O globo, n. 31078, 08/09/2018. País, p. 10

 

A vida de Adélio: surtos e isolamento em quarto escuro

Thiago Herdy

08/09/2018

 

 

Agressor, que foi criado pelos irmãos em um bairro pobre de Montes Claros, passava dias fechado em um cômodo, no calor, e falava sozinho por horas; cunhada diz que parentes sugeriam que procurasse ajuda, mas ele recusava

Adélio Bispo de Oliveira, o homem que esfaqueou o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL), tinha hábitos que ninguém compreendia, quando viajava à sua cidade natal, Montes Claros, no Norte de Minas, para visitar os parentes: passava dias inteiros fechado em um quarto escuro com paredes de tijolo aparente, porta e janelas fechadas, sob o calor de uma das regiões mais quentes do estado.

—Não posso falar que ele era maluco, mas, pelas atitudes que tomava, não era normal, não. Ficava o dia todo trancado. Vai saber o que ele ficava pensando — conta o pedreiro Eraldo Fábio Rodrigues Oliveira, de 45 anos, casado com uma sobrinha de Adélio.

Sozinho, um "converseiro"

Preocupado com o comportamento do cunhado, a servente Maria Inês Dias Fernandes, de 48 anos, avisou ao marido há cerca de cinco anos: “vamos conversar com ele, falar de tratamento antes de ele ir embora”. Mas, segundo ela, não teve jeito. O cunhado falava que não precisava de médico, tinha “saúde de ferro”. —Ele danava um converseiro, no quarto, sozinho. Sentava na cama e ficava conversando, conversando, e você não sabia com quem —contou a mulher, ontem, de pé ao lado das roupas de um bazar que mantém na entrada da casa onde vive com o irmão de Adélio, em um bairro distante do centro de Montes Claros. Filho de funcionários públicos que trabalhavam como varredores de rua na maior cidade do norte de Minas, Adélio ficou órfão de mãe ainda na infância, e de pai, no início da juventude. Foi criado pelos quatro irmãos, três mulheres e um homem. E ajudou na criação dos filhos das irmãs, que chegaram cedo à família. Em busca de dinheiro, porque “aqui nunca tinha serviço pra gente”, segundo a cunhada, ele viajou para o sul de Minas, Santa Catarina e São Paulo antes mesmo de completar 18 anos. Uma das sobrinhas mais próximas, que teve Adélio como referência durante a criação, é Jussara Ramos, de 31 anos. Na tarde de quinta-feira, o marido dela assistia a um programa policial na TV quando reconheceu o autor do atentado contra Bolsonaro. —Mor, acho que é o seu tio —disse à mulher, Jussara, que passa por um difícil tratamento de câncer e “danou a chorar”. Ontem, ela ainda tinha muita dificuldade para falar sobre o tio, cuja fama repentina lhe parecia “um pesadelo ruim, que a gente ia acordar e passar”:

—Cês não tem noção do que a família tá sofrendo, ele longe, a gente aqui sem poder fazer nada. Ninguém sabe o que aconteceu, ele lá jogado, só, e nós aqui, preocupado —dizia, aos prantos.

A mãe dela, irmã de Adélio, deixou a casa no bairro Maracanã, de classe baixa de Montes Claros, mesmo local onde o sobrinho costumava se hospedar. Com medo de hostilidade, parte dos parentes foi para a zona rural. —Ele surtava, moço, ele sumia. É um surto psicótico que só quem tem dentro da família sabe. E esse trem já nos expôs tanto que veio uma dona lá dos quinto dos infernos pra ver onde é que ele tá: “Gente, ele não mora aqui”. E falei pra ela: “ele é um comedor de arroz, igual eu e você. Aconteceu comigo o que podia acontecer com você” —contou. Entre os períodos de trabalho no sul do estado e do país, Adélio passou temporadas em sua cidade natal. Prestou serviços de camareiro em um hotel da cidade e se envolveu com as atividades da Igreja do Evangelho Quadrangular. Adorava assistir TV, em especial os telejornais, pois “era pessoa muito interessada”, segundo a cunhada Maria Inês. Ela reclama do aspecto do parente na TV e nos jornais do dia anterior, que ela diz não ser dele”, “aquele olhar horroroso”:

—Eu chego que arrupeio, ele não tinha aquele olhar. Quem não viu ali que ele não tava bem da cabeça? — pergunta.

Ontem, a sobrinha se martirizava por não ter procurado ajuda para Adélio, ao perceber que o comportamento se agravava: —Por que a gente não pediu ajuda? Por que, nesses primeiros sinais, a gente não se doou mais para ele, também? Ele falava que sempre tava bem, que não precisava de ajuda. Ele não dava nem espaço.

