O globo, n. 31067, 28/08/2018. País, p. 6

 

Agência ofereceu R$ 1,5 mil por elogios a Lula

Bruno Góes

Mateus Coutinho

28/08/2018

 

 

 Recorte capturado

E-mail revela que influenciadores receberam proposta de verba mensal para a entrega de um conteúdo por dia direcionado a ‘ações de militância política para a esquerda’, com material elogioso ao ex-presidente e crítico a pautas de direita

Influenciadores digitais que replicaram conteúdos elogiosos a pautas de esquerda e ao ex-presidente Lula nas redes sociais receberam oferta de pelo menos R$ 1,5 mil por mês para participar de ações, segundo email original de uma proposta obtido pelo GLOBO.

No documento, Isabella Bomtempo, dona de um email com o domínio da aceleradora VBuilders, diz que trabalha para uma agência e gostaria de promover “ações de militância política para a esquerda”. Segundo fonte ouvida pelo GLOBO, Isabella trabalha para a agência Follow, de propriedade do deputado federal e candidato do PT ao Senado por Minas Gerais, Miguel Corrêa.

Uma série de comentários elogiosos ao governador do Piauí, Wellington Dias, do PT, chegaram aos tópicos mais relevantes do Twitter ontem após influenciadores revelarem o recebimento de propostas pagas pelo serviço, o que é vedado por lei. O e-mail obtido pelo GLOBO é mais uma evidência de que houve propostas para influenciadores, embora a relação direta com Dias não seja ainda comprovada.

Oficialmente, quem admitiu ter prestado serviços ao PT para “monitorar redes sociais” e “indicar influencers” foram, respectivamente, as agências BeConnect e Lajoy. Ambas as empresas negam ter pagado para pessoas conhecidas postarem conteúdo elogiosos a candidatos do PT.

No e-mail enviado por Isabella, há exemplos de pautas que seriam exploradas para os contratados postarem: “Fale sobre como o governo golpista atual está tirando verbas da educação e congelando os investimentos por 20 anos; Fale sobre a candidatura do Lula de maneira descontraída; Fale sobre como as mulheres são pouco representadas na política; Fale como a direita não apoia e não sustenta abertamente os LGBT’s e por aí vai...”

Na mesma proposta, ela oferece um valor:

“Temos de verba R$ 1.500,00 por mês para a entrega de 1 conteúdo por dia publicado na sua rede social mais relevante, pode ser 1 tweet, 1 story, você escolhe...”.

APP BRASIL FELIZ DE NOVO

O GLOBO não conseguiu contato com Isabella Bomtempo. Desde que o caso foi denunciado por uma das participantes do grupo de influenciadores, que se recusou a fazer propaganda para Dias não quis responder a perguntas específicas sobre o caso.

Rodrigo Cardoso, dono da BeConnect, disse que sua empresa foi contratada pelo PT. Ele tem uma ligação direta com o deputado Miguel Corrêa, dono da Follow. Rodrigo foi nomeado como secretário no gabinete do parlamentar no dia 4 de julho deste ano. Ele também namora uma sobrinha do parlamentar, sócia da Follow.

A Follow, segundo o próprio Miguel Corrêa, desenvolveu o aplicativo “Brasil Feliz de Novo” — batizado com o nome da coligação do PT na campanha nacional —, no qual usuários que se dispõem a militar têm acesso a uma série de notícias positivas ao partido disponíveis para compartilhamento. No aplicativo, há ainda um ranking dos usuários mais ativos. A empresa desenvolveu ainda outro aplicativo, com estrutura semelhante, que possui o mesmo nome da empresa: “Follow”. Nele, o usuário pode compartilhar notícias e ganhar dinheiro com isso.

Desde o domingo, O GLOBO tenta contato telefônico Joyce Falete, da Lajoy, que se diz responsável por “indicar influenciadores”. Não houve resposta, mas uma nota nota enviada pelo deputado Miguel Corrêa, assinada por Joyce, diz que a Lajoy não realizou pagamento a influenciadores.

O GLOBO entrou em contato com Luís Veloso, que participou da iniciativa da aceleradora VBuilders, cujo domínio consta no e-mail de Isabella Bomtempo. Segundo ele, a empresa fica no mesmo andar de um prédio, em Belo Horizonte, onde a Follow é estabelecida.

Luís Veloso também trabalhou com Miguel Corrêa. Ele disse ao GLOBO que se juntou à empreitada por ter experiência no Vale do Silício, mas abandonou o projeto ainda no início:

— Criei uma aceleradora para desenvolver uma análise de influenciadores. Acabei não entrando no negócio.

Em nota, Miguel Corrêa disse que a Follow e a BeConnect “apresentaram para clientes análises de monitoramentos de redes de perfis reais”, mas negou o pagamento de qualquer tipo de valor aos “perfis de grande influência.”

Em nota curta, após mais de 24 horas em silêncio, o PT diz que “não contratou nem pagou nenhuma empresa para fazer divulgação remunerada de conteúdo nas redes sociais”. O PSDB no Piauí ajuizou ação por propaganda ilegal.

