Correio braziliense, n. 20242, 22/10/2018. Mundo, p. 12

 

Advertência de Putin

22/10/2018

 

 

Rússia reage com preocupação ao anúncio de Donald Trump sobre a retirada dos Estados Unidos de um dos acordos principais entre as duas potências para limitar arsenais atômicos. Emissário da Casa Branca desembarca em Moscou

A Rússia advertiu ontem os Estados Unidos sobre os riscos da decisão, anunciada na véspera pelo presidente Donald Trump, de denunciar um importante acordo sobre armas nucleares de alcance intermediário firmado entre Washington e Moscou nos últimos anos da Guerra Fria. O último líder da extinta União Soviética, Mikhail Gorbachov, que assinou com Ronald Reagan o Tratado sobre Forças Nucleares Intermediárias (INF, pela sigla em inglês), condenou a “falta de sabedoria” de Trump e pediu uma campanha internacional para convencê-lo a desistir da iniciativa.

“É um passo muito perigoso que, tenho certeza disso, não será compreendido pela comunidade internacional e, inclusive, vai gerar sérias condenações”, afirmou o vice-ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Riabkov. Falando à imprensa, na noite de sábado, o presidente americano confirmou os “planos” para “extinguir” o acordo INF, e acusou a Rússia de “violar sistematicamente” os termos do tratado, que veta às duas potências a posse de mísseis nucleares lançados de terra com alcance entre 500km e 5.000km.

Riabkov rebateu as acusações e garantiu que Moscou repeita o texto “de maneira estrita”. “Fomos pacientes durante anos ante as flagrantes violações do tratado pelos EUA”, acusou. O vice-chanceler classificou como “torpe” a política do governo Trump de “abandonar unilateralmente acordos internacionais”. “Se continuar assim, não teremos outra opção senão adotar medidas de represália, inclusive que envolvam tecnologia militar”, completou, sem entrar em detalhes.

O conselheiro da Casa Branca para Segurança Nacional, John Bolton, desembarcou ontem em Moscou para se reunir, nos próximos dias, com o chanceler Sergei Lavrov. A agenda da visita, programada antes do anúncio sobre o tratado INF, tinha como centro a preparação de um eventual encontro de cúpula entre Trump e o presidente da Rússia, Vladimir Putin. “Esperamos que (Bolton) nos explique de maneira substancial e clara o que os EUA pensam em fazer” sobre o acordo nuclear, disse Riabkov.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, o próprio conselheiro de Segurança Nacional teria pressionado Trump a anunciar a saída dos EUA do INF. Bolton também estaria bloqueando qualquer negociação para prorrogar o tratado New Start, sobre mísseis nucleares de alcance estratégico, que expira em 2021. A Casa Branca critica o Kremlin por ter instalado o sistema de mísseis 9M729, cujo alcance, segundo especialistas do governo americano, supera 500 km, violando, assim, os termos do acordo sobre armas intermediárias.

Em sua resposta às declarações do presidente americano, o vice-chanceler russo acusou Washington de praticar “chantagem” com a ameaça de denunciar o acordo. Uma fonte da chancelaria, citada pela agência de notícias France-Presse, afirmou que os EUA “vêm se aproximando dessa etapa há vários anos, destruindo deliberadamente as bases desse acordo, passo a passo”. Especialistas em armas nucleares consideram possível que a preocupação da Casa Branca se volte para a China, que, por não ser parte do INF, pode desenvolver mísseis de alcance intermediário sem obstáculos.