O globo, n. 31155, 24/11/2018. Artigos, p. 6

 

Uma coalizão para chamar de sua

Sérgio Abranches

24/11/2018

 

 

Para ter apoio duradouro e governar, Bolsonaro precisará formar maioria multipartidária. Opresidente eleito, Jair Bolsonaro, prometeu não compor o Ministério por acerto com lideranças dos partidos. Terá um Ministério híbrido, com técnicos, militares e indicados por bancadas temáticas. É o primeiro governo assumidamente de direita. Tem uma ideologia bem definida, com uma proposta econômica liberal ortodoxa e uma pauta de valores conservadora e religiosa. A indicação de ministros setoriais pelas bancadas temáticas, como Agricultura e Saúde, ou o poder de veto da evangélica na Educação revelam a disposição de governar com as agendas dessas frentes parlamentares. Significa que Bolsonaro não terá uma coalizão? Não. Apenas que a coalizão não será formada com base na troca de apoio por ministérios. É uma novidade a ser testada. Só a prática dirá se terá sucesso. A literatura acadêmica diz que, sem a representação da coalizão no gabinete, há risco para a governabilidade. O partido de Bolsonaro tem 10% dos votos na Câmara e 5% no Senado. Para governar, precisará formar maioria multipartidária. Quer usar meios novos para organizá-la.Mas,teráquenegociar com partidos no Congresso. As bancadas temáticas não dão liga para coalizões duráveis. Apenas alianças tópicas. Unem-se no específico e se dividem no todo. Pode-se chamar como quiser, base de apoio, maioria, aliança. Será uma coalizão. Um termo neutro a significar apenas um acordo multipartidário para apoiar o governo. A diferença é que há meios espúrios e meios limpos para negociar coalizões. A maioria das democracias multipartidárias do mundo tem governos de coalizão negociados por meios lícitos.

O ciclo político-partidário que organizou governo e oposição nos últimos 24 anos esgotou-se. A fragmentação das bancadas dificulta a coalizão. Para ter maioria simples, 267 votos, Bolsonaro, no melhor cenário, precisaria dos oito maiores partidos da centro-direita. Para emendas constitucionais, a maioria é de 308. Demandaria incluir os onze maiores partidos. Nos dois casos, ou garante 100% dos votos de todos ou terá que incluir mais legendas. Será um teste de novos formatos para o presidencialismo de coalizão, em um contexto difícil para compor e coordenar coalizões.

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Moro defende 'plano real' de combate ao crime

Bruno Abbud

24/11/2018

 

 

Futuro ministro da Justiça e Segurança Pública vai apresentar ao Congresso, no início da próxima legislatura, um projeto de lei com medidas mais rígidas de enfrentamento à corrupção e às organizações criminosas

Futuro ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, Sergio Moro afirmou ontem que pretende apresentar ao Congresso, em fevereiro do ano que vem, um projeto de lei que torne mais rígidas as punições contra o crime organizado, corrupção e crimes violentos. O ex-juiz da Lava-Jato batizou a proposta de “Plano Real” contra a criminalidade.

A proibição de progressão de regime para presos vinculados a facções e organizações criminosas e mudanças nas regras de prescrição são algumas medidas que vão compor o projeto. — Isso (proibição da progressão) vai servir como desestímulo ao ingresso desses presos em organizações criminosas. Também passamos a ver como normal um processo penal que termina em nulidade ou prescrição. Algumas alterações específicas podem fazer uma grande diferença — disse Moro, que participou de um evento na Fundação Getulio Vargas, no Rio. —É uma espécie de Plano Real contra a criminalidade no Brasil. Outra item a ser incluído, segundo o futuro ministro, é o aumento da regulação na comunicação dos presos: — É preciso retomar o controle das cadeias do Brasil e fazer um ciclo virtuoso de reformas nessa área. O ex-juiz também ponderou ser necessário diferenciar crimes eleitorais de caixa dois do recebimento de propina em troca de benefícios, o que configuraria crime de corrupção. Ele ressaltou que as propostas ainda estão em discussão:

— É um projeto em gestação. Não posso dizer que são medidas definitivas, porque ainda serão discutidas com a nova gestão. Mas queria saudar os deputados eleitos e já pedir apoio. O ex-magistrado voltou a afirmar que o foco de sua gestão será “uma agenda anticorrupção, anticrime organizado e anticrimes violentos com medidas no Legislativo e medidas executivas”.

Moro falou por cerca de meia-hora a uma plateia formada por delegados federais e profissionais do meio jurídico. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), e o governador eleito do estado, Wilson Witzel (PSC), também apareceram durante a tarde no evento para acompanhar a palestra de Moro. Ele dividiu o palco com o juiz Marcelo Bretas, que julga os processos da Lava-Jato no Rio, o presidente do Tribunal Regional Federal da 2° Região (TRF-2), André Fontes, e o superintendente da Polícia Federal no Rio, Ricardo Saadi. Também presente ao evento, o delegado Edvandir Félix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), elogiou a escolha de Moro para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública: —Do ponto de vista da Polícia Federal, nós entendemos que a nomeação é importante por ser uma pessoa técnica que conhece profundamente o combate à corrupção e a PF. Entendemos que é um momento de oportunidade.

Déficit de policiais

A principal demanda dos delegados federais a Moro, diz Paiva, será por autonomia e mais concursos públicos para a corporação. Segundo ele, há um déficit de 7.000 servidores na PF, entre policiais e funcionários da área administrativa. — Pretendemos sair desse período com a Polícia Federal protegida o máximo possível da influência do poder político-econômico. E essa proteção é feita aprovando autonomia para a Polícia Federal na Constituição — defendeu o delegado. Paiva reforçou a necessidade de independência, para que a corporação fique blindada no andamento de investigações.

— A interferência política ocorre com nomeações ou com vetos de nomeações de pessoas técnicas. Outra maneira de intervir é cortando recursos.