O globo, n. 31180, 19/12/2018. Opinião, p. 2

 

Lei Rouanet desafia capacidade de entendimento à esquerda e à direita

19/12/2018

 

 

Bolsonaro ataca o incentivo à produção cultural, repetindo o que fizeram os lulopetistas

Promulgada em 1991 pelo presidente Fernando Collor, a lei que leva o nome do então secretário de Cultura do governo federal, Sergio Paulo Rouanet, tem a capacidade de criar resistências à esquerda e à direita. Deve ser por mérito. O fato é que, nestes 27 anos de Lei Rouanet, centenas de milhões de reais em impostos devidos por pessoas jurídicas e físicas foram investidos em cultura, dinheiro que iria parar no caixa único do governo federal, de onde saem cada vez mais recursos para serem gastos de forma estéril no custeio da máquina.

Mesmo quem nada sabe de indústria cultural já deve ter ouvido pelo menos uma vez o nome deste eficaz mecanismo de conversão de imposto em projetos de produção artística — com exceção do cinema, que tem sistema próprio de incentivo.

Nos governo do PT, por viés ideológico da esquerda, havia críticas à “elitização” dos projetos incentivados e à suposta falta de dinheiro para uma arte, digamos, mais proletária. Balela, existe o Fundo Nacional de Cultura para atuar neste segmento. O que desagradava aos comissários culturais do lulopetismo, na verdade, era não poderem manipular o dinheiro da Lei Rouanet, com objetivos políticos.

Agora, o mesmo acontece, com sinal trocado, com o bolsonarismo. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, quer evitar que os recursos beneficiem “famosos”, bem como peças cuja temática considera imoral ou ideológica. O fato é que não há censura prévia no país, e existe um processo sério de seleção dos projetos a serem incentivados. Donos do poder têm felizmente acesso vetado a este campo.

A aversão à Lei Rouanet é antiga, pluripartidária e multi-ideológica, mas o economista Luiz Gustavo Barbosa, da Fundação Getulio Vargas, apresentou no Fórum Cultura e Economia Criativa, patrocinado pela revista “Exame”, um estudo substantivo sobre impactos do incentivo capaz de colocar este eterno debate no trilho da racionalidade.

Em sentido contrário à corrente que critica uma suposta elitização do incentivo fiscal, há o dado de que, segundo o trabalho, 90% dos gastos dos produtores culturais beneficiados, entre janeiro de 2017 e outubro último, foram abaixo de R$ 100 mil.

Nos 27 anos da Rouanet, calculou Gustavo Barbosa, o impacto econômico do incentivo foi de R$ 49,8 bilhões, ou R$ 1,59 por R$ 1 incentivado, um retorno invejável. E os que reclamam de algum elitismo precisam imaginar quantos profissionais, de todos os ramos, trabalham em grandes produções. É a um estudo como este que o universo dos 5% do PIB em incentivos precisa ser submetido.