O globo, n. 30972, 25/05/2018. Rio, p. 11

 

Human rights watch cobra elucidação do caso Marielle

Fábio Teixeira

25/05/2018

 

 

Vice-presidente da entidade se reuniu com interventor federal

Em visita ao Brasil, Iain Levine, vice-presidente da Human Rights Watch — organização humanitária que atua em dezenas de países —, teve um encontro com o interventor federal na segurança pública do Rio, general Walter de Souza Braga Netto, e cobrou a elucidação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, praticado no dia 14 de março. De acordo com Levine, o esclarecimento do crime deve ser uma prioridade, para que o caso não se torne um símbolo internacional de impunidade. Ele informou ainda que pediu ao Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público estadual que acompanhe o trabalho de investigadores.

— A morte de Marielle e Anderson é um caso emblemático de uma crise de impunidade generalizada. Obviamente, fazer justiça nesse crime não significa que haverá justiça para todos os outros. Mas, se o governo falhar, será um sinal muito negativo para o Brasil.

O Gaesp, solicitado por Levine, atua no combate à ação de policiais corruptos e milicianos. Segundo o pesquisador sênior para o Brasil da Human Rights Watch, César Muñoz, há indícios fortes de participação de agentes de segurança e paramilitares em vários crimes praticados no Rio.

— O grupo é especializado, tem uma expertise que promotores talvez não tenham. Seria importante ter profissionais do Gaesp no caso — defendeu Muñoz.

O vice-presidente da entidade afirmou que, no exterior, a execução de Marielle e Anderson a vereadora teve mais repercussão que a intervenção na segurança. A ação federal no Rio é vista com “preocupação” pela Human Rights Watch.

— Fiquei surpreendido com o impacto da morte da Marielle. Principalmente porque se tornou um caso internacional — afirmou Levine. — Isso foi passado ao general, e acho que ele entendeu. Braga Netto disse que a investigação segue de forma científica e profissional. Afirmou que não vai ceder a pressões nem anunciar resultados antes de estarem prontos. Ele sabe da importância do caso.

Durante uma conversa de 50 minutos com Braga Netto, Levine disse ter percebido que o foco da intervenção é a melhoria da gestão dos órgãos de segurança. Para a Human Rights Watch, porém, a prioridade deveria ser o combate à impunidade.

— Ele disse muitas vezes “somos técnicos”“, “somos profissionais e temos um plano de gestão muito importante para melhorar o trabalho da polícia”. Falamos sobre a impunidade, e enfatizamos muito isso como a raiz dos problemas de segurança pública — frisou Levine. — Não tenho dúvida nenhuma que uma melhor gestão poderá ser útil. Mas melhorar somente a gestão não resolve os problemas de violações de direitos humanos.

Para Levine, a raiz dos problemas de segurança pública do Rio está na falta de confiança nas forças policiais. Ele aponta que o último projeto feito para tentar alterar essa situação foi a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que hoje vivem uma crise. Levine afirma que Braga Netto reconheceu as limitações do projeto.

— Em nossa conversa, Braga Netto disse que as UPPs foram para as favelas, mas o estado não entrou. Ele afirmou que não houve apoio por parte do poder público para melhorar a qualidade de vida da população, o que garantiria um aumento da confiança na polícia. Minha impressão é que essa análise está certa. As UPPs fizeram alguma coisa, mas chegaram ao seu limite de resolver a situação a longo prazo, e tudo que seria necessário para manter e fortalecer a segurança não foi feito.

Procurado para comentar as declarações de Levine, o Gabinete de Intervenção Federal informou, em nota, que suas ações “são pautadas pela legalidade e pelo respeito aos direitos humanos.” Já o Ministério Público destacou que, para o Gaesp acompanhar a investigação da morte de Marielle e Anderson, precisa ser acionado pelo promotor do caso.