O globo, n. 31171, 10/12/2018. País, p. 5

 

Ambientalistas criticam nomeação de Salles

Sérgio Roxo

Bruno Abbud

10/12/2018

 

 

Entidades avaliam que escolhido por Bolsonaro pode se alinhar a interesses de ruralistas, que elogiam a decisão; futuro ministro diz que defesa do meio ambiente é ‘valor inegociável’, mas será feita ‘sem ideologias’

Movimentos ambientalistas criticaram a escolha do advogado Ricardo de Aquino Salles para comandar o Ministério do Meio Ambiente no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). A avaliação é que o novo titular da pasta pode se subordinar aos interesses dos ruralistas.

Salles foi indicado por várias entidades ligadas ao setor produtivo. Na semana passada, a Sociedade Rural Brasileira e a União da Agrodeixou indústria Canavieira (Unica) divulgaram nota de apoio ao advogado.

—Ao aceitar o cargo, o novo ministro parece realmente estar disposto a fazer o trabalho antiambiental que Bolsonaro prometeu na campanha, que é acabar com áreas protegidas, diminuir o combate ao crime ambiental e liberar ainda mais o uso de agrotóxico no país — afirmou o diretor de políticas públicas do Greenpeace, Márcio Astrini.

Em nota, o Observatório do Clima disse que Salles tem perfil adequado para o programa prometido por Bolsonaro para a área ambiental. “O ruralista Ricardo Salles é o homem certo no lugar certo. O presidente eleito, afinal, já PEDRO CALADO/SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE claro que enxerga a agenda ambiental como entrave e que pretende desmontar o Sistema Nacional de Meio Ambiente”, diz a nota.

Para Edmo Campos, professor aposentado de Oceanografia da USP e coautor do Relatório de Avaliação do Clima do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, a indicação de Salles foi recebida com alívio. Sua preocupação maior era que Bolsonaro nomeasse para a pasta alguém que negasse a existência do aquecimento global.

—Foi a escolha menos pior. Colocou uma pessoa que não tem histórico (de trabalho pelo meio ambiente), mas pelo menos não tem um histórico negativo—afirmou.

O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia, elogiou a escolha de Salles.

— O setor produtivo recebeu muito bem essa indicação. Embora Salles seja linha dura, é um linha dura com o que é legal, com o que é certo. Não mistura viés ideológico.

Para o diretor da Sociedade Rural Brasileira, Frederico D’Ávilla, a indicação de Salles também agradou.

—Ele foi um excelente secretário, tem experiência e conhecimento técnico eé seguidor fiel da lei. Vejo com bons olhos e acho que vai dar paz e segurança para o Brasil crescer em todas as áreas: de infraestrutura, agrícola e portuária.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Ricardo Sallesdis seque :“A defesa do meio ambiente é um valor inegociável e o faremos com absoluto respeito aos diversos setores produtivos, sem ideologias e com observância do rigor técnico e das leis”.

Polêmicas na área ambiental

> Durante o período eleitoral, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, deixou explícita sua contrariedade com a política ambiental praticada pelo Brasil. Prometeu combater a “indústria de multas" do Ibama, ameaçou retirar o país do Acordo de Paris e acenou até com a extinção do Ministério do Meio Ambiente.

> A pasta deve ser alvo de reformulações, a partir do ano que vem. A mais polêmica, que está em estudo pela equipe de transição, é a unificação do Ibama e do ICMBio. Os dois órgãos são autarquias federais vinculadas ao ministério e dividem o trabalho de fiscalização e preservação ambiental no país.

> No fim do mês passado, Bolsonaro revelou que pediu ao governo Michel Temer para que a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 25, não fosse realizada no Brasil. O país já tinha negociações avançadas para sediar o evento, em novembro do ano que vem, mas retirou sua candidatura.

> O presidente justificou a atitude ao declarar que o Brasil poderia perder a soberania sobre 136 milhões de hectares da Amazônia, em área que faz parte do chamado “corredor triplo A" — faixa que vai dos Andes, passa pela Amazônia e chega ao Atlântico. No entanto, a proposta não faz parte do Acordo de Paris.

> Bolsonaro declarou que mudaria o destino do dinheiro arrecadado com multas ambientais. Segundo ele, a verba deixará de ser destinada a ONGs.

— Quero preservar, mas não dessa forma que vêm fazendo nos últimos anos. Dessas multas no campo, 40% vão para ONGs. Isso vai deixar de existir.