O globo, n. 31144, 13/11/2018. Colunas, p. 18

 

Moro no país das urgências

Míriam Leitão

13/11/2018

 

 

Há uma enorme expectativa sobre como o novo ministro da Justiça e Segurança, Sergio Moro, vai lidar com questões inteiramente novas para ele, que vão dos índios às prisões, passando pela migração nas nossas fronteiras. Sobre os pontos polêmicos da agenda do presidente eleito, o futuro ministro já mostrou muitas convergências e algumas dissonâncias. Ontem, o Cade saiu da alçada dele, mas a lista do que ele terá que assumir é imensa.

Num governo que tem improvisado além do razoável na comunicação, e tropeçado demais na relação com a imprensa, Moro tomou a decisão correta, de dar, no primeiro momento, uma entrevista longa, organizada, clara e aberta a todos os veículos. Na entrevista do fim de semana, ao “Fantástico” ele esclareceu outros pontos das dúvidas levantadas pela ida dele para o governo Bolsonaro.

Nos dois momentos exibiu sua capacidade de pensar antes de falar, e de procurar palavras que arredondem as arestas. Mas não dá para contornar o incontornável. Disse que nunca viu de Bolsonaro “uma proposta de cunho discriminatório” contra minorias. Elas foram desrespeitadas em várias declarações do deputado. Ele foi bem explícito.

Nas entrevistas, Moro esclareceu suas convicções, para além da pauta sobre a qual ele sempre falou. Demonstrou que concorda que haja um reforço legal de proteção ao policial ou o militar nos confrontos com criminosos. Acha natural que o presidente eleito proponha a flexibilização da posse de armas já que defendeu isso em campanha, mas alertou para o risco de as armas servirem de suprimento para o crime. O futuro ministro disse que é favorável à redução da maioridade penal e do aumento do rigor na progressão de pena. Ele qualifica o que pensa. Diz que quem continua pertencendo a uma organização criminosa não deveria ter o benefício da redução da pena. E não concorda com a tipificação de movimentos sociais mais aguerridos como grupos terroristas, apesar de achar que não podem ser inimputáveis.

A grande pauta de Jair Bolsonaro jamais foi o combate à corrupção. Ele foi parlamentar de ideia centrada numa agenda de conservadorismo, político e de costumes, e de defesa do regime militar, mesmo dos seus piores erros. A luta anticorrupção é inclusão recente pela oportunidade aberta pela Lava-Jato, na qual ele surfou atrás de eleitores.

Moro entendeu o convite, como ele tem dito com clareza, como a oportunidade que se abriu para que ele salvasse a Lava-Jato, por assim dizer. "Passei os anos pensando que a mesa poderia ser virada a qualquer momento. Era uma realidade presente", disse. De fato, não faltou desejo em Brasília de barrar a Lava-Jato, mas a operação sempre teve muito apoio da imprensa, da opinião pública e de estudiosos de diversas áreas. Existem muitas ideias já amadurecidas em debate da sociedade civil, por isso não será difícil fazer o pacote anticorrupção. A dificuldade dele será negociar com alguns dos partidos que estarão na base de apoio do governo.

Há inúmeras outras questões esperando por Moro e não há qualquer informação sobre o que ele pensa de algumas delas. Quando perguntado sobre índios, ele deu uma não resposta. O Brasil tem uma extraordinária diversidade étnica, com mais de 200 povos, a maioria preserva a sua língua original, há grande cobiça de fazendeiros, muitos deles grileiros, em avançar sobre terras indígenas. Tudo o que o presidente eleito falou até agora sobre índios revela espantoso desconhecimento da complexidade do tema e ideias que, se transformadas em política pública, terão efeitos desastrosos. Esse assunto caberá a Moro.

