O globo, n. 31133, 02/11/2018. País, p. 4

 

Moro ganha plenos poderes contra o crime

Jussara Soares

Rayanderson Guerra

Bela Megale

André de Souza

02/11/2018

 

 

Juiz da Lava-Jato aceita convite de Bolsonaro e terá foco no combate à corrupção

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou que o juiz Sergio Moro comandará um “superministério da Justiça”. Bolsonaro disse que Moro terá carta branca para comandar a Justiça e nomear sua equipe, e liberdade total no combate à corrupção, ainda que no futuro “viesse a mexer’’ com alguém de sua família. Em nota, o juiz dissequei ruma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado ”. A base de sua gestão será o texto com 70 propostas legislativas para combatera corrupção, feitas por especialistas soba coordenação da Transparência Internacional e da FGV. Políticos e juízes se dividiram sobre a nomeação. Um dia depois de ser convidado oficialmente para assumir o superministério da Justiça e Segurança, o juiz Ser gio Moro, que comanda a13ª Vara Federal de Curitiba eé responsável pela Operação Lava-Jato, anunciou que fará parte do governo de Jair Bolsonaro. De acordo com o presidente eleito, o magistrado aceitou o cargo depois de receber carta branca para combatera corrupção e oc rime organizado.

Bolsonaro afirmou ainda que, em 2020, quando o ministro Celso de Mello se aposenta do Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz poderá ser deslocado para a Suprema Corte, desde que aponte um substituto à altura.

Moro terá mais poder que seus antecessores. Além de reunir as atribuições que hoje estão separadas entre os ministérios da Justiça e da o novo ministro terá sob seu comando parte de estruturas da Controladoria Geral da União (CGU) e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda que monitora movimentações financeiras suspeitas e atua no combate à lavagem de dinheiro. Ele estará à frente ainda da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal.

Em nota, Sergio Moro afirmou que, desde já, deverá se afastar de todas novas audiências da Lava-Jato. E disse que aceita a missão com “certo pesar ”, pois terá que abandonar “22 anos de magistratura” para “afastar riscos de retrocessos no combate à corrupção”.

“A perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, àltuição, à lei e aos direitos, levaram-me ato ma resta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrução dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior”.

O juiz recebeu autonomia para indicar todo o primeiro escalão da Ministério, incluindo o diretor-geral da PF. Atualmente, cabe ao presidente esta indicação.

O presidente eleito disse que Moro chega como “soldado” disposto a ir para a guerra “sem medo de morrer”. Afirmou ainda que o juiz perseguirá o “caminho do dinheiro”, expressão utilizada para identificar os rastros financeiros das organizações criminosas. Segundo Bolsonaro, o juiz estará apto, inclusive, a investigar seus familiares, caso haja denúncia de corrupção.

— Ele expôs, longamente, o que pretende fazer caso seja ministro, e eu concordei 100% com o que ele colocou. Ele quer iauma liberdade total para combatera corrupção e a criminalidade. Eu não vou interferir em absolutamente nada no tocante a esse combate à corrupção. Mesmo que viesse a mexer com alguém da minha família no futuro. Ficou bem claro que qualquer pessoa que porventura apareça nos noticiários policiais vai ser investigada e não vai sofrer qualquer interferência —disse o presidente eleito, que concedeu diferentes entrevistas ontem para tratar do tema.

Ele ainda rebateu as críticas que recebeu do PT pela indicação do juiz da Lava-Jato:

—Se eles estão reclamando é porque eu fiz a coisa certa.

Sobre uma possível nomeação de Sergio Moro para a vaga de Celso de Mello, no STF, em 2020, o presidente eleito afirmou que este assunto não foi tratado com Moro. Porém, deixou a porta aberta.

— Não ficou combinado (de Moro ser nomeado para o STF), mas o coração meu lá na frente, ele tendo um bom sucessor, fica aberto para ele.

Desafios da função

Um dos principais desafios de Moro será lidar com o planejamento orçamentário da PF. O contingenciamento de verbas é uma das principais reclamações da corporação, que culpa a falta de dinheiro pelos problemas para monitorar fronteiras.

Hoje, a PF tem quase 5 mil postos vagos em diferentes áreas, segundo o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvanir Paiva. Sobre as fronteiras, a entidade defende a criação de um plano de segurança que integre PF, a Polícia Rodoviária Federal, forças armadas e polícias de países fronteiriços.

— Como ministro, Moro terá que apoiar projetos de lei que proíbam o contingenciamento do orçamento da PF —disse Paiva.

Na política penitenciária, há graves problemas de superlotação e nas condições a que os presos são submetidos. Bolsonaro já disse que vai prender mais e minimizou a falta de vagas que já existe hoje.

Em relação à Corregeria-Geral da União (CGU), Moro terá que atuar na criação de um marco regulatório para que os acordos de leniência firmados entre empresas e o órgãos sigam regras mais definidas. Outro desafio é realizar a correção de benefícios sociais concedidos a pessoas que não cumprem as exigências para recebê-los. Nos últimos dois anos, cerca de 10 milhões de pessoas foram cortadas de programas como o Bolsa Família por não se enquadrarem no perfil de beneficiários.

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Antes de atuar na Lava-Jato, a condenação de Beira-Mar

Cleide de Carvalho

02/11/2018

 

 

Especialista no combate à lavagem de dinheiro, Moro esteve em operações de destaque, como a do Banestado e a Farol da Colina

Precursor ao homologar o primeiro acordo de delação premiada no Brasil, o juiz Sergio Moro é especialista em lavagem de dinheiro e um estudioso do crime organizado. Já condenou líderes do tráfico internacional, como Lucio Rueda Bustos, do Cartel de Juárez, maior organização criminosa do México, e Fernandinho Beira-Mar, que comandava distribuição de drogas e armas de dentro da cadeia.

A condenação de Beira-Mar ocorreu em 2008, quando Moro ainda estava à frente da 2ª Vara Federal Criminal. A sentença foi a maior dada até então ao traficante: 29 anos e oito meses de prisão.

Foi a primeira vez que a Polícia Federal conseguiu estabelecer vínculo entre a atividade criminosa do traficante e a lavagem de dinheiro com a montagem de negócios paralelos, como uma revendedora de gás.

No início dos anos 2000, Moro assumiu o primeiro caso de repercussão da sua carreira: o Banestado, que investigou a remessa irregular de US$ 150 bilhões para o exterior entre 1996 e 2002. Foi quando homologou um acordo de delação premiada com o doleiro Alberto Yousseff, anos depois um dos personagens centrais da Operação Lava-Jato.

Em 2004, esteve à frente de outra operação importante: a Farol da Colina, que investigou a movimentação de US$ 24 bilhões entre 1999 e 2002 via contas bancárias não declaradas de doleiros.

Moro se envolveu, ainda que como juiz auxiliar, com a investigação de outro escândalo de corrupção. Em 2012, durante o julgamento do mensalão, assessorou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber.

Para suas atividades, o juiz tem se inspirado na Operação Mãos Limpas, que investigou casos de corrupção entre políticos e empresários italianos nos anos 1990.