O globo, n. 31150, 19/11/2018. Economia, p. 17

 

A conta do adiamento

Geralda Doca

19/11/2018

 

 

 Recorte capturado

Governo perderá quase R$ 2 bi por mês

Uma perda de R$ 22,8 bilhões em 2019, ou R$ 1,9 bilhão por mês. É o que o Brasil deixará de economizar ao adiar a reforma da Previdência. Muitos analistas do mercado confiavam que a equipe de transição negociaria com o governo Temer e os parlamentares uma tentativa de passar a proposta em tramitação no Congresso. Mas o presidente eleito, Jair Bolsonaro, afirmou, na semana passada, que dificilmente a reforma seria aprovada ainda este ano. Negociar um novo plano em 2019 é, na prática, mais um ano sem a economia esperada por uma revisão no sistema de aposentadorias do país.

Segundo estimativas da Secretaria de Previdência, o atraso na reforma provoca perdas crescentes. No primeiro ano, uma mudança nas regras de concessão de benefícios proporcionaria ganhos de R$ 4,8 bilhões para o caixa do governo. No segundo ano, a economia seria de R$ 13,5 bilhões. Como a atual proposta de reforma chegou ao Congresso no fim de 2016, só em 2017 e 2018 o país deixou de poupar R$ 18,3 bilhões sem a reforma. Dado que o governo Bolsonaro terá que passar por uma série de etapas e obstáculos para aprovar ainda em 2019 sua proposta de emenda constitucional, o adiamento por pelo menos mais um ano deverá elevar a conta em R$ 22,8 bilhões. Assim, o total que o governo deixará de economizar em três anos sem reforma chegará a R$ 41,1 bilhões. O montante faz falta à tarefa de equilibrar as contas públicas.

Impacto crescente

Os técnicos da secretaria explicam que o adiamento não impacta as contas de uma só vez. Nos primeiros anos, a economia seria pequena, pois as alterações não afetam direitos adquiridos e ocorrem num período de transição. Com o tempo, os resultados se tornam cada vez mais expressivos. Os cálculos foram feitos com base no texto da proposta apresentada ao Legislativo pelo presidente Michel Temer, parada na Câmara dos Deputados.

Historicamente, entre a elaboração de uma proposta de reforma até a sua aprovação no Congresso, há um longo caminho. Logo na partida, é preciso ter um núcleo técnico e político coeso para amarrar a proposta, além de uma assessoria jurídica eficiente para não encampar riscos legais. No Congresso, quando as discussões esquentam, é preciso habilidade para evitar que o texto seja desfigurado com a intensa mobilização de corporações.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, levou três anos para aprovar uma reforma na Previdência, no fim de 1998. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva demorou um ano para fazer outra em 2003, mesmo recém-saído das urnas. Temer enviou sua proposta em dezembro de 2016, mas só em maio do ano seguinte conseguiu aprovar o texto na comissão especial da Câmara. A tramitação travou com as denúncias contra o presidente no caso do grampo da JBS, enviadas ao Congresso pela Procuradoria-Geral da República.

As contas do impacto do atraso na reforma consideram apenas o efeito de mudanças no regime dos trabalhadores do setor privado, que incluem uma nova fórmula de cálculo do benefício, novos critérios para concessões de pensões e a fixação de uma idade mínima, de 53 anos para mulheres e 55 anos para homens, subindo gradualmente até atingir 62 e 65, respectivamente, ao fim de um período de transição. Mas a reforma tem outros ganhos difíceis de estimar, como o efeito na expectativa dos agentes econômicos e nos indicadores da economia.

Enquanto a proposta está parada, os trabalhadores continuam se aposentando — a perspectiva de uma reforma estimula mais gente a apressar a aposentadoria — e as despesas com os benefícios segue crescendo, demandando recursos do Tesouro para fechar as contas deficitárias da Previdência. Assim, reduz-se o espaço no Orçamento para o investimento em outras áreas prioritárias, como saúde, educação e segurança.

Em 2017, as despesas do governo federal com o regime de aposentadoria dos trabalhadores dos setores público e privado atingiram R$ 680 bilhões. Para 2019, a previsão para esses gastos é de R$ 768 bilhões, um aumento de quase 13%.