A família nunca teve notícia de que Adélio exercesse qualquer tipo de atividade política, embora na juventude tenha um dia afirmado que gostaria de ser deputado, “para ajudar gente em um monte de cidades”. Os parentes receberam com surpresa a informação de que de 2007 a 2014 ele foi filiado ao PSOL em Uberaba (MG), uma das cidades onde viveu e trabalhou.

Medo de reações

Em postagens dos últimos meses em seu perfil nas redes sociais, ele criticava Bolsonaro e o presidente Michel Temer. Falava sobre supostas maquinações da maçonaria e o transporte secreto de caixões da Fema, a agência federal americana de gestão de emergências que estaria preparada para atuar para a breve chegada do “juízo final”.

Um dos sobrinhos de Adélio, de 11 anos, faz atividades extraclasse na unidade do Exército da cidade, como natação, judô e educação física. Ontem, ele ia desfilar na parada de Sete de Setembro, na principal avenida da cidade. A mãe achou melhor ele não ir. —A gente fica com medo, não sabe como é a cabeça dos outros, né, moço? — explicou o pai da criança.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Indiciado, autor do ataque irá para presídio federal

Marco Grillo

Bruno Abbud

Juliana Dal Piva

08/09/2018

 

 

Adélio Bispo de Oliveira foi autuado em flagrante com base na Lei de Segurança Nacional por ‘inconformismo político’

O autor do ataque ao candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), Adélio Bispo de Oliveira, foi autuado em flagrante pela Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional. Segundo a PF, ele foi preso por “praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”, crime previsto no artigo 20 da lei. A pena prevista para o delito é de três a dez anos de prisão, mas pode dobrar, se resultar em lesão corporal grave, ou triplicar, se resultar em morte. Ontem, a prisão em flagrante de Adélio foi convertida em preventiva. Foi determinada ainda a transferência dele para o presídio federal de Campo Grande-MS De acordo com o deputado Fernando Francischini, líder do PSL na Câmara, que participou da audiência de custódia, o Ministério Público Federal (MPF) endossou a posição da Polícia Federal de enquadrar Adélio na Lei de Segurança Nacional, em função das suspeitas de motivação política.

— Ele disse que as motivações foram políticas e religiosas e as diferenças dele (com Jair Bolsonaro) levaram ele a cometer o que ele chama de incidente — afirmou Francischini. Em depoimento à Polícia Militar de Minas Gerais, Adélio disse que os agentes “não entenderiam” o que motivou o crime. A declaração está no boletim de ocorrência, que O GLOBO teve acesso com exclusividade. Aos oficiais, o agressor disse que “saiu de casa com uma faca de uso pessoal a fim de acompanhar a comitiva e, no melhor momento que encontrasse, atentar contra a vida do candidato”. Sobre a motivação , Adélio disse que estava “a mando de Deus”. No boletim de ocorrência, a polícia informa que a faca usada para ferir Bolsonaro possui lâmina de 25 cm. A Polícia Federal pediu ontem a quebra dos sigilos bancário e telefônico de Adélio. Uma das linhas de investigação é descobrir de onde veio o dinheiro utilizado pelo autor do crime para se hospedar em Juiz de Fora. O objetivo dos investigadores também é apurar as comunicações feitas por ele via celular ou por e-mail e redes sociais para saber se Oliveira agiu sozinho ou se houve mais alguém envolvido. O computador dele foi apreendido na pensão onde morava, em Juiz de Fora. Além disso, a Polícia Federal irá acessar o registro das antenas de celular por onde o acusado passou. Estações rádio-base também serão utilizadas para o mapeamento. Segundo Francischini, o PSL , partido do candidato, também investiga os paradeiros recentes de Adélio, para saber se o acusado foi a comícios de Bolsonaro. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que a PF também vai fazer a reconstrução de todos os passos do agressor. — O que se trabalha, basicamente, é que foi um ato isolado, de lobo solitário — disse Jungmann. Nodep oim entoà PF, Adélio disse que não foi contratado por ninguém e não recebeu ajuda de terceiros. Ele também afirmou que “defende a ideologia de esquerda” eque, embora se apresente como evangélico, “na verdade não é nada disso”. Sobre a motivação do crime, alegou que Bolsonaro defende a ideologia de extrema-direita e o extermínio de homossexuais, negros, pobres e índios, “do qual discorda radicalmente”.

A defesa de Adélio, liderada pelo advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, informou que o seu cliente agiu provocado por um “discurso de ódio” de Bolsonaro. O advogado disse que a declaração de Bolsonaro de que “negro não servia nem para procriar” teria deixado Adélio psicologicamente abalado. —Vamos requerer que um incidente de insanidade mental seja instaurado. Os advogados disseram ter concordado coma transferência de Adélio para um presídio federal para sua segurança.