Na edição de domingo, este jornal trouxe reportagem do excelente jornalista Antônio Werneck com a lista dos vários barris de pólvora que passarão a integrar a agenda do futuro ministro: a guerra entre facções criminosas em 14 estados, o tráfico de drogas através de fronteiras porosas, rotas marítimas e aéreas do tráfico de armas pesadas, regras para o contato de presos com parentes, amigos e advogados, relação com os estados que são, no fim das contas, os responsáveis pela política de segurança pública. Quando houver rebeliões em presídios o assunto sempre cairá sobre o colo do ministro da Justiça e Segurança.

Sergio Moro tem grande capacidade de trabalho como já mostrou na 13ª Vara Federal. Precisará dessa competência para não se perder em assuntos tão díspares. Ele vai descobrir que não poderá apagar algumas agendas para focar apenas no que elegeu como sua missão. O Brasil é o país das muitas urgências.

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Ivan Monteiro deve ficar na Petrobrás, e Nelson de Souza, na Caixa

Geralda Doca

Manoel Ventura

13/11/2018

 

 

Atual secretário do Tesouro, Mansueto Almeida também continuaria no governo, no ministério da Economia de Bolsonaro

O presidente da Petrobras, Ivan Monteiro, deverá permanecer no comando da estatal, segundo fontes ligadas à equipe econômica do presidente eleito, Jair Bolsonaro. O novo governo teria sido convencido a não trocar o comando da empresa em meio ao processo de reestruturação que vem sendo implementado pelo executivo. A avaliação é que a permanência dele é vital para a recuperação da estatal, disse uma fonte.

De perfil técnico, Monteiro foi levado para a Petrobras no início de 2015 por Aldemir Bendine e permaneceu na estatal mesmo depois que o chefe foi trocado por Pedro Parente. Bendine hoje está preso, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro pela Operação Lava-Jato. Antes, estava no Banco do Brasil.

Como diretor financeiro, Monteiro foi um dos responsáveis pela implementação do plano de reestruturação da Petrobras, que inclui a venda de ativos para reduzir o endividamento e retomar a capacidade de investimento da companhia. Quando Parente pediu demissão, em 1º de junho, em meio à crise provocada pela greve dos caminhoneiros, Monteiro virou presidente da empresa.

Nas discussões para a composição da equipe que vai comandar as estatais no governo Bolsonaro, a secretária executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, agora tem poucas chances de assumir a presidência da Caixa Econômica Federal. A indicação chegou a ganhar força na semana passada, mas, segundo interlocutores, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, teria ficado incomodado com um movimento de promoção de Ana Paula ao cargo “goela abaixo”.

Indagado, ele respondeu a interlocutores que havia um problema de motivação para a economista participar do novo governo. O plano dela é se dedicar a um doutorado. Os critérios definidos por Guedes e equipe para manter integrantes do atual governo na gestão Bolsonaro são o trabalho desenvolvido por esses técnicos e sua motivação para continuar nos cargos.

Bons resultados

Com isso, cresce a possibilidade de permanência do atual presidente da Caixa, Nelson de Souza. Ele presidiu o Banco do Nordeste de 2014 a 2016. Foi vice-presidente de Habitação da Caixa até abril deste ano, quando passou a comandar o banco público. Na instituição, tem atuado em linha com Ana Paula, presidente do Conselho de Administração do banco, e colhido bons resultados, dispensando aportes da União na instituição.

O atual secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, também deve continuar no governo e fazer parte do ministério da Economia de Bolsonaro, que unirá as atuais estruturas de Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior. Ainda não há confirmação oficial, mas Guedes e equipe gostam do trabalho do economista e, por isso, devem mantê-lo no governo. O cargo que seria ocupado por ele também não foi informado.

Especialista em contas públicas, Mansueto é mestre em Economia e técnico de planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de onde saíram alguns dos integrantes da equipe de transição de Bolsonaro. Antes de ir para o comando do Tesouro, foi secretário de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel) da Fazenda quando Henrique Meirelles era ministro da pasta.