O Estado de São Paulo, n. 45718, 19/12/2018.  Política, p. A12

 

Conselho decidirá sobre demarcação e conflito de terras

André Borges

19/12/2018

 

 

Grupo ‘interministerial’ será responsável por assuntos relacionados a demarcação de áreas indígenas, até então sob controle da Funai

O futuro Ministério da Agricultura, que será comandado pela deputada Tereza Cristina (DEM-MS), anunciou ontem que será criado um “conselho interministerial” para definir assuntos relacionados a demarcações de terras indígenas e casos que envolvam conflitos por titularidade de terras. Esse conselho, segundo o futuro ministério, está em “processo de criação” e reunirá as pastas da Agricultura, da Defesa, do Meio Ambiente e da Mulher, Família e Direitos Humanos, além do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Atualmente, a demarcação de terras indígenas é tema exclusivo da Fundação Nacional do Índio (Funai), que submetia seus estudos técnicos ao Ministério da Justiça. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, já determinou que a Funai migrará da Justiça, que terá como ministro o exjuiz da Lava Jato Sérgio Moro, para o novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a ser comandado pela advogada e pastora Damares Alves.

Segundo a futura pasta da Agricultura, a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, que ficará com o ruralista Luiz Antonio Nabhan Garcia, será responsável pela definição de políticas fundiárias do País. “A execução dessas políticas caberá ao Incra, inclusive relativas a questões indígenas e quilombolas, por exemplo”, informou o ministério por meio de nota. “A Funai, que integrará o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, continuará a atuar nos assuntos ligados aos índios.”

Crítica. Para organizações socioambientais, indigenistas e servidores da Funai, o “fatiamento” das atividades da autarquia vai enfraquecer seu papel institucional.

Além da criação do conselho, Bolsonaro já declarou que não dará andamento a nenhum processo de demarcação de terras indígenas e tem a intenção de abrir áreas já demarcadas para exploração de atividades econômicas. Anteontem, o presidente eleito disse que pretende rever a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, feita há 13 anos. Com 1,7 milhão de hectares no norte do Estado de Roraima, a área abriga reservas de minerais e tem terras férteis.

Atualmente, há 129 processos de demarcação em andamento no governo, em diferentes etapas. Nessas terras vivem cerca de 120 mil indígenas.

Se somadas, as áreas em estudo envolvem 11,3 milhões de hectares. Parte expressiva dessas terras está localizada em regiões afastadas do Norte e Centro-Oeste do País. O País tem outras 436 terras indígenas plenamente reconhecidas, que somam 117 milhões de hectares.

Procurados ontem, Damares e Nabhan Garcia não foram localizados até a conclusão desta edição. A Funai também foi procurada, mas não quis comentar a criação do conselho.

Órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, a fundação foi criada em 5 de dezembro de 1967, durante o governo militar, por lei assinada pelo presidente e general Artur da Costa e Silva. Em seu e sta tuto,é defini doque“cabeà Funai promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas”.

Terras arrendadas. Reportagem publicada há duas semanas pelo Estado revelou que, atualmente, há pelo menos 22 terras indígenas do País que possuem áreas arrendadas para produtores rurais. São operações ilegais.

As negociações clandestinas entre produtores e indígenas incluem desde o pagamento de mensalidades para os índios, até a divisão da produção colhida ou vendida.

Nessas 22 terras, mais de 48 mil índios convivem hoje com a exploração ilegal do solo. A área total arrendada aos produtores externos chega a 3,1 milhões de hectares, um território equivalente a mais de cinco vezes o tamanho do Distrito Federal.