O globo, n. 31179, 18/12/2018. País, p. 4

 

Demarcação ameaçada

Marco Grillo

Daniel Gullino

18/12/2018

 

 

Bolsonaro diz que estuda plano para explorar minério na Raposa Serra do Sol

Dez anos após a homologação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua, o decreto, assinado pelo ex-presidente Lula, poderá ser revisto para permitir a exploração de minerais presentes no solo da terra indígena. A intenção foi anunciada ontem pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, ao afirmar, durante evento em Duque de Caxias (RJ), que o assunto é discutido pela equipe de transição.

—É a área mais rica do mundo. Você tem como explorar de forma racional. E, no lado dos índios, dando royalties, e integrando o índio à sociedade — disse Bolsonaro, que falou sobre o tema após o jornal “Valor Econômico” antecipar, ontem, o estudo da proposta.

Mais tarde, ao Jornal Nacional, o presidente eleito afirmou que, por ora, a revisão do decreto nãoéum“pl ano ”, mas, sim, “uma intenção”.

— Não há um plano nesse sentido, há uma intenção. Até porque não é só a Raposa Serra do Sol, são várias outras reservas enormes, riquíssimas, que o mundo está de olho lá. Então, acreditamos nós que, para integrar o índio à sociedade, não custa nada buscar uma maneira de explorar de forma racional essas grandes áreas.

Raposa Serrado Solé uma área de terra indígena no nordeste do estado de Roraima. Com 1,7 milhão de hectares, é uma das maiores terras indígenas do país. Em sua parte montanhosa está o monte Roraima, em cujo topos e encontra a tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela.

O território demarcado foi alvo, na década passada, na administração petista, de uma disputa judicial entre a União, o governo de Roraima e produtores de arroz que chegaram à região por volta da década de 70. Apoiados pelo governo estadual, os arrozeiros queriam que a demarcação fosse revista em áreas cultivadas.

Mas, em 2009, decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, por dez votos a favor e um contra, a demarcação contínua e manteve a homologação decretada pelo então presidente Lula. A decisão do STF desagradou a comandantes militares, que defendem a ocupação da região.

Na campanha eleitoral e já como eleito, Bolsonaro havia afirmado que, em seu governo, não seriam demarcadas novas terras indígenas. Ele também já havia defendido a ideia de “integrar o índio à sociedade”, citando como exemplo o fato de existirem índios que “querem internet”.

Defensores da revisão da demarcação usam dados mostrando que o território da Raposa é considerado um tesouro em recursos hídricos e minerais que atraem o garimpo clandestino, muitas vezes comandado pelos próprios índios.

Impasse na justiça

Na área existem jazidas de nióbio —metal leve empregado nas indústrias aeronáutica, espacial e nuclear — que podemchegarater14vezestodo o metal conhecido no planeta, e a segunda maior reserva de urânio do planeta. Além de ouro, estanho, diamante, zinco, caulim, ametista, cobre, diatomito, barita, molibdênio, titânio e calcário.

Os estudos do presidente eleito, contudo, podem ser questionados judicialmente por dois motivos, de acordo com especialistas. Eles afirmam que rever a demarcação infringe o direito constitucional dos indígenas à terra e afronta a decisão do STF.

—As terras indígenas são direitos originários. Eles antecedem a todos os outros direitos e reivindicações. O direito (à terra) está lá, precisa ser apenas demarcado. No momento em que essa demarcação é feita, que ela é questionada judicialmente, que o Supremo confirma a validade da demarcação, isso se transforma em um direito que não pode ser alterado. Não pode haver um novo decreto. Seria um desafio à Constituição e a uma decisão já transitada em julgado—avalia o professor Oscar Vilhena, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

Daniel Sarmento, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ressalta que a revisão de qualquer demarcação seria inconstitucional, mas considera que o caso da Raposa Serra do Sol é mais grave porque já foi discutido pelo plenário do STF.

— Com a Raposa, tem um agravante, é uma decisão que já transitou em julgado, no plenário do STF. É uma forma de desrespeito ao Supremo Tribunal Federal.

Reação indígena

Em nota, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), que representa 237 comunidades, “reafirma que a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em área contínua, é um direito originário e constitucional dos povos indígenas de Roraima e do Brasil, consagrado na Constituição”.

“É inadmissível que o caso ainda seja principal pauta do presidente eleito Jair Bolsonaro, cuja única justificativa é o ‘desenvolvimento do estado de Roraima e do Brasil’, ‘exploração dos recursos naturais’ e outras declarações absurdas que só contribui para a disseminação de preconceito, discriminação e ódio contra os povos indígenas”.

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Presidente eleito encomenda plano de metas a futuros ministros

Vinicius Sassine

Robson Bonin

18/12/2018

 

 

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, encomendou um plano de metas a cada um dos seus ministros. A ideia é que os futuros integrantes do primeiro escalão apresentem ao coordenador da transição, Onyx Lorenzoni, um conjunto de ações individuais que pretendem cumprir no próximo governo. O levantamento será entregue amanhã a Bolsonaro, quando ele voltará a Brasília para uma ampla reunião ministerial.

Integrantes do futuro governo disseram ao GLOBO que o presidente eleito pretende estabelecer, a partir das metas de cada setor, uma espécie de “plano de voo” para o governo, com objetivos de curto, médio e longo prazo.

— A reunião na próxima quarta-feira é para que os ministros apresentem suas metas iniciais no governo — disse o futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno.

Alguns planos já foram apresentados pelo próprio presidente eleito ao longo das últimas semanas de transição, como a intenção de acabar com o modelo de aplicação de multas ambientais, o plano de modificar a reforma trabalhista para flexibilizar dispositivos da lei, e a intenção de modificar os rumos da política externa do país, deixando de lado antigos parceiros do Brasil nos governos petistas, como Cuba e Venezuela.