos dez vezes quando tinha apenas 11 anos.

“Ele pediu para eu colocar a mão para trás e eu senti uma coisa estranha e comecei a chorar e disse: ‘O que é isso?’. Ele falou: ‘É o que vai te curar’. Aí, ele veio na minha frente e fez o que fez comigo. Tudo o que você pode imaginar”, disse a mulher, hoje com 41 anos.

A ameaça, segundo ela, era tanto física quanto psicológica. De acordo com a mulher, ele disse: “Fica de costas, fecha os olhos e não abra em hipótese alguma. Se você abrir, vai ficar cega, porque a luz é muito forte”.

“Eu falava o tempo todo: ‘Quero a minha mãe. Tá doendo’. E ele dizia: ‘Fica quieta, senão eu mato a sua família”, lembra ela, chorando.

Uma outra mulher, de São Paulo, conta que também sofreu abusos aos 15 anos. Os pais foram pedir ajuda para João de Deus porque a menina tinha depressão e não saía da cama. Na primeira consulta, João de Deus teria pedido pra ficar sozinho com a adolescente. “Com a mão dele, me fazia manipular seu pênis. De repente, pegou na minha cabeça e a abaixou para que eu fizesse sexo oral nele”.

De acordo com os relatos, os abusos aconteciam sempre dentro da casa onde João de Deus realiza os atendimentos, em Abadiânia, no interior de Goiás. Por se tratar de um figura conhecida e poderosa, inclusive entre famosos, as mulheres tinham medo de serem punidas se contassem o que acontecia na sala de cura.

“Não falei com ninguém porque achava que ninguém iria acreditar em mim, porque ele é muito poderoso”, diz a mulher de São Paulo.

De todas as pessoas que relataram seus casos, apenas a coreógrafa holandesa Zahira Lieneke Mous se identificou. No Brasil, até agora o único que se identificou foi Leandro Cruvinel Miranda. Ele procurou o “Fantástico” para contar os abusos que sua mãe, Simone, de 52 anos, sofreu ao buscar por causa de um câncer de mama.

“A esperança dela era ser totalmente curada espiritualmente pelo João de Deus”, conta Leandro.

Segundo ele, a mãe lhe contou que o médium abriu a calça e tirou o pênis, enquanto ela estava de costas sem ver. Depois, tentou colocar a mão dentro de sua calcinha. “A minha mãe começou a se alterar muito, quando ele se desesperou e disse para ela ficar calma, que não aconteceria mais”.

Em Goiás, mais dois casos vieram à tona. Em um deles, uma mulher foi a Abadiânia para pedir ajuda para a mãe que estava com câncer.

“Ao chegar, ele começou a esfregar e mandar eu rebolar. E começou a querer enfiar a mão na minha calça, nas minhas partes íntimas. Eu não deixei e relutei. Eu tremia e falava para ele parar porque estava com muito medo. Isso foi em 2006”.

A mãe dela morreu dois meses depois. “Nós estamos pensando em ir esta semana prestar queixa contra ele, na cidade onde atua”, afirma.

No segundo relato, assim como no caso da adolescente de Minas, a paciente diz ter sofrido abusos por cinco dias seguidos e ainda ter sido ameaçada.

“Ele aproveita que as pessoas estão fragilizadas, doentes, no fundo do poço. Pegava nos meus seios, sempre de costas e encostava o pênis dele no meu bumbum, pegava a minha mão e apertava o pênis dele. Também desabotoou minha blusa e segurou no bico do meu seio”, lembra-se.

O medo a fez não ter falado nada e voltado durante cinco dias: “Ele disse que sabia onde meus avós moravam, assim como toda a família. Dizia que mataria cada um deles. Foi esse medo que me fez voltar os outros dias”.

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Guru teria cometido abusos contra outra menor de idade

Luís Guilherme Julião

10/12/2018

 

 

João de Deus foi proibido de atender no Rio Grande do Sul após relatos

Entre as vítimas de abuso sexual do médium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus, estaria uma menor de idade do Rio Grande do Sul. Segundo relato do pai dela ao GLOBO, o caso ocorreu em 2012 na Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, quando a jovem tinha 17 anos. A família, que mora no Sul, frequentava também uma espécie de filial da Casa no estado, localizada na cidade de Três Coroas, que deixou de receber visitas do médium após vários relatos de abuso chegarem ao conhecimento dos frequentadores naquele ano.