MAIS DE 700 MIL SEGUIDORES

Dos perfis já identificados e que tuitaram conteúdos relacionados ao caso, 17 somam cerca de 721,9 mil seguidores no Twitter, sendo que apenas um deles, o de @estebantavares é responsável por atrair 311 mil pessoas em sua página. Ele se apresenta como músico, numa conta verificada pela plataforma, e em uma das respostas à sua ação a favor do governador petista disse: “Eu falo do PT de graça. Não precisa de choradeira”.

Os demais influenciadores têm algumas dezenas de milhares de seguidores. (Colaborou Jeferson Ribeiro)

O PASSO A PASSO

1 Influenciadores são contratados para postar mensagens favoráveis ao PT. Os recrutados recebiam pautas específicas e tinham um grupo de WhatsApp chamado #Lulazord

2 Na noite de sábado, às 22h33m, a usuária do Twitter @pppholanda revela que os postagens para elogiar o PT eram pagas. Ela não quis publicar mensagens favoráveis ao governador do Piauí, Wellington Dias

3 No domingo, a palavra “Piauí” vai parar no topo dos assuntos mais comentados do Twitter. Internautas acham influenciadores que também trabalharam na ação

4 No mesmo dia, a coligação do PSDB no Piauí entra com ação denunciando propaganda ilegal feita pela campanha de Dias

5 As empresas BeConnect e Lajoy admitem ter prestado serviços ao PT para, respectivamente, “monitorar redes sociais” e “indicar influencers”. Negam ter pagado a influenciadores

6 O GLOBO mostra que propostas de R$ 1,5 mil por mês foram feitas para influenciadores. Intermediária trabalha na empresa Follow, do deputado federal Miguel Corrêa (PT-MG)

7 A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, diz que a sigla vai esclarecer o caso, mas o partido não responde às perguntas feitas pelo GLOBO

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Sua opinião à venda nas redes

Pedro Doria

28/08/2018

 

 

A prática de pagar por posts, como o PT está sendo acusado de fazer nas redes sociais, é corriqueira no meio publicitário. Em alguns setores, como o das instagramers de moda ou dos youtubers que atingem um público vasto, às vezes a remuneração chega às dezenas de milhares de reais. Em campanha eleitoral, a legislação a proíbe. Mas, sem que haja uma denúncia, é praticamente impossível fiscalizar. E, se há outra praxe corrente na publicidade, quando o assunto é política, é que as normas serão dribladas sempre que possível.

No caso do PT houve denúncia de dentro. Uma militante havia concordado com o esquema, receberia um valor em troca de publicar no Twitter o que, a agência lhe prometeu, seriam temas relacionados às esquerdas. Quando veio o terceiro pedido de boas palavras sobre um candidato petista, desconfiou. O acordo era explícito: tinha de ser tudo sigiloso. Claro. É ilegal. Mas, como ela sentiu que o projeto era partidário, não apenas ideológico, decidiu entregar. Desde o sábado à noite, o assunto domina as redes.

Não tem dez anos que as redes começaram a dominar os debates no ambiente digital. A promessa da internet perante o analógico é a de que ela traria precisão aritmética. O anunciante saberia quantas pessoas viram a propaganda, o colunista quantos leram seu texto e, assim, o marketing poderia enfim cumprir sua vocação, tornando-se uma ciência exata. As redes foram além, nos educando com os números de seguidores ou amigos, de retuítes, de curtires, compartilhamentos e tantos outros corações. Esses números, se parecem exatos, são só aparência. Sempre que alguém deseja, são manipulados.

Posts pagos são isso: manipulação do debate público. Quando várias pessoas com muitos seguidores no Twitter —ou noutra rede social —falam no mesmo dia de um mesmo candidato, aquilo mexe no algoritmo. No Facebook, o tema aparece para mais gente. No Instagram, idem. No Twitter, além disso tem a chance de emplacar os trending topics, lista que todos veem dos assuntos mais badalados do momento. Ou seja: posts pagos compram lugar de destaque. Fazem parecer que um determinado assunto mexe com muita gente, dão a eles um volume artificialmente inflado.

As redes estão tentando combater essas estruturas artificiais. O Twitter combate bots, os usuários que não são gente, são robôs de software. O Facebook desmantela e põe abaixo redes de compra e venda do apoio de perfis falsos. Mas quando são usuários verdadeiros que põem seus nomes à venda e não explicam aos leitores que sua mensagem pode ser trocada por dinheiro, não há solução. Ou há: um público que aos poucos se eduque e puna, com perda de credibilidade, quem compra mensagens de apoio sem deixá-lo claro. E quem põe à venda o que pensa.

O risco é só um: descobrir que a prática é tão ampla que abarca meio mundo em ambos os lados do espectro ideológico do país. A vez dos holofotes na manipulação feita pela direita passou, chegou a hora da esquerda. No fim, é muito simples. Não dá para confiar nos números das redes sociais. São uma miragem.