O globo, n. 31141, 10/11/2018. País, p. 7

 

Juízes agora querem adicional por tempo de serviço

Carolina Brígido

10/11/2018

 

 

Acordo entre Toffoli e Temer para o STF aprovar fim do auxílio-moradia em troca do aumento salarial desagrada a associações de magistrados, que pedem novo benefício; ‘estão jogando (reajuste) na minha conta’, reclama Bolsonaro

O acordo entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e o presidente Michel Temer para que a Corte vote o fim do auxílio-moradia gerou insatisfação nas associações de juízes. As entidades propõem um acréscimo no acordo: para abdicar do benefício, querem a volta do adicional por tempo de serviço — um outro penduricalho que propicia, ao longo dos anos, vencimentos maiores. Antes mesmo de assumir a presidência do Superior Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli combinou com o presidente Michel Temer que, se o Senado aprovasse o reajuste salarial de 16,38% para a magistratura, os juízes abririam mão do auxílio-moradia. A segunda parte do acordo, no entanto, não será tão fácil de ser cumprida, ainda que os ministros do STF estejam dispostos a restringir o pagamento do auxílio-moradia a casos específicos. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) lidera o movimento junto à Corte para garantir que a queda de vencimentos não seja significativa. Semanas atrás, antes da aprovação do reajuste no Senado, o presidente da entidade, Jayme de Oliveira, era explícito: —Precisamos recuperar o adicional por tempo de serviço. Hoje, a AMB acha que é devido o auxílio-moradia da forma como é pago.

Bolsonaro reclama

A avaliação no meio jurídico é que, mesmo restringindo o pagamento do auxílio-moradia, o que deve acontecer, o STF vai precisar encontrar uma fórmula para pacificar a magistratura. A volta do adicional por tempo de serviço parece juridicamente improvável, considerando as recorrentes decisões do tribunal sobre o assunto. Indignadas, as associações de juízes prometem bater o pé — o que pode significar, inclusive, uma greve da categoria. O auxílio-moradia e o adicional por tempo de serviço estão previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), editada em 1979 pelo então presidente Ernesto Geisel. Ela estabelece “ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado”. Hoje, com o entendimento ampliado, o Judiciário paga o benefício a todos os juízes que não ocupam imóveis funcionais — mesmo que tenham residência própria, mesmo sem apresentar o recibo do aluguel. A tendência é o STF restringir o pagamento do benefício apenas a quem de fato mora de aluguel, não tenha residência onde trabalha e não ocupe imóvel funcional. Em transmissão ao vivo ontem por suas redes sociais, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) fez uma queixa sobre a votação no Senado que concedeu o aumento salarial para os ministros do Supremo. Bolsonaro reclamou de estarem “colocando” em sua conta o reajuste. O salário dos ministro passará para R$ 39,2 mil. A proposta foi enviada pelo próprio Supremo ao Congresso e já havia sido aprovada pela Câmara, mas estava parada desde 2016 no Senado.

— Deixo bem claro: não sou o presidente da República. Estão botando na minha conta o reajuste do Judiciário, como se eu tivesse poderes para impedir. Eu dei minha opinião de que era inoportuno aquilo no momento, mas a decisão não é minha. A decisão está nas mãos do presidente Michel Temer, se vai sancionar ou vai vetar. Querem colocar na minha conta para começar com problemas junto às instituições —afirmou.

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‘Moro vai pescar com rede de arrastão’

10/11/2018

 

 

Bolsonaro diz que futuro ministro terá mais meios para combater criminosos; CNJ pede informações

Ao reafirmar que o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública terá carta branca no combate à corrupção, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), declarou ontem que Sergio Moro terá mais meios para ser efetivo contra o crime do que nos últimos anos, quando foi titular dos processos da Lava-Jato na Justiça Federal de Curitiba. Em uma transmissão ao vivo na internet, Bolsonaro fez uma metáfora pesqueira para ilustrar o poder que o juiz terá no governo. Vencedor da eleição com um discurso baseado no combate à corrupção, o futuro presidente se dirigiu a hipotéticos criminosos no vídeo veiculado em uma rede social:

— Sergio Moro vai pegar vocês. Abra teu olho. Ele lá agora, ao contrário do que alguns estão falando aí... Ele pescava com varinha, agora vai pescar com rede de arrastão de 500 metros. Queremos isso, o povo quer isso: combater a corrupção e o que está errado, para sonhar com aquilo que merecemos. O presidente eleito afirmou que nunca conversou com o magistrado durante a campanha e que só o recebeu após o segundo turno. — Ele disse o que queria para combater a corrupção. Ele quer carta branca. Não tem como falar não para ele. Ele terá toda a liberdade. Sobre as divergências que podem surgir com o futuro ministro, Bolsonaro disse que eles podem chegar a um meio termo e citou como exemplo a redução da maioridade penal.

— Vamos supor que a gente pense diferente sobre a maioridade penal. A gente pode chegar ao meio termo de 17 anos — disse, se referindo a idade para que o jovem responda por crimes que cometeu.

CNJ pede informações

O corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Humberto Martins, pediu para Moro prestar informações por suposta atividade político-partidária. Em um pedido de providências, um cidadão comum acusou o suposto desvio de conduta do juiz, por ter aceitado convite de Bolsonaro para ser ministro. Depois que Moro apresentar suas alegações, o plenário do CNJ decidirá se abre ou não um processo disciplinar contra o juiz para apurar o caso. Ao instaurar o pedido de providências, o corregedor anotou que o depoimento visa “possibilitar uma melhor compreensão dos fatos”. Em outro procedimento, o corregedor marcou para o próximo dia 6 o depoimento de Moro e de outros três magistrados envolvidos no episódio do habeas corpus concedido ao ex-presidente Lula. Também serão ouvidos os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) Rogério Favreto, João Pedro Gebran Neto e Thompson Flores Lenz. O procedimento segue em segredo de justiça e também é uma fase inicial de investigação.