O globo, n. 31086, 16/09/2018. País, p. 12

 

Evasão e violência lideram preocupações de jovens, diz Unicef

Paulo Assad

João Paulo Saconi

Luciano Ferreira

16/09/2018

 

 

Feita a pedido do GLOBO, enquete quis saber se propostas de candidatos à Presidência atendem à expectativa da juventude

Ajovem K., de 19 anos, não sabe quando vai conseguir concluir os estudos do ensino fundamental em uma escola pública no bairro Mangueirão, em Belém do Pará. Ela está fora da escola desde o começo do ano letivo porque não se sente segura em sala de aula: na última vez em que esteve no local, foi ameaçada de morte por um homem a quem ela acusa de tê-la estuprado, pai de uma amiga com quem morava.

—Eu queria que a escola me desse suporte. Comuniquei à diretora o problema pelo qual estava passando e ninguém fez nada. Não posso sair de casa para aprender e ficar à mercê da violência. Nas aulas, vi de tudo, até traficante, mas não vi educação. A escola não tinha força para lutar contra o que me prejudicava —afirma a estudante do 8º ano, registrada como “desistente” após dois meses de ausência e nenhuma tentativa de reintegração ao corpo discente por conta da direção pedagógica do colégio estadual. Bem longe dali, a 1.443 quilômetros, a violência fez com que André Alves, de 18 anos, perdesse seis de dez amigos de um grupo formado na infância passada na comunidade de Bom Jardim, na parte pobre de Fortaleza, onde 15 jovens foram assassinados só no ano passado.

Apesar da distância entre as tragédias, tanto a jovem K. quanto André estão inseridos dentro de um mesmo contexto que reflete as duas maiores preocupações de um público com faixa etária entre 14 e 24 anos nas cinco regiões do país: evasão escolar e a violência contra crianças e adolescentes.

É o que mostra nova rodada de uma enquete do Unicef, a segunda feita a pedido do GLOBO, com mais de 14 mil jovens em todo o país. A primeira, publicada há 15 dias, mostrou que mais de 90% deles acreditam no poder do voto para mudar os rumos do Brasil.

Desta vez, o Unicef aplicou um questionário com quatro situações que tentam provocar as candidaturas nestas eleições de 2018 para priorizar os direitos de crianças e adolescentes, e se elas têm propostas concretas para problemas como evasão escolar (2,8 milhões de meninas e meninos), violência (31 homicídios diários), ausência de trabalho e renda, mortalidade infantil e falta de participação democrática. As respostas foram obtidas a partir do U-Report, ferramenta de relacionamento automatizado que contabiliza as opiniões concedidas por adeptos da plataforma nas redes sociais. A enquete mostrou que 25% dos jovens se assustam com a situação dos alunos que deviam estar nos colégios e não estão. Outros 24% estão alarmados com o número de mortes relativo às menores faixas etárias.

Motivos diversos

Para Mário Volpi, coordenador do programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef, a evasão escolar não pode ser resumida apenas às motivações tradicionais, como trabalho infantil, gravidez na adolescência

e falta de vagas nas instituições de ensino. Segundo ele, assim como na vida de K., outros fatores levam jovens a abandonarem as salas de aula. —É preciso produzir meios de reduzira evasão pensando essa diversidade de motivos. No Rio, vimos que mães divorciadas deixaram de levar os filhos à escola por medo de que os pais fossem pegar as crianças e ficassem coma guarda delas—diz Volpi. Já para K., violentada pelo pai da amiga, as más condições do sistema público de ensino foram decisivas para a desistência dela da escola:

—Precisei morar na casa de uma amiga e foi o pai dela quem me violentou. Quero ser juíza para garantir que nada disso aconteça com outras. Segundo Volpi, há relação entre as duas grandes preocupações da juventude constatadas pela pesquisa do Unicef. — Um estudo que fizemos no Ceará mostrou que a maioria dos adolescentes assassinados estava também fora da escola. Vi mosque a saída desses jovens do colégio aumenta a vulnerabilidade deles.