Remédio mais amargo

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, cogitou aprovar parte das medidas propostas por Temer via projeto de lei, sem a necessidade de alterar a Constituição. Mas depois recuou e admitiu que a tentativa de fazer uma reforma ficará para 2019. Especialistas alertam que, diante da situação insustentável das contas da Previdência, quanto mais tempo demorar, mais duras terão que ser as novas regras, com fase de transição mais apertada.

— Há estados atrasando pagamento de aposentadorias. Isso é um indicativo do quão grave é a situação — diz Rogério Nagamine, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O economista Paulo Tafner, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe/USP) que coordenou uma proposta de reforma da Previdência capitaneada pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, lembra que o mercado está em compasso de espera. Se Bolsonaro apresentar uma proposta tímida ou não apresentar nada no início de 2019, ele alerta, a reversão de expectativas terá efeitos em indicadores como os juros, que podem limitar o crescimento da economia:

— Se ele não apresentar uma boa proposta, como a de Temer ou uma nova que reduza a trajetória da despesa e ajude a área fiscal, haverá uma deterioração nos indicadores macroeconômicos.

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Falta de idade mínima é um dos principais gargalos do sistema

19/11/2018

 

 

Regras diferentes nos regimes público e privado acentuam desigualdade

Qualquer modelo de reforma da Previdência escolhido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, terá que tratar da idade mínima para aposentadoria, um dos principais gargalos dos regimes previdenciários do país. Estudo do Tribunal de Contas da União (TCU), mostra que mais da metade dos militares das Forças Armadas deixam o serviço com menos de 50 anos. No serviço público, a maior concentração das concessões é na faixa etária entre 55 e 59 anos e no setor privado (INSS), entre 60 e 64 anos.

De acordo com o estudo, essas diferenças aprofundam ainda mais o problema da desigualdade de renda, pois as duas categorias que saem mais cedo da atividade são as que ganham os maiores salários: o déficit anual correspondente a cada aposentado e pensionista do INSS é de R$ 5.130. No serviço público, o valor sobe para R$ 56.893 e nas Forças Armadas salta para R$ 89.925. É quanto a União precisa aportar para cobrir o rombo e honrar as aposentadorias, já descontando a contribuição individual dos trabalhadores e a parte patronal.

No caso dos militares, o valor é mais elevado porque o sistema deles não é considerado previdenciário, uma vez que eles contribuem apenas para a pensão dos dependentes. Segundo o secretário de Previdência, Assistência e Trabalho do TCU, Fábio Granja, as aposentadorias precoces configuram um dos principais problemas do regime de aposentadoria do país, que deve fechar este ano com rombo de R$ 260 bilhões. Com o aumento da expectativa de vida, a duração do pagamento do benefício pesa cada vez mais nas contas públicas.

Para os militares, não há idade mínima para a reserva. No setor privado, os trabalhadores podem se aposentar em qualquer idade, desde que com 30 anos (mulher) e 35 anos (homem) de contribuição, ou por idade, ao completar 60 (mulher) e 65 anos (homem). Já no serviço público, a idade mínima é 55 anos (mulher) e 60 anos (homem). Uma mulher que se aposenta aos 55 anos, vive, em média, mais 28,2 anos e um homem com 60 anos, mais 20,2 anos, de acordo com dados do IBGE.

O Brasil integra um grupo de apenas 13 países que não exigem idade mínima para aposentadoria. Entre os outros estão Argélia, Arábia Saudita, Egito, Síria, Iêmen, Hungria, Itália e Sérvia). No Equador, são exigidos 40 anos de contribuição.

Para o autor do estudo, a reforma não deve ser discutida de forma desvinculada do mercado de trabalho. No caso de uma atividade de risco, como a de um policial, por exemplo, deveria haver mecanismos de compensação, como jornada menor e salário maior:

— Hoje, o Brasil compensa tudo na previdência. Temos que mudar essa cultura.

Os militares ficaram de fora da atual proposta de reforma da Previdência, enviada por Michel Temer ao Congresso. Segundo oficiais generais próximos ao presidente eleito, os militares aceitam algumas mudanças, como elevar o tempo de serviço de 30 anos para 35 anos, idade mínima de 55 anos, além de uma taxa de contribuição para alunos em escolas de formação e pensionistas.