Além do pai da vítima menor de idade, outras duas mulheres moradoras do Rio Grande do Sul que frequentavam a Casa de Dom Inácio, tanto em Três Coroas quanto em Abadiânia, relataram ter sofrido abuso sexual em 2012. O modus operandi é o mesmo das histórias reveladas pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”, da TV Globo: sempre em uma sala fechada no centro de atendimento em Goiás.

— Fiquei sabendo do abuso por telefone. Eu estava no Rio Grande do Sul, e minha filha tinha ido a Abadiânia para participar dos atendimentos, quando me ligou contando o que tinha acontecido. Isso foi em 2012, e ela tinha 17 anos. Nós ficamos em choque e depois disso nos afastamos, mas ela teve que fazer terapia. Aconteceu assim como nos relatos publicados: ela foi chamada para o atendimento individual na Casa de Dom Inácio, e ele começou a passar a mão em suas partes íntimas dela. Minha filha saiu chorando assustada. Depois disso, deixamos de frequentar o local — conta o pai da jovem, que pediu para não ser identificado por medo de represálias.

A vítima, hoje com 23 anos, está muito abalada e não quis falar com a reportagem. Segundo três outras mulheres que frequentavam ambas as casas, vários relatos surgiram, já naquela época, contra João de Deus, que foi proibido pelos próprios frequentadores de voltar a prestar atendimento em Três Coroas. O médium visitava o local três vezes por ano.

— Frequentei a Casa por mais de três anos porque queria um tratamento para engravidar e não conseguia. Ele me levou para uma sala e passou a mão em mim . Tentou que eu fizesse sexo oral nele, mas resisti. Aí ele disse: ‘Tu é uma mulher cara, né? Se eu te pagar uma mesada de R$ 10 mil, você vai morar comigo em Brasília?’ Ele disse que reverteria a vasectomia para me dar filhos gêmeos e ameaçou que, se eu contasse para alguém, o ‘tratamento’ não ia dar certo. Depois disso parei de frequentar aquele lugar — conta uma mulher, também gaúcha.

As frequentadoras relatam que, em 2012, houve uma reunião em que maridos e pais que frequentavam o local proibiram o médium de voltar ao estado. Desde então houve uma desmobilização das atividades da casa em Três Coroas. Apesar disso, as vítimas não registraram queixa na polícia por medo de represálias.

— Meu marido e eu começamos a frequentar a Casa em Três Coroas em 2007 porque minha avó tinha câncer e chegamos a participar da direção. Aconteceu comigo duas vezes em Abadiânia. Ele passou a mão em mim, abriu a calça e disse que aquilo era uma energia que estava passando do corpo dele para o meu —conta outra vítima.

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Acusações de abuso repercutem pelo mundo

10/12/2018

 

 

Jornais e emissoras de televisão nos Estados Unidos e na Europa mostraram denúncias. Imprensa estrangeira destacou número de vítimas e também os seguidores famosos do médium, como a apresentadora Oprah Winfrey

As acusações de abuso sexual contra João Teixeira de Faria, o João de Deus, chegaram ao noticiário internacional. Veículos como a rede inglesa BBC, o jornal americano The New York Times, a emissora árabe Al Jazeera e o jornal espanhol La Vanguardia noticiaram as denúncias divulgadas pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”, da TV Globo.

Na BBC, sob o título “João de Deus: curandeiro espiritual do Brasil acusado de abuso sexual”, a matéria relata que 12 mulheres acusaram o médium de cometer abuso sexual. O veículo destaca que, embora baseado em Abadiânia, Goiás, João de Deus tem seguidores no mundo todo e menciona a apresentadora Oprah Winfrey, uma das devotas mais proeminentes do médium.

A apresentadora também é citada na matéria “Mulheres acusam curandeiro espiritual brasileiro de abuso sexual”, da agência de notícias Associated Press, veiculada pelo New York Times. O texto menciona as acusações e acrescenta que João de Deus negou “veementemente ter tido qualquer comportamento inapropriado durante os tratamentos”, em nota enviada à imprensa.

Crimes anteriores

Maior emissora do mundo árabe, a rede Al Jazeera noticiou as denúncias contra João de Deus. Na matéria “Mulheres acusam famoso curandeiro espiritual brasileiro de abuso sexual”, o veículo cita ainda o fato de João de Deus já ter sido acusado de outros crimes no passado, mas nunca ter respondido por eles.

A Al Jazeera menciona que, além do Brasil, a figura do médium é amplamente conhecida em países como os Estados Unidos e Austrália, e também na Europa.

No La Vanguardia, a matéria “Reconhecido médium brasileiro é acusado de hipnotizar e abusar de suas pacientes” cita as acusações de abuso sexual e destaca o fato de João de Deus já ter atendido pessoas como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.