O globo, n. 31134, 03/11/2018. País, p. 4

 

Em ação

Cleide Carvalho

03/11/2018

 

 

Sergio Moro já prepara pacote legislativo anticorrupção e contra o crime organizado

O ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sergio Moro, prepara um conjunto de medidas para enviar ao Congresso já em fevereiro, na nova legislatura, para endurecer as leis de combate à corrupção e à criminalidade. Entre as propostas, está a prisão após sentença de segunda instância. Ojuiz Sergio Moro, que anteontem aceitou ser ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL), já prepara um pacote de medidas legislativas anticorrupção e contra o crime organizado. A ideia é apresentar propostas ao Congresso em fevereiro, tão logo sejam empossados os deputados federais eleitos.

A atuação de Moro na Lava-Jato dá sinais das mudanças legislativas que ele deve propor. Por várias vezes, ele manifestou a necessidade de uma emenda à Constituição para garantir que um condenado cumpra a pena após ter a sentença confirmada pela segunda instância. Segundo ele, isso evitaria que uma nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF) possa mudar o entendimento sobre o tema. No Supremo, o atual entendimento, de que um réu pode começar a cumprir pena após ser condenado na segunda instância, foi decidido em outubro de 2016 numa votação apertada — seis votos a cinco. O presidente do STF, Dias Toffoli, deve pautar o assunto no primeiro semestre do ano que vem, e ministros da Corte já declararam mudança de posição, o que pode provocar um placar diferente nesse novo julgamento. Em março, Moro chegou a defender que a emenda para garantir a prisão em segunda instância deveria ser cobrada dos presidenciáveis: —Pode-se cobrar qual é a posição dos candidatos em relação a essa impunidade. Pode-se, por exemplo, se restabelecer (a execução provisória da pena) por meio de uma emenda constitucional — disse o juiz em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura. O pacote, que começou a ser estudado por Moro ontem, deve incorporar algumas das 70 propostas legislativas para o combate à corrupção reunidas por Transparência Internacional e Fundação Getulio Vargas (FGV) em um documento que Moro leu no avião, durante a viagem entre Curitiba e Rio, antes da reunião com o presidente eleito anteontem.

Para ser aprovada, uma emenda à Constituição precisa do apoio de três quintos dos parlamentares, tanto na Câmara como no Senado, em dois turnos de votação. A previsão é que o governo Bolsonaro não encontre dificuldade para aprovar suas propostas, pelo menos nos primeiros meses. O PSL tem a segunda maior bancada da Câmara, com 52 parlamentares — atrás apenas do PT, com 56. A estimativa é que o novo governo tenha o apoio de 250 a 300 parlamentares. Em 2015, Moro foi à Comissão de Constituição e Justiça do Senado argumentar a favor de alterações no Código de Processo Penal que seriam feitas por meio de um projeto de lei. A principal era a prisão preventiva de condenados por crimes hediondos (tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção ativa ou passiva, peculato e lavagem de dinheiro) a partir de decisão de um tribunal de segunda instância.

Além disso, Moro se mostrou favorável a decretar a prisão preventiva de condenados em segunda instância por outros crimes — desde que a pena fosse maior que quatro anos de prisão —a não ser que houvesse garantias de que o réu não voltaria a praticar novas infrações e não iria fugir. Essas duas sugestões foram encampadas pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e reunidas no projeto de lei do Senado 402/ 2015. Até hoje não votado, o texto foi assinado pelos senadores Roberto Requião (MDB-PR), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Alvaro Dias (Podemos-PR).

Recursos protelatórios

O projeto de lei da Ajufe prevê ainda que os recursos feitos por réus aos tribunais superiores —STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ) — só podem suspender a prisão preventiva caso os ministros entendam que a questão pode resultar em absolvição, anulação da sentença ou substituição da pena por restritiva de direitos.Oobjetivodamedida seria diminuir o caráter protelatório dos recursos. Para ter Moro em seu governo, Bolsonaro concordou em aumentar a área de atuação do Ministério da Justiça. Além de setores como a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas, a Rede de Laboratórios contra Lavagem de Dinheiro e a própria Polícia Federal, Moro deve comandar também a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que identifica movimentações suspeitas no sistema financeiro nacional.

Mudanças legislativas que Moro já defendeu

> Prisão após condenação em segunda instância

Antes das eleições, o juiz disse que o próximo presidente deveria se comprometer com uma emenda à Constituição para garantir que um condenado comece a cumprir pena após condenação em segunda instância. >Fimde recursos protelatórios Moro defendeu projeto de lei prevendo que recursos feitos ao STF e STJ só possam suspender prisão preventiva caso haja chance de absolvição, anulação da sentença ou substituição da pena .

> Redução do foro privilegiado

A proposta de lei, que consta de estudo feito por Transparência Internacional e FGV, restringe o foro privilegiado a 16 funções públicas — atualmente mais de 50 mil cargos têm direito ao benefício.

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Juiz cuidará ainda da questão indígena e de imigrantes

Cleide Carvalho

03/11/2018

 

 

Bolsonaro já se manifestou contra a demarcação de terras indígenas e pela instalação de campos de refugiados em Roraima

O juiz Sergio Moro vai cuidar de dois temas sensíveis ao governo de Jair Bolsonaro: a situação dos indígenas e a dos imigrantes, como os venezuelanos. O Ministério da Justiça, que será assumido por Moro, é o responsável pela Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. Já a Secretaria Nacional da Justiça, um dos braços do ministério, tem entre suas atribuições coordenar, em parceria com outros órgãos da administração pública, formular e implementar a política nacional de migrações e de refugiados. O presidente eleito já se manifestou contra a demarcação de terras indígenas, afirmando que elas são “descomunais e sem razoabilidade”, e que muitos brancos e negros foram expulsos delas.

— O Brasil é de todos nós. Não tem diferença entre branco, negro, amarelo ou um pele vermelha em nosso país —disse Bolsonaro, em um vídeo de abril de 2017.

De acordo com o Censo de 2010, o Brasil tem cerca de 817 mil indígenas que falam 274 línguas, e, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17,5% dessa população não fala a língua portuguesa. A população indígena é tutelada pelo Estado e enfrenta os mais diversos problemas, como invasões e desmatamento dentro de suas reservas, exploração sexual, aliciamento e uso de drogas e até mendicância.

Venezuelanos

Em março passado, Bolsonaro defendeu a revogação da Lei de Imigração e a instalação de campos de refugiados em Roraima. Na ocasião, o capitão da reserva afirmou que os ricos da Venezuela foram para Miami, a classe média para o Chile e que os mais pobres estavam vindo para o Brasil. —Nós já temos problemas demais aqui. Se vamos incorporar aquele exército ao que recebe Bolsa Família, quem vai pagar isso aí? Vamos aumentar impostos? — disse ele.

Na cidade de Pacaraima, em julho deste ano, a população local se revoltou contra cerca de 700 imigrantes e os obrigou a cruzar a fronteira de volta. Até julho, mais da metade dos cerca de 127 mil venezuelanos que entraram no país pela fronteira com o município já havia deixado o Brasil. O general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, chegou a sair em defesa dos venezuelanos, em setembro passado. Ele disse que o então candidato do PSL seria o comandante do Brasil, “não o dono”.